Putin aposta num misto de escalada e retraimento que sugere que estaria preparado para um compromisso no status quo atual. Este cenário poderia tornar-se apelativo para alguns Europeus. Madalena Meyer Resende para o Observador:
Os
últimos meses não foram fáceis, e o Inverno não se avizinha melhor, mas
o sucesso da contraofensiva ucraniana foi o corolário de um verão
horribilis para o Presidente Russo Vladimir Putin. Internamente, a
reconquista de Kharkiv e da região circundante pelo exército ucraniano
não só mudou a dinâmica da guerra, como expôs as fragilidades do
exército russo. Externamente, não só galvanizou a unidade ocidental,
como fragilizou a aliança de Moscovo com Pequim, e alterou as
considerações de países neutros como a Índia. Na cimeira da Organização
de Cooperação de Xangai em Samarcanda na passada sexta feira, Putin foi
pela primeira vez repreendido publicamente por Xi Jinping e por
Nareendra Modi. O primeiro-ministro indiano fez um discurso pela paz,
dizendo-lhe que “a era de hoje não é de guerra”.
Putin
respondeu que “faremos o nosso melhor para acabar com isto o mais
depressa possível”. Sem tardar, soubemos ontem que, com todas as más
opções à sua escolha, Putin escolheu a mobilização parcial de 300.000
cidadãos na reserva e anunciou a realização de referendos em Kherson,
Luhansk, Donetsk e Zaporizhzhia, que abriram o caminho para a anexação
destes territórios à Rússia. Em conjunto, estas duas medidas apontam
para um retraimento implícito dos seus objetivos de guerra. Apesar da
retórica e das ameaças nucleares, Putin assume implicitamente a
desistência da conquista de Odessa e de Kharkhiv, e aposta na
estabilização da fronteira actual.
A
aposta estratégica de Putin parece ser a de tentar manter pelo menos
alguns dos ganhos territoriais que fez desde Fevereiro. Os referendos
servem o propósito de assegurar aos ucranianos pró-Rússia nestas regiões
de que não serão abandonados por Moscovo. A mobilização e a ameaça
nuclear parecem ser mais uma táctica para ganhar tempo e sinalizar a
Kiev e ao Ocidente que ainda tem soldados e munições, voltando a brandir
a ameaça nuclear.
Para
salvar a face e justificar uma guerra que enfraqueceu a Rússia,
desestabilizou a Eurásia e fortaleceu a aliança ocidental, Putin aposta
num misto de escalada e retraimento que sugere que estaria preparado
para um compromisso no status quo atual. Com os preços a subir e a
economia europeia em queda, este cenário poderia tornar-se apelativo
para alguns europeus.
Contudo,
nem para os ucranianos nem, aparentemente, para os EUA esta solução é
aceitável, com a perda de mais de 15% do território nacional. A resposta
de Biden no discurso da Assembleia Geral das Nações Unidas foi clara:
os ocidentais vão continuar a apoiar os objetivos da Ucrânia. O fim da
guerra não está por isso à vista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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