MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 2 de julho de 2019

O melhor emprego do mundo: grão-burocrata da União Europeia.


Timmermans, o principal burocrata da UE.
Poder, 300 mil euros por ano, 33 mil funcionários e escolha na base do conchavo explicam por que ser presidente da Comissão Europeia causa tanta briga. Artigo de Vilma Gryzinski:

Mesmo quem tem um interesse razoável em política internacional encontraria dificuldades para identificar nomes como Manfred Weber, Frans Timmermans, Jan Zahradil ou Margrethe Vestager. Para não falar em Spitzkandidat, palavra que fica mais assustadora ainda quando pronunciada à alemã com o “Sch” na consoante inicial.

Significa o sistema pelo qual o bloco de partidos que elegeu mais representantes para o Parlamento Europeu tem direito a escolher o presidente da Comissão Europeia.

É um emprego dos sonhos ao qual nem as grandes burocracias da história fazem sombra. Sem contar que o grão-mandarim da China Imperial, secretário (ou ministro ou maior influencer) do imperador no topo da escala civil do serviço público, ou o grão-vizir do Império Otomano, corriam o risco de: a) ser castrados; b) ser executados.

No paraíso da União Europeia, que se considera herdeira de todas as conquistas da civilização ocidental, o maior risco é o da briga de bastidores entre os países mais importantes- embora todos os 27 integrantes, inclusive os menores, tenham direito a voto. E inclusive, bizarramente, a Grã-Bretanha, ainda enrolada no sai-não-sai.
Por causa dessa disputa de peixes graúdos, Manfred Weber, representante do maior bloco de partidos do Parlamento Europeu, os de centro-direita e adjacências, e preferido da primeira-ministra Angela Merkel, e rejeitado pelo presidente Emmanuel Macon, perdeu o bonde.

Mas não, obviamente, a boquinha. Numa transmissão ao vivo pelo Facebook, o primeiro-ministro da Bulgaria, Boyko Borissov, revelou como são feitas as salsichas, quer dizer, a partilha do bolo.

“Está sendo costurado um compromisso”, disse ele ao encontrar o social-democrata holandês Frans Timmermans, pouco antes de sua coroação. O holandês levaria a presidência da Comissão Europeia, com seu polpudo salário de 300 mil euros por ano e mais uma série de mordomias, e o alemão Manfred Weber, a do Parlamento Europeu.

Timmermans arriscou uma palavra em búlgaro – “prekasno”, ou maravilha. Não foi exatamente um esforço muito grande de relações institucionais: além do holandês e do dialeto regional limburguês, ele fala inglês francês, alemão, italiano e russo.

Levantamento de copo

Antes que o martelo fosse batido na escolha final, a piada que rolava era que com Timmermans ou Weber, quem continuaria a mandar mesmo seria Martin Selmayr.

Na prática, o alemão de 47 anos já havia assumido o controle, por assim dizer, de Jean-Claude Juncker, o muito falante representante de Luxemburgo que se tornou uma figura abominada pelos eurocéticos, principalmente na Inglaterra.

Com problemas de saúde (ciática ou levantamento de copo ou ambos), Juncker já tinha transferido o comando para seu protegido Selmayr mesmo antes de se aproximar do fim de seu mandato como presidente da União Europeia.

No começo do ano, houve um “golpe” interno, surpreendente para os padrões morosos da burocracia europeia: de chefe de gabinete de Juncker, Selmayr foi catapultado a secretário-geral da Comissão, encarregado do estarrecedor corpo de 33 mil funcionários, a nata dos eurocratas.

Teoricamente, é o presidente da Comissão e os demais 26 comissários que têm o comando, mas Selmayr é incrivelmente esperto nas artes da articulação.

Para acalmar os comissários, uma designação infeliz por evocar os agentes políticos que controlavam todas as instâncias do poder civil e militar na União Soviética, ele criou um mecanismo de “transição”. Aqueles que estiveram na boca da aposentadoria, receberão durante dois anos dois terços do salário de 13 500 euros.

Melhor não deixar esse cara nem passar perto de Brasília para não dar mais ideias maléficas ainda.

São mordomias assim, além dos constantes prédios de centenas de milhões de dólares, do ultrarregulacionismo e das ingerências na soberania nacional, que alimentam o euroceticismo e, no final de tudo, rupturas espantosas como a opção da maioria do eleitorado britânico pelo Brexit.

Só de tradutores, para colocar a interminável papelada nos 24 idiomas falados na União Europeia, são 4 300, mais 800 intérpretes.

As leis fundamentais de todas as burocracias são conhecidas: 1) multiplicar-se: 2) criar castas: 3) aumentar seus próprios privilégios.

A meritocracia, a ordem, a imparcialidade e outras vantagens da burocracias exaltadas por um xará do candidato alemão derrotado – Max Weber – , empalidecem na ausência de mecanismos de controle.

Atenção: estamos falando até agora da Comissão Europeia. Tem também o Conselho Europeu, atualmente presidido pelo ex-primeiro-ministro Donald Tusk, com um relativamente modesto corpo de 3 500 funcionários.

O Parlamento Europeu tem 7 500. Imaginem a bronca – e o pânico – quando saiu das urnas um acontecimento telúrico como o Brexit.

Tusk tem uma natural rivalidade com o atual governo da Polônia, que é militantemente conservador.

A União Europeia tem lançado várias iniciativas punitivas contra ex-satélites soviéticos que são de direita, mas não cogitam abandonar as vantagens obtidas pela participação no guarda-chuva europeu de vantagens, como Polônia e Hungria.

A aversão ao governo polonês é compartilhada por Frans Timmermans. O holandês fez uma campanha ativa pelos direitos humanos na Polônia. E qual direito estava sendo infringido? Ao aborto (na Polônia ainda muito católica, o aborto ainda é altamente limitado, como no Brasil, e o governo queria mais restrições).

Não vamos entrar nas complicações do tema aqui, mas incluir matar embriões e fetos – terminar, na palavra menos chocante -, não parece uma causa exatamente nobre. Ainda mais para um político com o catolicíssimo nome de Francisco Cornelis Gerardus Maria.

Os católicos são uma minoria na protestantíssima Holanda, embora o país esteja na vanguarda da retração das crenças religiosas de qualquer denominação – as cristãs, evidentemente.

Na véspera da última eleição para o Parlamento Europeu, Timmermans mandou um tuíte esquisito.

“Ontem à noite, fiz aos jovens de Varsóvia a mesma pergunta que faço em toda a Europa: vocês não deixam seus pais escolherem suas roupas, por que deixariam que escolham seu futuro?”.

Além da tática ridícula de querer jogar jovens contra velhos, considerados atrasados e antiquados por seu apego ao estado-nação -, ainda existe um fator fundamental: pais, avós, bisavós e até onde a visão histórica alcança na complicada história da Polônia lutaram pelo direito da própria sobrevivência nacional.

Enfrentar os impérios russo e austríaco, a Prússia, a Alemanha e, de novo, os russos, dessa vez soviéticos, não é exatamente comparável a escolher um guarda-roupa da própria cabeça.

Modelo platônico

A eleição de maio, à qual Timmermans se referiu tão impropriamente, provocou resultados desestabilizantes para a União Europeia.

Um partido que não existia um mês e meio antes da eleição, o Partido do Brexit, criado na Grã-Bretanha por Nigel Farage, empatou em maior número de representantes no Parlamento Europeu – 29 – com a Democracia Cristã alemã, o partido de Angela Merkel.

A Coligação Nacional de Marine Le Pen elegeu 22 representantes, um a mais que a República em Marcha de Emmanuel Macron. A Liga de Matteo Salvini, que era um partido separatista regional, arrasou com 28 representantes.

A perdas do bloco de centro-direita acabaram favorecendo o bloco de centro-esquerda, refletindo-se na disputa entre Manfred Weber e Frans Timmermans.

Mas o motivo real foi a briga de Macron para não deixar a Alemanha, cada vez mais hegemônica com a futura saída da Grã-Bretanha, ocupar três dos quatro cargos mais importantes da União Europeia.

Timmermans acabou virando uma espécie de candidato do consenso possível nas composições de bastidores entre os grandes. Os pequenos continuam esperneando, motivo da excepcional demora no processo.

Nada mau ser escolhido “imperador”da Europa – daí as brincadeiras de internet que o colocam como o kaiser do Sacro Império Romano – sem precisar ter linhagem, exércitos, bênção do papa ou, mais plebeiamente, votos.

Depois de sagrado, será “submetido”, com tudo já decidido, à votação do Parlamento Europeu.

O Telegraph descreveu todo o processo da seguinte maneira: “O modelo europeu é essencialmente platônico, um verniz de democracia controlada por potências divididas e uma classe política autosselecionada.“

“É um arcabouço constitucional desenhado por políticos que não confiavam em suas próprias populações. Está a um milhão de milhas do sistema britânico, onde o governo é formado por membros do Parlamento eleitos diretamente pelo povo, no qual o Parlamento é soberano e os eleitores entendem quem está no comando e os limites de seus poderes.”

Timmermans, obviamente, tem horror ao Brexit, a maior ameaça que já surgiu ao sistema e sua casta. Já comparou os “brexiters” ao personagem Black Knight do filme Monty Phyton e o Santo Graal. O cavaleiro vai sendo esquartejado vivo pelo rei Artur, enquanto ameaça morder suas pernas.

Com ele ou outro, os mais céticos acham que, de qualquer maneira, a Alemanha vai continuar mandando cada vez mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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