Mandar correspondência explosiva para notórios inimigos de Trump é coisa
de idiota; mas não faltam idiotas no mundo. E falsificadores também.
Texto de Vilma Gryzinski, via Veja:
Quanto tempo a polícia americana vai levar para rastrear quem mandou cartas-bomba para conhecidos desafetos de Donald Trump?
Normalmente, seria muito pouco tempo. Bem menos do que toda a imprensa antitrumpista demorou para dizer que a culpa é dele.
Trump, sabidamente, não tem travas na língua, mas existem políticos
democratas que conseguem superar o presidente em agressividade e até
incitação à violência.
O filho de George Soros,
o bilionário que foi o primeiro alvo de uma bomba doméstica encontrada
na caixa de correio de sua mansão, condenou no New York Times “políticos
que juram proteger todos os cidadãos e, em vez disso, semeiam a divisão
e o ódio”.
Alexander Soros deu como exemplo de dignidade e caráter o
recentemente falecido senador John McCain, que não permitiu baixarias e
teorias conspiratórias quando disputou e perdeu a presidência com Barack Obama.
O exemplo é interessante. Na época da campanha, em 2008, McCain foi
pintado como um belicista brutal, já entrando na esfera da extrema
direita, por todos os que o transformaram a posteriori num herói.
Uma estudante de 20 anos, Ashley Todd, disse que tinha sido atacada
por um partidário de McCain que desenhou a faca em seu rosto a letra “B”
(de Barack). Câmeras de segurança e policiais experientes, sem contar a
letra invertida, derrubaram a história rapidamente.
Vários episódios de violência denunciados depois da vitória de Donald Trump também acabaram desmentidos.
A jovem muçulmana que teve o lenço na cabeça arrancado por
trumpistas? Acabou em processo por falsa comunicação de crime (e o pai
dela, cruelmente, raspou as sobrancelhas da filha, como castigo).
Uma igrejinha episcopal profanada com grafite “Heil Trump”? A polícia
descobriu o culpado: o próprio organista da igreja, empenhado em “criar
um movimento depois de sofrer desilusão e medo com o resultado da
eleição”.
A bandeira com a suástica hasteada numa casa em San Francisco? Não
era um nazista assumido, mas sim o dono da casa que teve a brilhante
ideia de protestar assim contra a eleição de Trump, numa outra prova de
que o Idiotas Sem Fronteiras corre a pleno vapor.
Uma jovem negra verbalmente agredida e ameaça num posto de gasolina
em Delaware? Não houve registro de queixa. A confusão entre medos e
realidade, as fantasias de perseguição e o desejo secreto de ocupar uma
posição de vítima, por mais estranhos que pareçam, são conhecidos e
explicados pela psicologia.
Juan Thompson foi preso depois que a polícia chegou até ele como
autor de ameaças de bomba em centros comunitários judaicos e outras
organizações correlatas. Jornalista de esquerda, negro e na época
desempregado, ele queria se vingar da ex-namorada, que por acaso era
branca, e atribuir a ela os atos de antissemitismo.
Mais inacreditável ainda foi a história de Marcus Ron David Kadar, um
hacker de 19 com dupla nacionalidade, israelense e americana.
Ele fez mais de 2 000 ameaças contra centros judaicos, muitas vezes
retratadas como sinal de que a eleição de Trump estava aumentando os
atos de antissemitismo. Trump enviou uma equipe especial do FBI a
Israel. Kadar disse que fazia as ameaças para matar o tempo e o tédio.
Foi condenado.
A investigação de alcance internacional foi exemplar em chegar ao
culpado pelas falsas ameaças. Mas, num sinal de que nem a expertise
policial nem a onipresença das câmeras de segurança, podem tudo,
continua sem esclarecimento a série de casos de profanação de cemitérios
judaicos nos Estados Unidos.
O mais famoso caso de envio de meios letais por correio também
continua sem solução definitiva. Logo depois dos ataques terroristas com
aviões sequestrados no Onze de Setembro de 2001, as redações dos
principais canais de televisão em Nova York, além de dois senadores
democratas, receberam cartas contendo bacilos de antraz.
A doença, também conhecida como carbúnculo, é tão letal que pode ser
transformada em arma biológica. As cartas com antraz, que tumultuaram o
país já traumatizado pelos ataques da Al Qaeda, também faziam
referências do tipo “morte aos Estados Unidos” e “morte a Israel”.
Não foram brincadeira: mataram cinco pessoas. O FBI concluiu em 2008
que o culpado era microbiologista Bruce Ivens, que fazia pesquisas sobre
uma vacina de antraz num laboratório militar. Ivens cometeu suicídio
dias antes de ser indiciado. Para um cientista que trabalhava com
substâncias de altíssimo risco, usou um método contraditório: overdose
de Tylenol.
O caso teve desdobramentos. Um ex-agente do FBI, Richard Lambert,
entrou com processo contra a polícia federal americana alegando que as
provas contra Ivens eram insuficientes. E, depois de seu suicídio, houve
manipulação da opinião pública para dar o caso por encerrado. Lambert
diz que foi demitido por discordar dos rumos da investigação.
O caso atual das bombas, rudimentares porém “funcionais”, será esclarecido ou entrará na categoria preferência política?
A segunda hipótese obviamente já está rolando. E não existe nenhuma
coincidência nas semelhanças interpretativas com o atentado a faca
contra o candidato Jair Bolsonaro.
Antitrumpistas atribuem tudo a um plano violento de supremacistas
brancos, incentivados pelo tom usado pelo presidente contra seus
adversários políticos.
A imitação da bandeira do Estado Islâmico no envelope de pelo menos
uma das bombas – a silhueta de três mulheres nuas no lugar das
curvilíneas letras da escrita árabe – é usada como paródia em sites de
extrema direita.
O grupos mais mencionado até agora é o Proud Boys, que pretende ser uma espécie de Black Bloc com sinal invertido.
O próprio fundador do grupo, Gavin McInnes, parece uma paródia: é
canadense, tem a barba de lenhador hipster e tirou o nome do grupo de
uma música do desenho animado Aladim, da Disney.
Os trumpistas mais convictos acham exatamente o contrário: é tudo um
plano maligno para influenciar em favor dos democratas as eleições de
novembro. Uma operação de “bandeira falsa” ou “bandeira negra”, como
dizem os conspiracionistas.
Bernard Kerik, ex-chefe de polícia de Nova York, acredita que o caso
será esclarecido em questão de dias. Motivo? “Existe uma tonelada de
provas.”
Entre elas, o fato de que “no mundo de hoje, ninguém pode ir a lugar
nenhum sem ser capturado em vídeo”. Os locais de postagem das
cartas-bomba também oferecem uma avenida de oportunidades. Garimpando
todos os dados de celulares nessas regiões, acabará aparecendo o traço
em comum entre um ou mais aparelhos.
“Deixem os investigadores atuar, eles sabem o que estão fazendo.
Vamos aguardar e lidar com fatos na medida em que apareçam, em vez de
ficar especulando e pondo a culpa no discurso político”, apelou Kerik.
Obviamente, em vão. Analisar fatos com neutralidade é uma das últimas coisas que se pode esperar no mundo político atual.
E, obviamente, não apenas nos Estados Unidos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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