Querendo-se ou não, o fenômeno Jair Bolsonaro é espontâneo, democrático,
orgânico e seu favoritismo estava claro havia muito tempo, sustenta o
advogado Victor Marschall Ferreira, em artigo publicado pela Gazeta do Povo:
Quando, há um ano e meio, eu disse que Bolsonaro era o favorito em
todos os cenários, chamaram-me de louco. Na época, o que vingava era o
famoso argumento sem base de que “ele está no teto” ou “não chega a
25%”. Eu respondia que 25% não era o teto, mas sim o piso eleitoral de
Bolsonaro. E as bases que usei para essa afirmação persistem.
Em pesquisa do Datafolha à época, ficou claro que Jair Bolsonaro
tinha mais força na classe média-média (de 2 a 5 salários mínimos),
sobretudo por causa da classe emergente (de maioria cristã) e do médio
funcionalismo público, mais notadamente militares e suas famílias. Ou
seja, uma base eleitoral sólida que dificilmente mudaria o seu voto. A
mesma pesquisa mostrou que, nos segmentos em que Bolsonaro era mais
fraco e menos conhecido, tanto socialmente (classes baixas) quanto
geograficamente (Norte e Nordeste), a tendência de adesão a teses de
“viés autoritário” (termo utilizado pelo instituto), como “bandido bom é
bandido morto”, “castração química” etc., era maior.
Por conclusão lógica: se Bolsonaro simplesmente passasse a ser
conhecido por esse eleitorado, fatalmente subiria nas intenções de voto.
Era questão de não errar.
Os únicos empecilhos de Bolsonaro, a meu ver, eram: o risco de sua
inabilidade política resultar em coligações desastrosas, que lhe
tolheriam tempo de televisão e visibilidade para alcançar o novo nicho e
ainda quebraria as pernas de sua política 1.0; e a candidatura de um
outsider que ocupasse o seu lugar como o anti-PT ou como o “Homem do
Fuzil”.
A primeira pedra no caminho veio em forma de montanha. O candidato
não conseguiu o PR, não conseguiu o PSC e muito menos o Patriota.
Tampouco conseguiu os candidatos a vice que queria: Magno Malta disse
não, seguido pelo general Augusto Heleno e pela advogada do impeachment,
Janaína Paschoal. Sua inabilidade política se revelou inédita: o líder
nas pesquisas de intenção de votos não conseguiu convencer pessoas a
aceitarem a vice-presidência, nem partidos para abrigar sua candidatura.
Destruiu um partido, o Patriota, e acabou tendo de se refugiar no PSL,
que à época tinha dois deputados federais – um suplente e outro cuja
expulsão fora determinada, mas não realizada para que o partido não
ficasse sem cadeira. O arranjo lhe rendeu míseros segundos de televisão.
De quebra, ainda proporcionou o episódio que ficou marcado como “a
rasteira da velha política”, que culminou com a traição do então
presidente do partido, Luciano Bivar, contra o próprio filho, que
liderava a transição do PSL para Livres, o único genuíno movimento de
renovação partidária ética e liberal do país. O Livres saiu do PSL e
hoje é uma sólida associação de formação política com candidatos
espalhados em partidos pelo Brasil.
Bolsonaro errou onde não poderia, mas seus adversários conseguiram errar mais.
A segunda “pedra no caminho” esfarelou. O PSDB tinha o nome ideal
para encarnar o “Homem do Fuzil”: João Doria. Marqueteiro nato, de fala
dura, firme, acelerada e combativa. Mas Geraldo Alckmin foi escolhido
candidato à Presidência pelo partido. Um homem de fala calma, ponderada,
sem a energia que o momento impõe, mas nem tudo estava perdido. Alckmin
ainda era o governador do maior e mais seguro estado do país, com a
proeza de 8 homicídios a cada 100 mil habitantes. Mais seguro que Santa
Catarina e que muitas grandes cidades dos Estados Unidos. Era só usar a
estratégia certa. Em vez disso, se juntou aos outros candidatos e quis
ganhar o eleitorado apaixonado de Bolsonaro atacando justamente os
atributos que mais os comovem: a força e o belicismo. Erro fatal. Foi
escanteado.
Os ataques deram espaço a Bolsonaro no tempo de televisão dos
próprios adversários. O “fale mal, mas fale de mim” é real. Uma regra
básica do consagrado e amaldiçoado Roger Stone, marqueteiro de Nixon,
Reagan e Donald Trump. O público que não o conhecia e que tenderia a
aderir a suas teses passou a conhecê-lo pelos jornais e pelos programas
de televisão dos adversários.
Somando-se a isso, veio a facada. A estupidez do complô de quem quer
que seja que tentou matá-lo resultou em sua superexibição a todo tempo
em todos os jornais do país – para completar: na posição de vítima. Uma
vítima enferma atacada por todos adversários. Não poderia ser mais
perfeito.
Fernando Haddad, do PT, se firmou como segundo colocado nas intenções
de voto. Caso tivesse optado por apoiar outra candidatura, talvez Lula e
sua turma tivessem chance. Outro erro fatal. O antipetismo, mais que
justificado por anos de degeneração moral e política e pelo descalabro
econômico que levou milhões ao desemprego, aflorou com tudo.
O chamado voto útil é regra. Os defeitos de Bolsonaro naturalmente
encolhem e as pessoas farão de tudo para derrotar o PT. Grupos
empresariais, artistas, setor agrário e o mercado financeiro,
tranquilizado pela boa equipe econômica capitaneada por Paulo Guedes,
entraram de cabeça na campanha.
A destruição de países como a Venezuela pelo bolivarianismo abriu
espaço para a onda conservadora/liberal, que se afirma de país em país
na América Latina. Chile, Peru, Colômbia, Argentina. No Brasil,
Bolsonaro conseguiu êxito em identificar a lacuna e se afirmar como
representante desse movimento, coisa que o establishment político também
deixou passar batido.
Querendo ou não, o fenômeno Jair Bolsonaro é espontâneo, democrático,
orgânico e seu favoritismo estava claro havia muito tempo. O ego e a
soberba de petistas e tucanos é que não enxergaram.
A onda perfeita se formou, Bolsonaro surfará e será eleito. A depender de seu tamanho, no primeiro turno.
Victor Marschall Ferreira é advogado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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