Se o que
importa é o que fazemos com os anos, a verdade é que, nestes 50, fiz o
que quis, o que pude, o que soube e principalmente o que calhou. Amanhã,
faço 50 anos. E depois de amanhã, faço o quê? Coluna semanal de Alberto
Gonçalves, via Observador:
A Apolo
11? Crescemos juntos. Amanhã, 28 de Julho, também faço 50 anos. Excepto
manter-me vivo, não fiz muito por isso: os anos foram aparecendo feitos,
pé ante pé, todos alinhadinhos e sempre mais furtivos e ligeiros. É
impressionante que a crescente rapidez dos aniversários contraste com a
progressiva lentidão do aniversariante. A rapidez, aliás, não é apenas
impressão. À medida que se acumulam, os sacanas dos anos tornam-se de
facto fugazes, e curtos, dado que cada um representa uma porção cada vez
menor da nossa existência. Devagarinho, chega-se aos 20. Para os 30 é
um salto. Num instante, chega-se aos 40. Aos 50 nem se chega: chegam
eles, de repente e sem pedir licença. Minto. Os 50 anos não se limitaram
a ser feitos: fizeram-se anunciar com a persistência das sombras. Aos
40 já sentimos os 50 a caminho. Aos 45 já sentimos a ameaça dos 50. Aos
49 já nos sentimos com 50. Aos 50? Não sei, só os completo amanhã. Dá
azar celebrar os anos antes do tempo.
De
resto, celebrar o quê? Percebo que a época vigente é fértil em
exercícios de autossatisfação. Não percebo porquê. Uma simples
espreitadela às “redes sociais” descobre resmas de indivíduos
encantadíssimos com as próprias virtudes e conquistas. Pessoas
aborrecidas como a morrinha afirmam-se, sem gota de ironia ou dúvida,
felizes, frontais, generosas, realizadas, decididas, destemidas,
lúcidas, “resolvidas” (santa paciência) “empoderadas” (Deus nos acuda) e
“pró-activas” (desisto). Recentemente, deparei na internet com uma
senhora que se considera “guerreira”, casada com um “marido guerreiro” e
mãe de dois “filhos guerreiros” – pelo menos a batalha da palermice
está ganha. Em suma, trata-se da versão alargada do fresco renascentista
“Pés à Beira da Piscina”, em que X deseja exibir à humanidade a alegria
dos seus dias, a sensatez das suas escolhas, o arranjo cósmico que
fintou biliões de probabilidades com o solitário objectivo de colocar X
naquela exacta estância balnear, a suscitar a inveja dos outros. Por
sorte, os outros, aos 20, aos 30, aos 40, aos 50, aos 110 anos
mostram-se igualmente impecáveis e a incitar raivas alheias. Eu não.
Nunca,
salvo em momentos assaz específicos e justificáveis, estive
desgraçadamente mal. Nunca, salvo em momentos breves e curiosos, me
ocorreu que não podia estar melhor. Nunca, até por desconhecimento das
consequências das alternativas, me congratulei pelas decisões que tomei
ou me arrependi das decisões que não tomei. Nunca me tive em grande ou
pequena conta: procuro não me ter em conta. Tenho tido, tudo somado,
sorte. E, em doses aceitáveis, alguns azares. Nas pessoas, nos lugares,
no trabalho e na saúde, nos ganhos e nas perdas. Não me posso queixar,
embora me queixe com frequência e ocasionalmente com razão. Se o que
importa não é fazer anos, e sim o que fazemos com os anos, a verdade é
que, nestes 50, fiz o que quis, o que pude, o que soube e principalmente
o que calhou. Não fiz planos. Fiz asneiras das grossas. Fiz proezas das
finas. Ou acho que fiz. Se fiz estas e aquelas, raramente fiz caso.
Amanhã, faço 50 anos. E depois de amanhã, faço o quê?
Lidar
com o passado é fácil, com o futuro nem tanto. A história de que a vida
começa aos 50 implica regressar à escola ou somente disponibilidade para
acreditar em patranhas? Claro que a frase popular é “A vida começa aos
40”, mas consta que os 50 são os novos 40, os 40 são os novos 30, os 30
os novos 20, os 20 os novos 10 e os 10 a idade mental de quem engole
semelhantes baboseiras. É aritmética básica: aos 50 anos, a vida começou
há 50 anos. O que realmente começa aqui é a suspeita reforçada de que
cedo ou tarde a vida acaba. Dada a minha condição de hipocondríaco, não é
uma novidade. Dada a minha condição de mortal, não é uma extravagância.
E não é um drama (ai). É o que é: a certeza de que não avançamos para
um estado de discernimento superior. Se se avança para algum sítio é
para onde doem as cruzes, os olhos se cansam, o fôlego escasseia e
aquele sinal escuro reclama exame urgente. A sabedoria da velhice? A
primeira coisa que precisamos saber é que é uma treta.
A
segunda coisa é que não há problema, na medida em que não há solução. Há
resoluções. A primeira resolução dos 50 anos é não me preocupar. A
segunda é reverter a primeira. Apesar da conversa fiada, e da dieta, e
do exercício e das mil e duas promessas de eternidade e felicidade
garantidas por estudos seríssimos, um estudo instantâneo revela que,
estatisticamente, ser jovem é mais saudável do que não ser – e mais
recomendável em geral. Sendo improvável, e algo amalucado, entrar nos 50
a fingir que voltei aos 30, tenciono, pois, preocupar-me, actividade
que aliás iniciei aos 40. Ou aos 20, não me recordo (é da idade).
Recordo-me o suficiente para concordar com um colega de crónicas, o
senhor Montaigne, para quem a vida fora uma sucessão de terríveis
desgraças cuja maioria nunca aconteceu. É uma vantagem dos pessimistas,
olhar para trás e verificar que, perante as expectativas, o saldo não
foi negativo. Amanhã, basta-me olhar em frente, imaginar uma sucessão de
cataclismos e um dia, que espero distante, concluir à beira do último
suspiro que me enganei. Vai ser uma galhofa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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