Promulgada há 30 anos, a
Constituição é prolixa, abrangendo disposições que deveriam ser
contempladas na legislação comum. Os méritos do texto constitucional se
esgotaram, observa editorial do Estadão: é necessária, portanto, uma
profunda renovação:
Há 30 anos o
Congresso Nacional reunia-se para a instalação da Assembleia
Constituinte, cujo resultado foi a Constituição Federal da República
Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 5 de outubro daquele ano. Em
três decênios, a Carta Magna assegurou grandes benefícios ao País, como
a normalização do regime democrático, os mecanismos para garantir a
independência dos Poderes, o fim da censura à imprensa e o respeito aos
direitos e garantias fundamentais.
É inegável, no
entanto, que os méritos do texto constitucional se esgotaram, havendo,
já há tempos, a clara percepção da necessidade de sua profunda
renovação. O texto de 1988 é hoje incapaz de fornecer um marco jurídico,
administrativo e político adequado ao desenvolvimento econômico e
social do País. Como mencionou o senador José Serra (PSDB-SP), em artigo
publicado no caderno especial 30 Anos da Instalação da Constituinte, do
Estado, “do ponto de vista ideal, acho que deveríamos pensar em uma
nova Constituição”. Uma afirmação desse teor, anos atrás, seria
inimaginável. Hoje, ela é um diagnóstico corrente de quem examina a
experiência do texto constitucional, com suas inúmeras e insuficientes
revisões, e da interpretação que lhe foi dada, vincando ainda mais suas
deficiências.
A Constituição de
1988 é prolixa, incorporando ao texto fundamental do ordenamento
jurídico disposições que, quando muito, deveriam constar na legislação
ordinária. Tal característica acarretou um precoce envelhecimento do
texto, que já não consegue acompanhar as mudanças sociais e econômicas
de nosso tempo.
O detalhamento
excessivo e, muitas vezes, contraditório principalmente de direitos, nem
sempre temperados por deveres ou acompanhados dos meios materiais para
garanti-los, deu azo a interpretações ainda mais detalhistas, como se o
espírito do constituinte tivesse sido o de incorporar todo o Direito e
cada detalhe da vida nacional dentro da Constituição. Logicamente, esse
modo de entender as coisas acarretou uma inflação de disposições
constitucionais, com inevitáveis disfuncionalidades. Para piorar ainda
mais a situação, fez-se dominante a tendência de atribuir caráter de
cláusula pétrea a dispositivos ordinários, quando a prudência
recomendava que essa proteção ficasse restrita a pouquíssimas cláusulas.
Além de encurtar
consideravelmente os limites de atuação do Poder Legislativo, esse
inchaço constitucional levou a uma judicialização das relações sociais,
políticas e institucionais. Com a compreensível intenção de não impedir o
acesso à Justiça a quem se sentisse prejudicado, foi sendo incorporada
ao Poder Judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma
relevância institucional desproporcionalmente lata em relação aos outros
Poderes, como se esse fosse competente para tudo decidir, tudo resolver
e tudo normatizar. Naturalmente, esse arranjo institucional provocou
distorções, com não pequenas implicações sobre a própria identidade e
funcionalidade do Executivo e do Legislativo, que deveria ser a sede da
soberania popular e a manifestação mais eloquente da democracia.
Em quase 30 anos, já
foram aprovadas 95 emendas constitucionais. Se levada ao pé da letra, a
Constituição de 1988 constrange de tal forma a capacidade financeira e
administrativa do Estado que o torna ingovernável, incapaz de investir,
de prover com eficiência os serviços públicos essenciais.
Recentemente, houve
importantes alterações constitucionais, como a desvinculação de receitas
da União e a imposição de um teto para os gastos públicos. Tais emendas
evitam temporariamente o colapso fiscal, mas continuam sendo remendos.
Benefícios, dotações e vinculações constitucionais seguem imobilizando
cerca de 90% do Orçamento da União, além de gerar um aumento vegetativo
da despesa que crescimento algum consegue acompanhar.
A Constituição de
1988 já cumpriu suas funções, e a principal delas foi servir de lastro
para a consolidação do processo democrático que então se iniciava.
Vencida essa etapa, é hora de pensar e desenhar uma nova Constituição,
realista e funcional, resultado de uma sociedade madura, que se deu
conta de que a explicitação de direitos no papel nada é, se tais
direitos não tiverem como ser exercidos na prática. O desafio que se
impõe agora é o de formular um marco jurídico adequado aos tempos
atuais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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