Agora, com o desejo sendo tratado como fonte da identidade, a cama foi
para a rua. Ou para cima do ponto de ônibus. O artigo semanal de Carlos
Ramalhete para a Gazeta do Povo:
O Supremo, supremamente legislando, como gosta de fazer – tenho medo
de quando decretarem o fim, talvez por inconstitucionalidade, da Lei da
Gravitação Universal, e nos ponhamos todos a flutuar pelos ares –,
decretou que a “homofobia” é crime, equiparando tal coisa ao racismo.
Então, talvez pelos cansados e doloridos ossos do ofício de quem vive a
pensar esta nossa complexa sociedade, pergunto eu o que são essas coisas
todas ora criminalizadas. Não digo o que a lei vá determinar que sejam,
de acordo com os ventos da moda e a cabeça dos juízes – de que, tal
como de bumbum de neném, ninguém sabe o que vem. Mas o que são, de
verdade, essas coisas que vêm de ser criminalizadas.
A primeira, que já estava na lei, é relativamente simples: racismo é
tratar de forma diferente as pessoas em função de variações fenotípicas
de aparência, como formato do olho, largura das narinas ou lábios, cor
de pele e outros critérios irrelevantes. Que estas tenham sido tomadas
no lugar de, sei lá, tamanho do pé, proporção na maior dimensão entre os
ossos calcâneo e tíbia, formato de orelha (utilíssimo para identificar
elfos!) ou qualquer outra besteira, é meramente questão cultural –
japoneses são racistas contra os coreanos, mas poucos brasileiros seriam
capazes de saber qual é qual.
O tal racismo, todavia, ou antes o racismo pregado sob a fantasia de
combatê-lo pelos movimentos ditos “negros”, é mera importação de uma
imbecilidade americana (mais uma, meu Deus!, até quando?!). Lá eles
usaram, e usam ainda, esses elementos fenotípicos para manter separadas,
na medida do possível, as nações (culturalmente distintas ao ponto de
terem música e culinária próprias, sotaques diferentes etc.)
descendentes dos norte-europeus, até agora predominantes; descendentes
de escravos africanos (até agora comendo o pão que o Diabo amassou); e,
nos últimos anos, os descendentes da maravilhosa mestiçagem entre
espanhóis e nativos (estes últimos viraram uma estranha raça “hispânica”
em que não entram os espanhóis). Lá, manter essa ficção de “raças” é um
modo de lidar com um problema que na verdade é um “problema das
nações”, em muito semelhante ao dos soviéticos, que também tinham de
lidar com variações nacionais num todo que se supunha uma nação única.
Vejam bem: não é certo; quando um americano refere-se a uma “raça”, ele
na verdade está se referindo a uma nação. Mas o que é um termo, quando o
seu sentido é plena e perfeitamente percebido, quando alguém pode ter a
aparência duma “raça” e secretamente ser de outra, como no caso de
Rachel Dolezal e, antes dela, de inúmeros afro-americans de pele clara
que se passaram por whites, como George Herriman, quando era isso o mais
conveniente?
Já aqui, claro, a palhaçada não tem como ir mais longe. Temos todos a
mesma cultura, falamos com o mesmo sotaque e, principalmente, temos
todos ancestrais tanto europeus quanto ameríndios e africanos, com a
relativamente rara exceção de descendentes de gente que imigrou depois
do fim da escravidão e, portanto, não tem chongas a ver com supostas
questões raciais decorrentes da escravização de gente de pele muito
escura por gente de pele de todas as cores. Preta inclusive.
Em outras palavras, podemos, tranquilamente, dizer no Brasil que
“racismo” consiste naquilo que fazem os movimentos racialistas
importados da gringa: acreditar em supostas raças. Quem trata alguém
melhor ou pior por sei-lá-qual besteira fenotípica, além de tirar
carteirinha de otário, enquadra-se no tal racismo. É o triste caso de
gente cujo cérebro foi tão bem lavado a seco, enxugado e passado a ferro
por movimentos racialistas que chega ao triste ponto de sair pela rua
com cartazes dizendo que “miscigenação é genocídio”, e outras frases tão
infelizes que causariam enorme alegria num nazista. Há também um que
outro idiota que, por alguma razão que seus dois neurônios lhe insinuam,
acha mais provável que gente com a pele assim ou assada seja melhor ou
pior nisso ou naquilo. Nos Estados Unidos, repito, há componentes
culturais nacionais que acentuam este ou aquele aspecto, e o que lá se
chama de “raça” é na verdade nação. Eu confiaria mais num alemão para
cantar em coro que num irlandês ou francês, por exemplo. Mas aqui, em
que graças a Deus nos misturamos todos desde antes de o bispo Sardinha
virar ensopado de frutos do mar, chega a ser engraçada tal ideia.
Chegamos, então, a uma primeira conclusão: racismo é idiotice, pura e
simples. É separar o inseparável, ontologizando um acidente
irrelevante.
E a tal “homofobia”? Esta é bem mais complicada. Primeiro,
etimologicamente, o termo não faz lá muito sentido. “Homo” significa
“igual”, “o mesmo”, como em “homossexual” (que seria quem sente
primordialmente atração sexual por pessoas do mesmo sexo, de sexo
igual). “Fobia”, por seu lado, é “medo”. Assim, a “homofobia” seria o
medo do igual. Tendo em mente o uso vulgar, vulgaríssimo, do termo na
política e nas lúgubres e tristonhas redações de jornal, entretanto,
daria até para requentar aquela noção, parcialmente verdadeira, segundo a
qual quem tem propensão a um determinado pecado, mas que procura não
cometê-lo, tem mais medo dele que quem não tem tal propensão. Faz
sentido. Um ladrão regenerado foge de oportunidades de furtar algo; um
alcoólatra sóbrio foge de bares; e alguém que sente desejo sexual por
pessoas do mesmo sexo, mas racionalmente não quer realizá-lo foge, tem
medo, de saunas gay, passeatas do orgulho idem, e por aí vai. Ele teria
medo do igual, no sentido de ver o igual como alguém que caiu num abismo
que o atrai, que o chama, e ele deseja desse abismo afastar-se o mais
que puder.
Mas não. Infelizmente, o que querem criminalizar ao fazer um crime da
tal “homofobia” seria o desagrado com o comportamento sexualmente ativo
em relação ao mesmo sexo – coisa que, curiosamente, todas as religiões
com um tempinho mais de estrada (não estou falando de seitas abertas
ontem à tarde) unanimemente condenam. Como venho dizendo há anos, o que
os movimentos LGBT desejam não é a tolerância; esta, no Brasil,
felizmente, eles já tinham. Nunca houve aldeões com archotes esperando
Cauby Peixoto à porta das casas de espetáculo. Sempre se considerou
perfeitamente normal que duas senhoras morassem juntas, e a disposição
das camas no apartamento nunca foi da conta de ninguém. Mas não; a
tolerância não lhes bastava. Queriam que o que todas as religiões
tradicionais – inclusive a que fez do Brasil o Brasil – condenam, ou
seja, a prática da homossexualidade, fosse mais que tolerada quando
mantida entre quatro paredes. Queriam que fosse igualada ao que a
Igreja, que nos deu nossa civilização, considera um sacramento, ou seja,
uma realidade visível e eficaz de uma realidade salvífica invisível: o
matrimônio.
Ao seu modo, conseguiram. Não, claro, inventando um sacramento gay,
mas levando às últimas consequências o que já estava em semente naquilo
que Antônio Conselheiro, de santa memória, condenou como armadilha
diabólica: o “casamento” civil. Quando o matrimônio se transforma em
mero contrato, esse contrato pode primeiro ser abjurado e desfeito (o
divórcio: demorou, mas chegou), e em seguida pode ser aberto a todo tipo
de sociedade: daí o “casamento gay”, a poligamia ou poliandria (já há
alguns casos registrados), em breve quiçá o casamento consigo mesmo (por
enquanto existente apenas como farsa), com crianças, com bichos, com
cadeiras, pianos ou telefones celulares.
Note-se que isso nada tem a ver com o amor que tenham ou não as
pessoas. A questão é outra, totalmente outra. A sociedade reconhece o
casamento, que é uma instituição de direito natural, pelo fato simples e
evidente de que é nele que as próximas gerações são concebidas e
criadas. É mero reconhecimento de fato preexistente na natureza. É
exatamente como a menoridade penal, que visa reconhecer a diferença
cognitiva e comportamental entre uma criança e um adulto, e não é em
absoluto criada pela lei, apenas reconhecida por ela. Simples assim.
Qualquer coisa que saia da união conjugal fértil, monogâmica e
indissolúvel já não seria, de modo algum, casamento. A celebração do
amor existente no presente entre as pessoas não é o que faz o casamento.
É perfeitamente possível, aliás, que haja casamento sem nenhum amor
presente, como sempre foram os das famílias reais, por exemplo, em que
na melhor das hipóteses os noivos viam um retratinho (pintado por um
pintor muito generoso!) do futuro cônjuge. É o que ocorre também nos
casamentos arranjados, que provavelmente hoje ainda correspondem à
maioria absoluta dos casamentos no mundo, em grande parte devido aos
indianos – há páginas de casamenteiros virtuais em que se encontram
classificados como “doutora em Inteligência Artificial por Harvard, da
casta tal, procura marido de casta e formação acadêmica equivalentes”.
Ou seja: amor, afeto e desejo sexuais presentes são uma coisa, e
casamento é outra, totalmente diferente. Mas divago.
Então, na ascensão das demandas do movimento organizado gay (que –
não tenho dados confiáveis, infelizmente – provavelmente não
correspondem às demandas reais dos que supostamente seriam representados
por ele), após a equiparação de qualquer contubérnio sexuado ao
matrimônio, vem a etapa seguinte.
A campanha é furiosa. É difícil ver uma página de notícias na
internet que não tenha manchetes trombeteando a bondade e beleza
intrínsecas da relação venérea com o mesmo sexo a cada poucas outras
manchetes. Na tevê – que graças a Deus não tenho, não assisto e em nada
me atrai, muito pelo contrário – dizem que a situação é ainda pior. Eu
sei que os anúncios de novas novelas já avisam que haverá drag queens,
trans, casais gay, o diabo aquático, como já dizia Vicente Matheus. E
precisamente como com o tal do racismo, pra variar, a campanha
“anti-homofobia” (seja lá o que isso for) é importação da Gringolândia.
Lá eles chegaram ao ponto de processar até a falência confeiteiros que
não queriam fazer bolos para os tais casamentos gays, entre outras
medidas pesadas. Aqui eles contam com o STF para fazer o que jamais
seria feito por quem quer que tivesse de responder aos clamores
populares.
Mas o problema de base é outro, como venho insistindo à margem de
toda essa confusão. O problema é, primeiro, referente ao sexo. O que é
sexo? Ele pode ser percebido como uma pulsão, um anseio, em cujo caso
ele será sempre uma negação: o que eu desejo é aquilo que eu não tenho.
Se desejo a Fulana (ou o Fulano, ou "n" Fulanas, ou "n" Fulanos), só o
que isso significa é que eu não a tenho. Que há um buraco em meu ser na
forma destoutro ser que desejo. O/a Fulano/a, neste caso, será apenas um
conduto para o meu prazer (por mais que eu a/o ame, ou tenha me
convencido disso).
A outra forma de ver o mesmo fenômeno humano é como o processo que
gera novos representantes da nossa espécie. Parece triste, é verdade,
reduzir algo tão cheio de sentidos diversos para o ser humano (mormente o
ser humano que ama) a algo tão básico e elementar, algo tão animal,
quanto isso. Qual é a diferença, neste modo de ver, entre o sexo
conjugal e o sapinho que espreme a sapinha para que ela solte óvulos
sobre os quais (perdoem-me, leitores mais delicados) ele ejaculará para
fazer surgir a próxima geração de girinos? Quase nenhuma.
Mas há uma diferença: o homem, por ser dotado de razão e por viver em
sociedade (somos, afinal, já dizia Aristóteles, um “animal naturalmente
social”), precisa lidar com isso de alguma maneira, como lida com a
necessidade de alimentar-se. Assim como seria péssimo se as pessoas, por
exemplo, comessem às escondidas, trancadas num cômodo fechado, tentando
deglutir o máximo no menor período de tempo, ou se nós simplesmente
agarrássemos a comida e a enfiássemos boca adentro em qualquer lugar
(até mesmo, horresco referens, andando rua afora, como fazem os gringos
mais selvagens), seria horrendo se o sexo não fosse de alguma maneira
regrado pela sociedade.
E é este regramento que a campanha ora em curso, que espero em Deus
tenha atingido seu ápice na derradeira barbaridade pseudolegislativa do
STF, põe em risco. A sociedade sempre reconheceu o segundo modo de ver o
sexo (como atividade reprodutiva) de forma a preservar o ambiente
conjugal em que ele ocorre, para o bem das próximas gerações. É coisa
boa e nobre que isso seja feito: assim toda criança tem preservado o seu
direito a ter um pai e uma mãe, por exemplo, e nos raros casos em que
um deles ou ambos se perdem ela pode ser adotada – dando-se-lhe pai e
mãe formalmente, em geral reconhecendo quem a cria materialmente. Mas
basicamente, ao reconhecer esta forma, continua entre quatro paredes a
outra, que apontei em primeiro lugar. Os carinhos conjugais têm seu
lugar: no quarto do casal, ou, na pior das hipóteses, na sala de estar
quando não há visitas. Na rua, nunca foi de bom tom que mesmo casais
casados e com filhos entretivessem-se em longos beijos luxuriosos, por
exemplo, que dirá que se apresentassem ao outro com lingeries sexy ou
coisa do gênero.
Mas fez-se a mistura, ao decretar-se, num outro fiat
pseudolegislativo, que o casamento seria qualquer união sexuada. Foi já
uma medida péssima por excluir de uma ampliação indevida do termo outros
agrupamentos parafamiliares que teriam todo o direito a ver-se
incluídos; afinal, qual seria a diferença entre duas senhoras
solteironas que dividem uma casa e dão-se mutuamente prazer sexual ou
outras duas senhoras, que igualmente dividam uma casa, mas que não se
entregam a práticas tríbades? Ora bolas, no que a sociedade tem o seu
pitaco a dar, absolutamente nenhuma! O que elas fazem entre quatro
paredes lhes compete e a Deus, e só. Mas, ao misturar um sentido com o
outro do sexo, uma visão com a outra do mesmo fenômeno, as segundas
solteironas viram-se ou bem obrigadas a mentir para o oficial de
cartório sobre seu uso dos aparelhos reprodutivo e digestivo (coisa que
jamais deveria ser da alçada dele!) ou bem a continuar sem amparo legal
para o seu arranjo.
Houve, e há, casos evidentes de injustiça na impossibilidade legal
anterior de reconhecer os arranjos domésticos outros que não os
conjugais. O herdeiro dos Guinle, por exemplo, era um artista
conceituado, mas sem muito juízo financeiro, que gastava o dinheiro à
medida que entrava. Juntou-se com outro rapaz, e este arranjou-lhe as
finanças de tal modo que, quando faleceu, era ele quem tinha mais
dinheiro na falida família. Esta, imediatamente, passou a tentar
arrancar para si o dinheiro que por justiça seria do companheiro do
falecido. A injustiça é evidente, e merecia remédio legal. Um remédio
que assegurasse igualmente os direitos de irmãs solteironas que vivem
juntas, ou mesmo de arranjos domésticos como o meu atual, em que,
aleijado, sou cuidado por um filho só. Neste caso, é claro que meu filho
tem mais direitos que sua querida irmã, ainda que os dela sejam
inegáveis. Mas eu só poderia assegurar-lhe estes se passasse pela farsa
de fingir “casar-me” com ele, coisa que ironicamente continua impossível
por terem sido preservados na instituição do casamento civil os
impedimentos do matrimônio religioso.
Mas a inserção a fórceps de um reconhecimento do sexo como forma de
dar-se prazer pelo outro na legislação serviu como mera cunha para a
introdução de outro horror, formalizado por completo com a barbaridade
do STF a que ora me refiro. E esta é a invenção de uma categoria de
cidadãos definida pelo uso que fazem de seus aparelhos reprodutivos e
digestivos. Ora, sempre houve quem fizesse as coisas mais bizarras entre
quatro paredes. A mente humana, bem dizia minha sábia tia-avó Marina
Ramalhete, “é um cipoal”. Uma maçaroca entrelaçada de que não se tem
como definir o começo e o fim de cada parte, nem, muito menos,
destrinchar, esticar, alinhar os componentes. Sempre houve quem quisesse
que o companheiro (seja ele o cônjuge ou não, seja ele do mesmo ou de
outro sexo) fizesse coisas estranhíssimas. O próprio presidente da
República, lamentavelmente, apresentou à nação a perversão sexual de
urinar no rosto do parceiro. Outros quererão outras coisas, com “bodes,
anões besuntados e carrinhos de mão”, como aventou o Verissimo (Filho,
que o Pai não se daria a tal facécia). E isso mesmo entre próceres da
sociedade e casais respeitabilíssimos no que diz respeito ao público. Um
cipoal, repito. Mas sempre, graças a Deus e à tão hoje mal-falada moral
e bons costumes, esse tipo de coisa se fez entre quatro paredes.
Agora já não. Por se definir uma categoria de cidadãos a partir de
seus desejos sexuais e de suas práticas para a busca de prazer venéreo,
este tipo de coisa, esta faceta sempre presente do sexo, foi trazida à
luz. E foi para, de péssima maneira, protestar contra este fato inegável
que Bolsonaro fez a besteira imunda de transmitir para o país inteiro a
degradante cena que se operou – e era este o ponto dele, e é este o meu
– sobre um abrigo de ônibus, em público. O mesmo ocorre por todo lado
nas ditas "passeatas do orgulho gay", esta junção de dois pecados
mortais, no carnaval e sabe-se lá por onde mais.
Qual é o limite? Uma dupla de pessoas do mesmo sexo, profundamente
apaixonadas, andar de mãos dadas pelas ruas? Ou beijar-se como se
tentassem arrancar uma à outra as amígdalas com a língua? Ou urinar na
cara do outro sobre um ponto de ônibus?! A linha divisória entre o mau e
o bom comportamento foi borrada completamente quando se reconheceu
legalmente a busca de prazer venéreo como um bem objetivo, esquecendo-se
do fato evidente de que toda e qualquer sociedade sempre reconheceu o
sexo apenas como modo de garantir o ambiente conjugal para a perpetuação
da sociedade e, claro, da espécie. Nunca se quis que a sociedade
entrasse no quarto conjugal; só se quis que daí nascessem crianças, e
que elas fossem bem educadas. Mas agora, com o desejo sendo tratado como
fonte da identidade, a cama foi para a rua. Ou para cima do ponto de
ônibus.
As pessoas não são o que elas desejam. Ao contrário, até: o que
desejamos, por o desejarmos, é provado como algo que nos falta, logo
algo que não somos. Se fôssemos cair num freudismo barato, poderíamos
dizer que o rapaz que procura outro rapaz para o prazer sexual sente-se
atraído pelo outro por ver nele a figura de seu pai ausente, ou mesmo do
masculino ausente nele mesmo por não ter tido uma figura paterna. Isto,
aliás, explicaria às mil maravilhas o triste e horrendo tipo de crime
com que já tive o desprazer de me deparar muitas vezes em minha carreira
de perito criminal, em que um senhor mais idoso contrata rapazes para
ter relações e acaba sendo barbaramente torturado e morto por eles após a
relação. Ou seja: eles procuram nele algo, excitam-se, são capazes de
participar da orgia e, esta finda, revoltam-se contra o próprio desejo,
que veem encarnado naquele senhor idoso e exausto, naquele triste modelo
de pai putativo e, no mais antigo tipo de sacrifício, o imolam,
matando-o como se nele matassem ao mesmo tempo seu pai ausente e o
próprio desejo pelo mesmo sexo que esta ausência criaria. São sempre
crimes horrendos, com requintes de crueldade raros de encontrar em
outros. Talvez fosse isso a verdadeira “homofobia”, o verdadeiro medo do
igual. Ou, pior, do igual já passado do ponto; são sempre rapazolas
fortuchinhos que chacinam um senhor de cabeça branca.
Ao trazer para a via pública o que sempre ficou entre quatro paredes,
que é o sexo como busca do prazer venéreo apenas, o que se traz, em
última instância, são esses horrores, ainda piores que o uso do próximo
como penico. Pior, ao se afirmar a existência (pois não se pode
criminalizar o inexistente – é fato conhecido da antropologia que todo
tabu aponta para um desejo) de pessoas definidas apenas pela orientação
geral de seus desejos venéreos, sejam eles orientados para pessoas do
mesmo sexo ou não, criam-se identidades fluidas como fluido é o desejo.
Daí a importância no processo da teoria de gênero, que procura
justamente afirmar esta fluidez identitária, em que ora se é homem, ora
se é mulher, e ora se é dragão – caso real: o senhor Richard Hernandez,
55 anos, americano, após “virar mulher”, mandou cortar fora as orelhas e
o nariz, além de bifurcar a língua e submeter-se a diversos outros
procedimentos, na crença de assim tornar-se um dragão. Ficou foi feio,
tadinho.
E, se fôssemos usar a teoria de gênero para outro desejo extremamente
semelhante, que é o gustativo? Afinal, ambos – comer e reproduzir-se –
são pulsões oriundas da mesma necessidade vital básica de persistir,
enquanto indivíduo e enquanto espécie. Eu mesmo, hoje, teria passado por
vários “gêneros” diversos, na medida em que já ingeri coisas tão
díspares quanto cerveja e café. Se não as houvesse desejado, não as
teria consumido. E a diferença entre a bebida ou comida e o sexo é
apenas de tempo, na medida em que foi o meu desejo sexual pela minha
esposa que veio a fazer nascer meus lindos filhotinhos, hoje adultos, e
foi o meu desejo gustativo que me fez ingerir chá, cerveja, iogurte, o
que seja. Comemos mais frequentemente algo que, com perdão da grosseria,
alguém. Por menos que o queiram as colunas dos jornais, sexo não é algo
nem tão frequente nem tão frenético quanto se quer fazer crer, para a
imensa maioria das pessoas. Temos de desejar alguém para que a espécie
perdure, e temos de desejar a comida para que o indivíduo perdure. Mas
do desejo ao nascimento tem-se no mínimo nove meses, e depois ainda há
todo o tempo de criação da pessoinha que surgiu daquele desejo. Assim,
tem-se tempo para definir. Já a comida e a bebida, que temos que desejar
várias vezes ao dia, faz com que a fluidez do nosso gosto seja
aparente: agora quero chá, depois quero cerveja, depois quero uma maçã
ou um lombo de porco assado. Imaginemos o que seria definir nossa
identidade a partir desses desejos gustativos! Mas é bem isso, porém em
câmera lenta, que se faz quando, seguindo a ideologia de gênero,
inventa-se de se definir a identidade de alguém pelo que a pessoa
deseja.
E, voltando à vaca fria, se a sociedade abraça este absurdo, fazendo
do desejo (logo, da afirmação da ausência) fator preponderante na
definição da identidade, arromba-se a parede do quarto para a rua, o que
faz com que ganhem vida os fantasmas mais horrendos que possam sair
deste nosso cipoal mental. O que se cria, então, é uma sociedade em que
não há um argumento definitivo contra quem deseja urinar em público no
rosto do parceiro, desde que a relação seja consensual. E a necrofilia,
em que não há possibilidade de consensualidade, mas tampouco há de
negação? E a pedofilia, em que sempre é possível afirmar a presença de
algum tipo de desejo e consenso por parte da vítima, na mesmíssima
medida em que se o afirma, por exemplo, quando se oferece à sociedade
como algo bom um menino de 10 anos de idade travestido de drag queen,
rebolando num palco para basbaques de meia-idade?
Pois isto já há. De drag queens de 10 anos de idade, ou de drag
queens com ficha na polícia por abuso sexual fazendo shows para crianças
em bibliotecas públicas americanas, à Xuxa declarando que agora é “bem
comida”, o que sempre havia sido (felizmente) mantido entre quatro
paredes pulou à rua. O sexo como desejo venéreo, graças às canetadas
imbecis de quem crê criar realidade com leis humanas, tornou-se coisa
pública e celebrada, como antes era a procriação no âmbito conjugal. A
criação das novas gerações, a aposta no futuro, foi substituída pela
celebração do orgasmo presente. As bodas, pelas bacanais carnavalescas
ou das inúmeras paradas do orgulho gay mundo afora.
E com isso sofre justamente aquilo que a sociedade deveria procurar
manter, e sempre manteve, como algo a proteger pelo bem das próximas
gerações: a família de verdade, a família geradora de vida, em que um
homem e uma mulher, juntos, têm filhos e os criam e, ao longo de toda a
vida e especialmente na velhice, amparam-se mutuamente. Tanto pela
confusão entre casamento e contubérnio sexuado, quanto pelos horrores
que leva à imaginação de crianças e adultos essa, por assim dizer,
projeção cinematográfica do mais decadente e mais perverso que possa
haver no inconsciente sexual, quanto, finalmente, pela proteção extra
dada às demonstrações de desejo sexual pelo mesmo sexo, em detrimento do
desejo matrimonial.
Em outras palavras: se a “homofobia” é proibida, o dono de bar terá
de traçar uma linha ele mesmo do que será permitido em seu
estabelecimento: entre o dar-se as mãos e o uso da boca do parceiro como
urinol, onde ele a traçará? E mais, onde será que o juiz que o julgar a
traçará?! Já para o rapaz e a moça que se gostam, que esticam os olhos
um para o outro, o que se tem é o contrário: se não se entregarem aos
prazeres da carne imediatamente, como se não houvesse amanhã
(literalmente, pois o amor conjugal existe em função do amanhã: o
matrimônio, repito sempre, é uma aposta no futuro, não uma celebração do
presente), ai deles! Serão ridicularizados, espezinhados, mal-tratados.
Se a Xuxa, do auge de seus sei-lá-quantos anos de idade, é “bem
comida”, que palhaçada é essa da Mariazinha de querer esperar até o
casamento? E seu futuro marido, então, terá até mesmo a própria
masculinidade negada!
Na verdade, o objetivo disso tudo, dessa campanha toda, dessa
invenção maluca de modalidades identitárias fluidas, é justamente este:
fragilizar e violentar a instituição conjugal. O que se quer é dissolver
ao máximo a célula primeira da sociedade, que é a família, para que a
atomização da sociedade em indivíduos torne mais fácil levá-los a
depender em tudo do Estado e de grandes corporações. Hoje já se depende
mais do banco, da tevê, da escola, do Facebook, do WhatsApp, do Tinder, e
do próprio governo que da família e dos amigos, mais que em qualquer
tempo anterior. Na Europa, onde essa atomização da sociedade já foi
ainda mais longe, uma amiga que lá não tinha família foi comentar com
uma sua amiga do trabalho algo sobre o comportamento do filho, e recebeu
logo uma cortada: “a prefeitura tem psicólogos de graça!” A ideia é
essa; que as crianças – na impossibilidade de serem geradas em
chocadeiras, como no Admirável Mundo Novo – sejam filhas de mãe solteira
e pai ausente, educadas pela escola e pela tevê, e assim se tornem mais
consumidores que cidadãos, mais súditos que atores políticos. Para isso
a sexualidade de um pequeno porcentual da população está sendo usada
como bucha de canhão, como cunha para arrombar algo muito maior que ela,
sem que os fautores do processo se interessem pelo que venha a
acontecer com os que eles ora usam.
O STF deu um passo enorme neste sentido, e é isso que acontece já e
acontecerá ainda mais, a não ser que de algum modo a sociedade tome em
mãos as rédeas e freie a disparada deste cavalo cego e louco que ela
monta e galopa célere rumo ao abismo. A imensíssima maioria do povo não
gosta disso e não quer isso, e uma reação começa a se levantar, como a
própria eleição de Bolsonaro aqui e Trump lá mostram. Uma pesquisa
recente nos Estados Unidos mostrou que aumentou o porcentual de pessoas a
quem desagradaria que o filho aprendesse “História LGBT+” na escola, ou
mesmo que tivessem professores com atração sexual pelo mesmo sexo. Este
último dado é muito perigoso. Não por demonstrar “homofobia”, mas por
demonstrar a internalização dessa horrenda visão das pessoas como
definidas por seus desejos, algo que (taí, al roviescio, um acerto do
STF) é tão absurdo quanto defini-las pela cor da pele. Nunca ninguém,
repito, atacou Cauby.
Já o excesso de campanhas de afirmação pública do que sempre se
manteve entre quatro paredes, de beijos gay em novelas a coisas
repulsivas como urinar na cara de alguém em público, e tudo o mais que
vem dessa maluquice inicial de definir quem se é pelo que se busca, logo
não se tem nem se é, estão fazendo com que aumente a violência
desordenada que se pretenderia em tese combater. Isso precisa acabar, e
logo.
Enquanto isso, reitero o conselho que faz já umas boas décadas dou
aos amigos atraídos por gente do mesmo sexo: armem-se. Aprendam uma arte
marcial. Ser usado como bucha de canhão – e é isso que se está fazendo
com os supostos “LGBT+” – é coisa muito perigosa. Buchas de canhão são
descartáveis.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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