Se você é da turma que pensa que a era digital “engoliu” a tradição dos jogos de cartas e de tabuleiro, daqueles pra jogar com família e amigos, está enganado. Mesmo diante da infinidade de games virtuais, há quem não resista, por exemplo, a uma partida de Banco Imobiliário ou Detetive. A paixão leva também a imaginar e confeccionar jogos.
O game designer (desenvolvedor de jogos, no bom e velho português) Encho Chagas, de 31 anos, encantou-se pelo ofício há 14 anos. Formado em design gráfico, ele já tem dois games comercializados. O Pulse é destinado a crianças e adolescentes e foi comprado por uma empresa italiana, detentora dos direitos de reprodução e venda do game. O fechamento do contrato lhe rendeu inicialmente 500 euros. Além disso, o designer recebe 5% sobre cada venda em lojas físicas e 10% pelas vendas digitais. 
Outra criação de Encho, o Brigada dos Quatro, por enquanto vem sendo comercializado apenas em formato digital. Mais nove jogos idealizados pelo belo-horizontino estão disponíveis para download gratuito em enchoindiestudio.wordpress.com.
O START
Mas por onde se começa a criar um jogo? Encho Chagas diz que o processo criativo propriamente dito é relativamente rápido: em média, uma semana entre desenvolver a ideia e criar um protótipo. A parte mais demorada vem na sequência. “É a fase de experimentos, crucial. Testo com muitas pessoas e avalio não só a eficiência da mecânica, se está acontecendo o que previ, mas se o texto está coerente e legível, tanto para o jogador iniciante quanto para um mais experiente”.
A etapa mais cara e, de certa forma, também a mais importante, é a de viabilização da ideia. Segundo o designer, por esse motivo, muitas vezes o jogo acaba não sendo impresso e é colocado à venda somente na web. "A impressão de um RPG é até tranquila. A questão é quando o jogo é mais elaborado, com pecinhas, dados e tabuleiro”, explica. Nesse caso, segundo ele, cada unidade do game pode custar cerca de R$ 18. “Por isso, muitas empresas acabam vendendo por R$ 200, R$ 300, no Brasil”, justifica. 
Na opinião de Encho, a sobrevivência dos jogos, analógicos ou modernos, como também são chamados, tem relação direta com o que eles proporcionam ao jogador. “São experiências bem diferentes, por isso não concorrentes. Os jogos de tabuleiro promovem reunião de amigos. Os digitais, mesmo quando jogados on-line, ainda são muito individuais e casuais”, pondera.
Apaixonado pelo hobby, colecionador tem quase 300 peças
Ele havia jurado não ultrapassar os 250 exemplares, mas não conseguiu cumprir a promessa. O analista de sistemas Alison Carmo Arantes, de 35 anos, é um fanático confesso por jogos de tabuleiro. Não à toa está chegando à terceira centena de games armazenados em casa, desde os mais tradicionais, como Banco Imobiliário, aos mais sofisticados, como o Endeavor.
A coleção de Alison começou a ganhar forma há oito anos, quando, influenciado por um amigo, decidiu pesquisar o tema na web. De lá pra cá, não parou mais. “Conheci o Clube do 1, grupo de jogadores do qual faço parte até hoje, pesquisei referências dos melhores jogos do mundo, comecei a comprar e não parei mais”.
Para ele, o grande barato da diversão não virtual é a possibilidade de interação e de desvendar as estratégias do oponente durante as partidas. “Não acredito mesmo que os jogos modernos estejam perdendo espaço para os digitais. Cada um tem seu lugar”.
Também analista de sistemas, ao menos uma vez por semana Thales Valias, de 27 anos, reúne-se com amigos por até nove horas ininterruptas. As “noitadas”, são regadas a comes, bebes e muito entusiasmo.
Veia de jogador: jogos de tabuleiro são paixão para brincar, criar e ganhar dinheiro
TEST DRIVE – Thales Valias se reúne com amigos em casa pelo menos uma vez por semana
JOGADOR NATO
Game designer e sócio da HQueijo Comics, loja voltada para o público geek e nerd de BH, Alan Rodrigo Silva, de 29 anos, é mais um fascinado pela dinâmica e temática dos games modernos, sobretudo pelos de RPG, que também desenvolve. “Comecei em 2006, quando descobri um site de narrativa virtual para RPG. Estudei, participei de grupos e virei operador da plataforma. Desde então, uso minha criatividade para criar meus próprios jogos”.
Alan também vincula o sucesso dos jogos analógi-cos à possibilidade de mobilização e interação. “Ambientes digitais tendem a ser solitários, dependendo, normalmente, só do próprio jogador. O analógico exige mobilização maior”.
Empresário abandonou emprego e abriu empresa de criação de jogos analógicos
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ESGOTADO - Jogo criado por Renato "sumiu" das lojas

Após se dedicar por anos à área de desenvolvimento de sites, Renato Simões, de 24 anos, decidiu ter um negócio próprio que, literalmente, unisse o útil ao agradável. Há um ano, ele inaugurou a Geeks n’ Orcs, empresa sediada em BH e especializada na criação e desenvolvimento de jogos de tabuleiro. Foi quando lançou a primeira edição – já esgotada, aliás – do Piratas. O jogo já tem uma segunda edição prevista para 2017, quando ganhará uma versão expandida, com novas cartas e peças.
Paralelamente ao processo criativo, que inclui imaginar um jogo ao mesmo tempo interessante e vendável, Renato também publica versões inéditas de games importados, tais como o alemão Loot, lançado em 1992 e que pela primeira vez terá edição em português, e o brasileiro Por Favor Não Corte a Minha Cabeça, baseado nos filmes de terror dos anos 80 e nas festas de Halloween.
Simões diz que aspectos como o posicionamento mercadológico da editora e a receptividade do game no mercado são sempre levados em conta.
“Gosto de jogos pequenos, mais baratos e que sejam leves, fáceis de aprender, sem muitas regras, possíveis de serem jogado por muita gente e de várias faixas etárias”, completa.

Você sabia?
Cerca de 150 colaboradores participam da produção da famosa revista Coquetel, lançada há 60 anos e com tiragem de 1,5 milhão de unidades. A publicação, que inclui as conhecidas palavras cruzadas, além de jogos como sudoku e caça-palavras, nasce de um processo que inclui práticas manuais, feitas por gente como a gente, e, pasmem, uma mãozinha das habilidades do computador.
O editor-chefe do selo Coquetel, da Ediouro, Daniel Stycer, conta que a parte mais complicada do processo, a montagem do diagrama das palavras cruzadas, é feita no computador, ou seja, por um processo digital. A escolha e definição dos vocábulos, por sua vez, são manuais, feitas por profissionais designados para cada tarefa.
“Existe um criador do banco de palavras e a figura do definidor que, como o próprio nome diz, cria as definições ou maneiras de se obter uma mesma resposta para cada palavra. A partir daí, o processo é todo automatizado, é quando surge o diagrama com as palavras”, detalha Stycer. Ainda assim, depois de encerrada a parte semiautomática, o desenho passa por um pente-fino, que detecta se há vocábulos repetidos em uma mesma edição. O sudoku, por sua vez, quebra-cabeça criado a partir da ordenação de números, é 100% automatizado.
Todos os meses, são publicadas 80 revistinhas. Diariamente, são produzidas cerca de três publicações, que somam média de 400 palavras-cruzadas a cada mês.