Em vez de se livrar da mistificação e recomendar a seus ministros que se mantenham longe dessa operação, que coisa de governo não pode ser, Dilma se deixa convencer de que ela só será salva se Lula conseguir recuperar o seu prestígio.
Consta
da mitologia criada sobre Dilma Rousseff que ela foi, como vou dizer?,
professora de marxismo. Eu duvido um pouco. Em primeiro lugar, porque,
fora o tatibitate do Marx escrevendo sobre ideologia ou relendo a
história, aquele troço não é simples — o que não quer dizer que seja nem
bom nem correto. Mas fácil não é. Se, hoje, já bastante madura, a
presidente tem um raciocínio notavelmente confuso, a gente pode imaginar
como era quando tinha pouca experiência. Como sabemos, ela sempre perde
a luta para a sintaxe.
Raciocínio
confuso costuma combinar com escolhas igualmente atrapalhadas. Dilma
chegou a ter a chance de se salvar, já escrevi aqui, lá pelo começo do
ano passado. Deveria ter apeado do PT, enviado ao Congresso uma emenda
parlamentarista e proposto um governo de coalizão. Não o fez. Preferiu
se agarrar ao partido. Está afundando junto com ele, e continuo a achar
que não conclui o seu mandato. O “esfriamento” do impeachment me parece
aquela bonança que antecede a tempestade. O povo de verdade ainda não
disse o que acha da crise.
A imagem
de Lula se desintegra, se esfarela. E não porque alguém conspire contra
ele, mas porque, a gente nota, o homem se mostra incapaz de dar
explicações convincentes. E que se note: isso só está em curso porque,
finalmente, alguém teve a ousadia de cobrar. E, como se sabe, até agora,
não foi Rodrigo Janot, não foi o Ministério Público Federal. A Operação
Triplo X, no que diz respeito a Lula, por enquanto, é apenas um
trocadilho.
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Eis aí. De
novo, com um pouco de inteligência política, só um pouquinho, Dilma
poderia tentar passar pela porta estreita e tentar se descolar de Lula.
Ocorre que ela se cercou de conselheiros… lulistas! E estes a
convenceram de que ela só se salva se ele se salvar. Por mim, acho o
conselho excelente porque intuo que todos eles naufragarão juntos.
Nesta
quarta-feira, na abertura do ano legislativo, Jaques Wagner, ministro da
Casa Civil, conclamou parlamentares da base a fazer a defesa de Lula. O
ministro disse aos aliados que o ex-presidente é alvo de uma
perseguição e que a história de Lula “precisa ser respeitada”. Para
muitos, a fala de Wagner teve um tom de desabafo, quase um pedido de
ajuda.
Wagner só
ecoava a cascata dos petistas no Senado, que decidiram argumentar
abertamente não em favor de Lula, mas, até onde dá para entender, de sua
inimputabilidade e, pois, da impunidade.
O petista Jorge Viana (AC) presidiu a primeira sessão do ano e mandou brasa, prestem atenção:
“Vamos tratar o presidente Lula com respeito porque ele merece o respeito por tudo de bom que fez pelo nosso povo, pelo nosso país. Vamos deixar o presidente em paz com sua família, sua esposa Marisa, para que ele possa ter o direito de uma vida depois de ter sido presidente da República”.
“Vamos tratar o presidente Lula com respeito porque ele merece o respeito por tudo de bom que fez pelo nosso povo, pelo nosso país. Vamos deixar o presidente em paz com sua família, sua esposa Marisa, para que ele possa ter o direito de uma vida depois de ter sido presidente da República”.
Como?
Observo que Viana nem mesmo se ocupou de declarar que Lula é inocente.
Pede que o deixem em paz em razão da sua biografia. Também fazendo de
conta que nenhuma suspeita pesa contra o ex-presidente, Humberto Costa
(PE), líder do partido no Senado, afirmou: “São ataques sistemáticos,
que têm como objetivo desqualificá-lo como homem público e desconstruir a
imagem de um presidente que deixou o cargo nos braços dos brasileiros,
com mais de 80% de aprovação popular”.
Questão:
se Lula tivesse deixado o poder com 100% de aprovação, isso lhe daria o
direito de pairar acima das leis? A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR),
investigada numa operação parente da Lava-Jato, também resolveu dar a
sua opinião, aí com um pouco menos de, vá lá, sagacidade do que os
outros. E provocou: “Talvez vocês pudessem acusar o Lula de ter tirado
40 milhões de pessoas da miséria, de ter feito o maior programa de
investimento em moradia popular que este país de já teve”. Digamos que
assim seja: Lula está se enrolando todo por isso?
Eis por
que, apesar da aparente calmaria, eu duvido que Dilma vá conseguir sair
do sufoco e salvar o próprio pescoço. Os petistas ainda não se deram
conta do quão velho e ultrapassado é esse discurso. Vá às ruas, converse
com as pessoas comuns, vejam a quantas anda a imagem daquele que eles
insistem em tratar como demiurgo.
Em vez de
se livrar da mistificação e recomendar a seus ministros que se mantenham
longe dessa operação, que coisa de governo não pode ser, Dilma se deixa
convencer de que ela só será salva se Lula conseguir recuperar o seu
prestígio.
Não é um sinal de inteligência política.
Querem saber? Dado o que eles pensam, eu acho é bom.
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