Os gastos das campanhas no País podem chegar a 5 bilhões de reais
por André Barrocal
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publicado CARTA CAPITAL
Orlando Brito/JC Imagem/Estadão Conteúdo
Candidatos e partidos costumam
exagerar na previsão de gastos apresentada aos tribunais eleitorais no
começo das campanhas. Neste ano, eles capricharam. Dilma Rousseff, Aécio
Neves, Eduardo Campos e oito presidenciáveis “nanicos” planejam
despesas que superam os 900 milhões de reais, o dobro do orçamento
inicial da eleição de 2010. Quando se somam os dispêndios dos
postulantes a governador, senador e deputado, a disputa pode movimentar
perto de 5 bilhões de reais. Graças à lei, o grosso da conta será pago
com dinheiro de empresas. Que, como se sabe, não fazem doações, mas
investimentos na política, à espera de retribuições.
Dona da mais alta planilha de gastos do
País, de 298 milhões de reais, a campanha de Dilma está pronta para
colocar o poder econômico na berlinda. No programa de governo entregue à
Justiça ao lado das estimativas de despesas, o PT propõe um plebiscito
sobre o fim das contribuições empresariais, uma bandeira presidencial
durante as manifestações de junho de 2013. E pelo que se discute entre
seus estrategistas, é provável que no meio da campanha a candidata à
reeleição retome uma ideia ainda mais polêmica, também lançada no auge
dos protestos: a convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma
política.
Entre os dilmistas, há uma torcida pelo
sucesso da tentativa de se realizar na primeira semana de setembro uma
consulta popular sobre a proposta de Constituinte. A ideia da votação
surgiu logo após as manifestações. A iniciativa reúne hoje 242
organizações, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o
coletivo Fora do Eixo, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a
associação brasileira de ONGs.
Para difundir o “plebiscito
Constituinte”, os organizadores distribuem panfletos e promovem atos
públicos. Querem mobilizar 10 milhões de brasileiros e arrancar da
maciça maioria um “sim” à Constituinte. Seria uma votação sem valor
legal, mas com potencial político. Com a sucessão presidencial a pleno
vapor e a quatro semanas da eleição, qual candidato teria coragem de
desprezar uma proposta com tamanho apoio popular, caso lhe fosse cobrada
uma posição? Dilma tende a encampá-la e a constranger os rivais a
seguirem-na.
Pela análise das plataformas de governo
registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é mais fácil esperar
um compromisso de Campos do que de Aécio. A rejeição ao atual sistema
político é a essência da chapa do ex-governador pernambucano e de Marina
Silva, que prevê gastar 150 milhões de reais. O programa do PSB prega,
por exemplo, o uso mais frequente de plebiscitos e a revisão da
“legislação de financiamento eleitoral para baratear as campanhas e
diminuir a influência do poder econômico”. O documento tucano, por sua
vez, faz uma única menção à reforma política, defendida “com o propósito
de tornar mais confiável e transparente a atuação política”. Aécio
calcula despesas de 290 milhões de reais.
O PSDB integrou o bloco partidário
formado no Congresso, em 2013, que barrou a reforma política via
plebiscito e Constituinte, propostas lançadas por Dilma em cadeia de
tevê e rádio. A resistência uniu siglas da oposição a legendas aliadas
do Palácio do Planalto, inclusive setores do PT, união azeitada pelo
instinto de sobrevivência em terreno conhecido. Contra o plebiscito e a
Constituinte, alegou-se o atropelo às funções do Congresso, um arroubo
autoritário. Certa de que não dá para contar com o Legislativo, a cúpula
do PT aposta na pressão das ruas para alterar as regras do jogo.
Na visão de líderes e estrategistas do
partido, sem mudar o sistema, é complicado para o governo petista –
mesmo se reeleito – proporcionar avanços econômicos e sociais na
magnitude do que acreditam ter sido feito desde 2003. Com um Congresso
dominado pelo poder econômico, não dá para acelerar a reforma agrária,
taxar grandes fortunas ou providenciar verba extra à Saúde via nova
tributação. Em um vídeo divulgado recentemente na internet em favor da
reforma política, o ex-presidente Lula foi explícito: “Para o Brasil
continuar mudando, é preciso garantir a legitimidade das instituições e
acabar com a interferência do poder econômico nas eleições”.
A exagerada interferência da grana gera
uma classe política que não reflete o conjunto da sociedade,
especialmente nos legislativos. Das 594 cadeiras do Congresso, 273 são
ocupadas por empresários e 160 por fazendeiros, conforme o Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap. Seriam 72% dos
brasileiros donos de empresas ou de terras? Apenas 73 congressistas são
ligados a sindicatos. Não consta que a classe trabalhadora no País
esteja restrita a 13% da população.
Nas pesquisas acadêmicas
feitas no País desde a década passada, há uma conclusão praticamente
unânime de que o financiamento patronal possui inegável impacto.
Estudioso do tema, o cientista político Wagner Mancuso, da Universidade
de São Paulo, garante: candidato com caixa fornido é favorito e, uma vez
eleito, estabelece uma relação com o financiador baseada no compadrio
(ele ajuda o patrocinador a arrumar empréstimo em bancos oficiais,
contratos com órgãos estatais e benefícios tributários, entre outras
vantagens).
A doação empresarial motivada por
expectativa de retorno dificulta o arejamento do universo político e
empurra os partidos para o governismo, mesmo aqueles sem afinidade
ideológica com o Planalto. Os financiadores, diz Mancuso, optam por
contribuir com candidatos que possuam mandato e sejam governistas, pois
um perfil assim teria chance de mostrar “serviço”, ou seja, retorno. Na
eleição de quatro anos atrás, 4.369 candidatos disputaram uma vaga a
deputado federal. Só 10% eram parlamentares em busca de novo mandato.
Dos 430 postulantes que mais receberam doações, 53% eram, no entanto,
deputados em busca da reeleição.
A concentração financeira é um fenômeno
também entre os patrocinadores, segundo Mancuso. Na eleição passada, a
Justiça Eleitoral registrou donativos feitos por 19 mil empresas. Metade
do dinheiro saiu, porém, do cofre de apenas 70 companhias. Mais: um
terço partiu de somente 15. Neste clube capaz de decidir quem tem chance
de se eleger, há seis empreiteiras (Camargo Corrêa, Queiroz Galvão,
Andrade Gutierrez, OAS, Galvão Engenharia e UTC Engenharia), três bancos
(Itaú, Bradesco e BMG), duas siderúrgicas (CSN e Gerdau), uma
mineradora (Vale), um frigorífico (Friboi), uma telefônica (Oi, via
controlada Contax) e uma fabricante de bebidas (Petrópolis).
Apesar de valiosa
para o eleitor na hora de votar, a informação sobre contribuições de
campanha é nebulosa. Pela lei, os candidatos devem entregar à Justiça
duas prestações de contas na campanha, em agosto e setembro. O nome dos
financiadores, contudo, só é exigido na prestação final, um mês após a
votação. Além disso, tornou-se frequente a “doação oculta”, que esconde o
patrocinador. Em vez de os recursos irem direto para o candidato, são
enviadas ao partido ou ao comitê de campanha, e esses fazem o repasse.
Para tentar coibir a prática, o TSE decidiu que neste ano todo repasse
financeiro de partido ou comitê para candidato precisará indicar o CNPJ
do doador original.
A proibição das doações empresariais
teria como provável efeito a adoção do financiamento de campanhas com
verba pública. Em um País com alta rejeição à política, parece difícil
que o eleitor aceite gastos de 5 bilhões de reais bancados com o “seu, o
meu, o nosso dinheiro”. É preciso não somente convencer a sociedade de
que vale a pena investir na democracia, como repensar o formato das
campanhas. “Elas são cada vez mais caras, porque se transformaram em
fenômenos midiáticos, não se discute projeto. E não é um problema apenas
do Brasil. Quem estuda democracia no mundo não está otimista”, diz
Mancuso. Ou seja, seria preciso trocar o marketing pela política.
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