O
trabalho de cuidado, historicamente atribuído às mulheres, permanece
invisível: tarefas domésticas e criação dos filhos não aparecem em
currículos nem em folhas de pagamento. Em média, elas dedicam 21,3 horas
semanais a essas funções, quase o dobro do tempo gasto pelos homens,
que despendem apenas 11,7 horas – de acordo com o IBGE.
Essa
sobrecarga gratuita restringe o tempo e a energia delas para competir
em igualdade com os homens no mercado de trabalho, perpetuando a
desigualdade de gênero e aprofundando a vulnerabilidade econômica
feminina. Os anos dedicados exclusivamente à família viram lacunas
profissionais — o chamado apagão no currículo — que fecham portas justamente quando a autonomia financeira se torna mais urgente.
“Esse
fenômeno acontece em um contexto de exigência e preconceito no qual
essas mulheres ficam para trás e não conseguem se recolocar no mercado.
Muitas precisam recomeçar do zero, o que não é uma tarefa simples,
principalmente quando elas ainda são as responsáveis primárias pelos
filhos, mesmo após o divórcio”, explica Renê Freitas, advogado
especialista em direito de família, com foco no público feminino.
A
desatualização técnica, o etarismo e a discriminação por serem mães são
barreiras frequentes. Por terem passado tanto tempo desempenhando
funções que o mercado não reconhece, são tratadas como inativas.
Quadro estrutural
Mais
de 40% das mulheres fora da força de trabalho no Brasil apontam o
cuidado com os filhos e os afazeres domésticos como o principal motivo
do afastamento profissional. Segundo o IBGE, no terceiro trimestre de
2024 a taxa de desemprego entre as mulheres foi 45,3% maior do que a
registrada entre os homens, evidenciando as barreiras estruturais
enfrentadas por elas.
Diante
desse cenário, a Justiça tem reconhecido o direito à pensão alimentícia
como um instrumento para assegurar uma transição mais segura,
permitindo que essas mulheres reconstruam suas trajetórias profissionais
e conquistem a autonomia financeira.
“Esse
é um direito que vai além da mera assistência e reconhece o trabalho de
cuidado como fundamental para a estrutura familiar e social. Por isso, a
pensão pode e deve ser fixada para assegurar que essa mulher tenha
tempo e condições de se recolocar profissionalmente”, destaca Freitas.
Quem pode pedir
Diferente
da pensão alimentícia voltada aos filhos, nos casos de separação entre
cônjuges, a pensão é definida com base no princípio da necessidade x possibilidade.
Ou seja, o juiz avalia se quem pede realmente precisa do auxílio
financeiro e se a outra parte tem condições de contribuir sem
comprometer o próprio sustento.
Esse direito está previsto no Código Civil, nos artigos 1.694 a 1.710, e costuma ter caráter temporário,
embora possa ser estendido ou até mesmo definitivo em casos
específicos. A lei reconhece que, se uma das partes não consegue se
manter sozinha e a outra pode ajudar, esse apoio deve ser garantido.
A
pensão não se aplica apenas aos casos de apagão no currículo, mas
também a situações em que a mulher precisa de tempo para se qualificar,
reencontrar espaço no mercado de trabalho, ou ainda quando há problemas
de saúde, idade avançada ou prejuízos financeiros sofridos durante o
casamento.
O
valor é definido com base na realidade financeira do casal antes da
separação, considerando fatores como tempo de convivência, padrão de
vida, idade, condição de saúde e potencial de retorno ao trabalho. O
objetivo é chegar a um valor justo para ambas as partes.
Resistência à pensão
Há
margem para disputa e, em muitos processos, ex-maridos invalidam o
pedido de pensão, mesmo quando houve dedicação exclusiva da esposa
durante o casamento. A negação do trabalho doméstico é um dos fatores,
mas também os ressentimentos pessoais viram argumentos.
“Muitos
homens criam a visão da ex-esposa como interesseira, infiel e
aproveitadora para recorrer ao pagamento da pensão. Eles não reconhecem a
contribuição da mulher para a construção do patrimônio do casal de
forma direta, o que é equivocado. Para que ele pudesse se dedicar à
própria carreira e sustentar a família financeiramente, ela estava em
casa cuidado de aspectos essenciais, mas isso não é reconhecido”,
explica o advogado Renê Freitas.
A
ausência da pensão pode resultar em endividamento, insegurança
alimentar e dificuldades para suprir as necessidades básicas dos filhos.
Além do impacto financeiro, a falta desse suporte afeta a saúde mental
das mulheres, que enfrentam estresse constante ao cuidar da casa e dos
filhos sem recursos suficientes.
Por
isso, além do apoio jurídico, o reconhecimento social e institucional
desse trabalho é fundamental para que essas histórias não sigam sendo
marcadas por culpa, invisibilidade e abandono.
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