O fato é que muitas empresas de grande porte só funcionam com as benesses do governo. Haja patrimonialismo. Por outro lado, o Estado também "não está estatizado". Coluna de Carlos Alberto Sardenberg (O Globo):
Além das reformas em
andamento, ou ao lado delas, é preciso aplicar duas políticas de âmbito
nacional: uma é reestatizar o Estado, outra, seu reverso, privatizar a
empresa privada.
O jornalista Rolf
Kuntz, do “Estadão”, chamou a atenção para a primeira delas em coluna no
último dia 26. Está na rede, mas eis dois exemplos contrários ali
citados. A Petrobras, com Pedro Parente, foi reestatizada depois do
assalto privado e partidário das gestões petistas. Já os órgãos de
controle sanitário do Ministério da Agricultura, apanhados na Carne
Fraca, estavam obviamente privatizados. Por aí o leitor tem uma boa
ideia do que se está falando.
O reverso da história é a privatização da empresa privada brasileira ou, se quiserem, a privatização do capitalismo.
Considerem a Vale,
privatizada em maio de 1997. Nesta semana, foi indicado o seu novo
presidente, Fabio Schvartsman, um executivo do primeiro time no setor
privado. Sinal claro de aprovação geral: as ações da Vale subiram.
Mas houve
envolvimento político, outra vez. Ocorre que o governo federal está no
bloco de controle da Vale, por meio do Banco do Brasil e de fundos de
pensão de estatais, junto com o Bradesco. Claro que, do ponto de vista
formal, nada ocorre sem o entendimento dos parceiros, o público e o
privado. Mas o peso do governo vai além do número de ações que possui.
Vai daí que, na
escolha do novo diretor-executivo da Vale, o presidente Temer conversou
com o senador Aécio Neves. Outro detalhe: a empresa de mineração, embora
tenha negócios no Brasil e no mundo, é mineira de coração, digamos
assim. Daí, neste governo, a participação de Aécio. Ao mesmo tempo,
bancadas de partidos políticos e candidatos ao posto buscavam apoios e
lobbies em Brasília. Mas nessa turma, ninguém emplacou ninguém.
De sua parte, Aécio
foi conversar com Arminio Fraga, uma unanimidade positiva nos meios
econômicos, que topou participar do processo desde que fosse para, de
fato, privatizar a Vale. Não falou com essas palavras, mas o sentido era
esse: entraria na história se fosse para indicar um nome de mercado,
para impor na Vale uma gestão independente.
Tendo essa garantia,
indicou o nome de Fabio Schvartsman, que havia feito ótimo trabalho na
Klabin. E Aécio o levou até o presidente Temer.
De outro lado, a Vale
havia contratado a empresa Spencer Stuart para selecionar seu novo
presidente. E Schvartsman foi indicado pelo head hunter.
Se foi colocado na
lista por Aécio e Temer ou se a empresa chegou a seu nome paralelamente,
e por coincidência, não importa mais. O fato é que resultou uma
indicação técnica, com respaldo político.
Diz o senador Aécio Neves: “Ter aval político não desmerece Schvartsman”. De fato.
Mas é fato também que
os dois últimos presidentes da Vale, Roger Agnelli e Murilo Ferreira,
caíram quando perderam o apoio do governo federal. Agnelli, por exemplo,
foi atacado por Lula por dirigir a companhia como se ela fosse...
privada e independente.
Digamos que Lula
volte em 2018. Ou alguém de seu lado. Schvartsman e Pedro Parente seriam
derrubados? Poderia acontecer, não é mesmo? Mais, seria provável.
O que demonstra o
ponto inicial: nem o Estado está estatizado, nem o privado, privatizado.
Hoje, a boa ou má gestão das estatais depende da qualidade da escolha
do governo de plantão. E as empresas privadas, em grande número, mas
grande mesmo, só funcionam com benesses do governo.
Nesta semana, por
exemplo, empresários de peso foram a Temer reclamar da presidente do
BNDES, Maria Silvia Marques, que, como Parente, é executiva de
reconhecida competência. Ela estaria segurando crédito — crédito que o
governo anterior distribuiu tão ampla quanto irresponsavelmente.
Pois é, em vez de apresentar balanços e projetos saudáveis, foram reclamar com o presidente da República.
Os controladores da
Vale, incluído o governo, colocaram em marcha um processo para torná-la
uma companhia pública, com ações pulverizadas e, portanto, sem dono
definido. É boa medida.
Assim como seriam
boas medidas que garantissem escolhas técnicas e profissionais para
cargos que exigem isso no governo e nas estatais. Fiscal sanitário não
pode ser indicação política, nem diretor de escola ou presidente da
Petrobras.
Argumenta-se: o
partido que ganha a eleição tem que dispor dos instrumentos para aplicar
a sua proposta política. E existe boa política.
Tudo verdade. Mas o
vencedor não precisa nomear mais de cem mil correligionários pelo país
afora. Nem pode colocar o governo a serviço do partido e de determinadas
empresas.
São urgentes mecanismos institucionais que garantam um Estado público e um capitalismo privado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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