O
avanço das apostas esportivas no Brasil tem gerado efeitos preocupantes
em várias áreas, inclusive para o setor de alimentação fora do lar. Um
deles é a diminuição no consumo presencial em bares e restaurantes:
segundo levantamento da ABMES, o número de apostadores que já deixaram
de consumir nesses estabelecimentos em algum momento passou de 24,8%
para 28,5% entre 2024 e 2025.
Desde
que a regulamentação das casas de apostas começou, em janeiro desse
ano, o número de acessos diários aumentou 23% e passaram a ocupar a 2ª
posição em acessos na internet em maio, atrás apenas do Google, segundo
dados da SimilarWeb. Isso revela não só o alcance das apostas, mas
também sua presença constante na rotina digital dos brasileiros.
Outro
reflexo das apostas nos empreendimentos diz respeito a força de
trabalho. Empreendedores relatam queda no rendimento de funcionários
impactados emocional e financeiramente por perdas em apostas. Esse
fenômeno ganha contornos ainda mais graves quando se observa que a faixa
etária e de renda dos apostadores coincide com os dados da mão de obra
do setor, formado majoritariamente por jovens de 21 a 35 anos, com renda
média de R$ 2.227,00, segundo a PNAD de maio.
O
estudo da ABMES aponta ainda que 37% dos apostadores estão na classe C e
12% na classe DE, ou seja, quase metade dos jogadores vêm de grupos com
menor renda. Apesar da imagem de investimento promovida por
influenciadores e publicidade agressiva, os jogos de aposta online são,
na prática, operações em que o ganho está concentrado nas plataformas.
O
comportamento compulsivo associado às apostas online pode gerar uma
sensação ilusória de controle e sucesso, agravando quadros de
vulnerabilidade emocional e dificultando a manutenção de rotinas
profissionais estáveis.
CONSEQUÊNCIAS NO MERCADO DE TRABALHO
A
popularização das apostas esportivas, além de gerar desorganização
financeira, cria uma ilusão de enriquecimento rápido, o que desestimula
parte da juventude a buscar qualificação ou estabilidade profissional.
De
acordo com pesquisa da Abrasel realizada em março, 90% dos empresários
afirmam ter dificuldades para contratar novos funcionários. Entre os
principais motivos, estão a escassez de profissionais bem qualificados
(64%) e a falta de interessados nas vagas (61%).
Além
da dificuldade de contratar, muitos empresários têm relatado casos de
funcionários cada vez mais dependentes dos jogos. Em casos extremos,
como o de Roberto Franco*, proprietário de um restaurante em Fortaleza
(CE), um de seus funcionários foi pego roubando o estabelecimento.
“Esse
funcionário perdeu todo o salário em apostas online, aí para alimentar
sua família ele estava roubando alimentos do nosso estoque (...) pegamos
as imagens nas câmeras e tivemos que demiti-lo por justa causa”,
comenta.
O
ato de apostar não é um problema em si, contudo quando apostar sai do
controle se torna uma doença, a ludopatia, reconhecida pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, 10,9 milhões de pessoas fazem uso
perigoso de apostas, segundo pesquisa feita pela Unifesp.
“As
apostas podem ser um fator de adoecimento mental mais poderoso do que
se imagina. A pessoa saturada mentalmente pelos jogos não consegue
desenvolver as tarefas do cotidiano, não consegue manter a atenção e
passa a viver em um estado de exaustão e dependência”, comenta Paulo
Jelihovschi, psicólogo e líder gentes e jornadas da Abrasel.
O
avanço das apostas online representa um desafio emergente para a saúde
financeira e emocional de trabalhadores e empreendedores. Por isso, a
regulação e uso consciente dessas plataformas deve considerar também os
impactos sociais e econômicos nos pequenos negócios e no mercado de
trabalho.
*uso de nome fictício para preservar a imagem do entrevistado.
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