Como as coisas sempre podem piorar, presidente aperta a política sobre a cabeça coberta para mulheres e levanta dúvida sobre o Holocausto. Vilma Gryzinski:
Viva
num dia, Mahsa Amini, uma jovem iraniana de 22 anos, morreu depois de
ser presa pela polícia de promoção da virtude e combate ao vício.
Seu
crime: não seguir ao pé da letra as instruções obrigatórias sobre como
as mulheres devem cobrir completamente os cabelos em qualquer lugar
público – e também nas redes sociais.
Desafiar
a obrigatoriedade do chador, como é chamado o lenço preto preso no
queixo, é crime desde a revolução dos aiatolás, quando líderes
religiosos xiitas comandaram a derrubada do regime monárquico, em 1979.
O
aiatolá Khomeini dizia que o chador era mais importante do que todas as
forças armadas iranianas. Abolhassan Bani Sadr, o primeiro presidente
revolucionário com ares de “moderno”, afirmou certas vez que o cabelo
feminino emitia raios que enfeitiçavam os homens.
Muitos
muçulmanos xiitas, a corrente minoritária, e sunitas acreditam que a
“modéstia” pregada no Corão significa envolver as mulheres dos pés à
cabeça em roupas negras para sair em público. Em países mais liberais,
isso não é obrigatório.
No
Irã, com um histórico de modernização dos costumes promovida pelo
regime do xá, o chador foi abraçado com furor político. Com o tempo,
porém, algumas iranianas foram progressivamente “empurrando” o véu para
trás. Pequenos grupos de corajosas começaram a tirar o chador em
público.
Mahsa
Amini, que era da minoria étnica curda, era dessa turma. As fotos dela
viva e linda, contrastando com as imagens de quando já estava entubada,
em coma, rodaram as redes sociais e causaram protestos de rua em regiões
curdas, aos gritos de “Abaixo o ditador”. Cinco manifestantes foram
mortos ao longo dos últimos dias.
A
polícia disse que tudo foi um “infortúnio” e a jovem sofreu um ataque
cardíaco depois de ser presa. Os que não compram esta versão acreditam
que ela levou uma pancada na cabeça que provocou o traumatismo fatal.
O
aumento da repressão estrita ao modo das mulheres se trajar em público é
produto de uma nova lei, mais severa ainda, propiciada pelo presidente
linha dura, Ibrahim Raisi.
O
controle aumentou na entrada de órgãos públicos, bancos e transportes
coletivos. Funcionárias do governo que aparecerem em redes sociais com
um fio de cabelo à mostra podem ser demitidas por justa causa. As
técnicas de reconhecimento facial contribuem para a repressão.
O
presidente Raisi, alcunhado de Carniceiro de Teerã pela condenação à
morte de oito mil presos políticos que já haviam cumprido sentenças
menos drásticas durante o período mais repressivo, preparou sua viagem a
Nova York para a Assembleia Geral da ONU com uma entrevista a Leslie
Stahl, do programa 60 Minutes da televisão CBS.
Provavelmente achou que seria uma boa ideia para propagar suas mensagens ao público americano. Não foi.
“O senhor acredita que o Holocausto aconteceu? Que seis milhões de judeus foram chacinados”, perguntou a entrevistadora.
“Acontecimentos
históricos devem ser investigados por pesquisadores e historiadores.
Existem alguns indícios de que isso aconteceu. Então, deveriam permitir
que fosse investigado e pesquisado”.
Que tal isso como resposta? Quem proíbe que um acontecimento dessas dimensões seja “investigado”?
Sobre
acordos que países petrolíferos como Emirados Árabes Unidos e Bahrein
assinaram com Israel, Raisi cravou: “Se um estado estende a mão ao
regime sionista, torna-se cúmplice de seus crimes. E apunhala pelas
costas a própria ideia da Palestina”.
É
por esse tipo de política que países árabes mais dispostos à
normalização de relações com Israel – e a bancar um Estado palestino que
aceitasse a sua legitimidade – têm horror ao Irã xiita. Também abominam
a possibilidade de que o Irã venha a ter a bomba nuclear cuja técnica
já domina.
Uma
das primeiras providências de Joe Biden como presidente foi abrir
negociações para reatar o acordo nuclear que Donald Trump tinha
considerado altamente insuficiente e cancelado. O acordo está bem perto
de ser reassinado.
As
condições geopolíticas hoje favorecem o regime iraniano. Com ajuda da
Rússia, os iranianos conseguiram evitar a queda de Bashar Assad na
Síria. A Rússia também ajudou o país xiita indiretamente depois de
invadir a Ucrânia e provocar o aumento da demanda pelo petróleo, o
combustível que continua a mover o mundo.
A
Rússia quer montar seu próprio eixo do mal, atraindo Irã, Turquia e
outros países antiamericanos. Não está fácil, considerando-se os fiascos
no campo de combate. Mas o regime iraniano tem uma estratégia de longo
prazo, montou um “arco de influência xiita” que inclui Síria, Iraque e
Líbano, conta com um recurso valioso como o petróleo e planeja o momento
futuro em que alcançará o objetivo de varrer Israel do mapa.
Não
é tão cedo que as iranianas que almejam uma vida menos controlada, sem
polícia religiosa patrulhando a quantidade de cabelo que mostram, vão
poder tirar o chador sem sofrer repressão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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