“Não encontramos, neste ambiente, nenhuma promotora de Justiça negra. Como podemos nos enxergar nesses espaços?” A declaração é de Luana Daltro, profissional de relações públicas, diante de mais de 50 promotoras e procuradoras de Justiça dos Ministérios Públicos (MPs) estaduais de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Na noite desta sexta-feira, 28 de junho, como parte da programação da 5ª Conferência Regional de Promotoras e Procuradoras de Justiça da Região Sul, em Bento Gonçalves-RS, duas convidadas especiais compartilharam diferentes visões, experiências e perspectivas de gênero, a partir da interseccionalidade com a questão racial: a jornalista Iracema Soares e a relações públicas Luana Daltro.
Negras, gaúchas, e de origem humilde, Iracema e Luana participaram de uma roda de conversa conduzida pela presidente do CNMP e procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O diálogo foi pautado por franqueza e muito impacto, e trouxe à tona as dificuldades que mulheres enfrentam potencializadas quando são negras, dado o contexto de racismo institucional e da exclusão social.
“Esse momento é muito importante. Mas ainda assim, precisamos expandir. Devemos pensar em mecanismos de escutas, com estratégias de estreitamento de diálogo, talvez junto a coletivos de mulheres”. Explicou Iracema, quando indagada como as instituições poderiam buscar mais espaços de fala para pessoas negras e sem acesso à Justiça. “Eu acredito que a relação de poder que a sociedade tem em relação às instituições públicas ainda é distante e verticalizada”, destacou Luana.
Com o objetivo de explicar mais sobre o sentimento de exclusão e falta de representatividade em espaços, Iracema convidou as participantes a refletirem com a seguinte situação: “Imaginem-se entrando num lugar com 300 homens, e vocês são as únicas mulheres. Vocês se sentirão intimidadas, certo? É assim que nós, negras, nos sentimos”.
Assuntos como o processo de embranquecimento da população negra para se sentir incluída num espaço de poder até soluções de tecnologia consideradas racistas foram debatidos ao longo da conversa. Iracema pontuou sobre a importância de a diversidade estar presente nas equipes de empresas de comunicação, de organizações privadas e de instituições públicas. Ela demonstrou preocupação se empresas de tecnologia continuarem contratando apenas desenvolvedores brancos. “Se continuarmos assim, sempre teremos soluções de tecnologia racistas”. E deu um exemplo prático sobre a questão: “Em testes feitos com dispensers de sabão líquido com sensores automáticos, a pessoa negra colocava a mão e o equipamento não a reconhecia. Mas quando ela colocava uma folha branca de papel toalha em cima da mão, a máquina liberava o sabão líquido”, revelou.
Ao longo do diálogo, um ponto foi comum em todas as reflexões: a igualdade de gênero e a inclusão social devem fazer parte da educação infantil, dentro das escolas. “Ficamos engessados por conta do sistema em que vivemos. Precisamos pensar nessa estrutura e muda-la para ter um futuro diferente para as crianças”, afirmou Luana.
“Hoje, acho que nós tivemos muito nítido alguns elementos da nossa preocupação. Ouvimos meninas jovens que tem uma carreira brilhante pela frente. E tivemos um relato pujante acerca da importância da educação e da ideia de que equidade é para todos e todas”, afirmou Raquel Dodge, ao final da roda de conversa. Ela destacou que o conceito de equidade não diz respeito apenas a mulheres em relação aos homens. “É mais amplo. Equidade também deve ser considerada em relação àquelas que estão em situações de exclusão, de desigualdade, de fragilidade. Enquanto uma de nós não estiver em situação de equidade, não podemos largar a mão da outra; logo, não podemos descansar”, concluiu.
Participaram da roda de conversa, além de Dodge, Luana e Iracema, a secretária-geral do CNMP, Cristina Melo; a promotora de Justiça do MP/MA Ana Tereza Freitas; a promotora de Justiça do MP/TO Jaqueline Orofino, e a representante da União Europeia Domenica Bumma.
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