BLOG ORLANDO TAMBOSI
Vejo o Brasil como um país especializado em perder oportunidades, a mais evidente das quais, no passado recente, sendo o ciclo de governos petistas que teve início em 2003. Artigo do professor Bolívar Lamounier para o Estadão:
A
mediocridade política em que o Brasil vive já há vários anos reduz o
debate público à inútil contraposição entre “otimistas” e “pessimistas”.
Os
escritos que tenho postado neste espaço são regularmente agraciados com
o epíteto de “pessimistas”, que aceito de bom grado. De fato, quem olha
à nossa volta ou reflete sobre nossa história não tem muito a festejar.
Na outra ponta, “otimistas” são os pascácios herdeiros intelectuais do
conde Afonso Celso (Por que me ufano de meu país) e os empresários,
notadamente os do setor industrial, que fazem das tripas coração
tentando criar o que chamam de um bom “clima de negócios”. Tarefa
hercúlea.
Meus
caros leitores poderão objetar que, afinal de contas, o Produto Interno
Bruto (PIB) vai crescer 2,4% este ano e que o setor agrícola está se
diversificando de um modo promissor. Isso é muito bom. Apenas peço vênia
para lembrar que o modesto crescimento do PIB previsto para este ano se
deve quase totalmente às commodities (um pequeno número de produtos
primários exportados em larga escala para um pequeno número de países,
notadamente para a China) e que esse setor nem de longe abranda nosso
desesperante problema de desemprego. Acrescente-se que o governo, só
para equilibrar as contas públicas, é forçado a levar até o limite a sua
fúria arrecadatória. O que os “otimistas” têm a festejar é, portanto, o
fato de o Lula atual ter deixado de lado sua antiga ingenuidade e se
rendido sem pejo ao Centrão. Isso é melhor?
A
esgrima retórica entre “otimistas” e “pessimistas” seria útil se
tivesse lastro em avaliações devidamente fundamentadas, não em meros
sentimentos nefelibatas. O ideal é que ambas as pontas indiquem avanços
reais na reforma do Estado e no combate ao patrimonialismo e ao
corporativismo, vale dizer, tendências percebidas por parcelas
expressivas da sociedade com base na análise do funcionamento das
instituições e do desempenho de nossas elites. O que vemos, entretanto, é
um secular acúmulo de problemas que já levou o Brasil à condição de um
país virtualmente irreformável.
Nesse
sentido, admito que não sou ou estou otimista. Vejo o Brasil como um
país especializado em perder oportunidades, a mais evidente das quais,
no passado recente, sendo o ciclo de governos petistas que teve início
em 2003, após a estabilização levada a cabo pelo Plano Real, percebida
pelo Lula daquela época apenas como uma “herança maldita”. O Lula de
hoje é muito melhor, sem dúvida, não porque tenha enfrentado o
imperativo das reformas estruturais, mas por ter se rendido (como antes
dele havia feito Sarney) à evidência de que em nosso capenga sistema
presidencialista não há como governar sem um Centrão.
Começo
pelo sistema de governo porque o funcionamento dele é o que nos é dado
observar no dia a dia. Permitam-me repetir aqui uma avaliação antológica
de Maurice Duverger. Ele não teve oportunidade de observar a era Trump,
e certamente por isso se referiu aos Estados Unidos de uma forma um
tanto anacrônica. Mas vamos lá. “O sistema presidencial de governo só
funciona nos Estados Unidos. Noutros países ele degenerou em
presidencialismo, ou seja, em ditadura.”
O
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, parece entender que a
solução para os defeitos congênitos do presidencialismo no contexto
institucional brasileiro é o “semipresidencialismo francês”. Deve ter se
esquecido de que experimentamos essa fórmula em 1961 como anteparo à
tentativa de uma Junta Militar de impedir a posse do vice-presidente
João Goulart, legitimamente eleito, que deveria assumir a Presidência
após a renúncia de Jânio Quadros. O intento da referida junta não merece
comentários, mas quem tem memória por certo se lembra do desastre a que
tal experiência nos levou.
Dá-se,
entretanto, que a instabilidade latente no presidencialismo brasileiro
continuou a se manifestar mesmo depois de 1964, no interior da
corporação militar, contrapondo generais a generais. O caso antológico
é, aqui, a tentativa do general Sylvio Frota de peitar o
general-presidente Ernesto Geisel, em 1968.
Outro
fator que me afasta dos “otimistas” é o quadro educacional e
tecnológico, que vem sendo melhorado a conta-gotas, mas que se encontra
ainda a uma distância sideral do padrão que o Brasil precisa atingir.
Permito-me
lembrar, a propósito, os três casos clássicos de “industrialização
tardia” que ocorreram simultaneamente nos Estados Unidos, na Alemanha e
no Japão nas três últimas décadas do século 19. Antológico, aqui, é o
caso dos Estados Unidos. Em 1862, segundo ano da guerra civil americana,
o presidente Abraham Lincoln sancionou um projeto de lei concedendo
terras pertencentes à União a cada um dos Estados, com a condição de que
estes ejetassem o mofado latinório predominante nas universidades
aristocráticas da costa leste e impulsionassem as “artes mecânicas e a
agricultura”, ou seja, a ciência e a tecnologia. Esta, se sabe, é a
origem dos land-grant colleges, que deram uma contribuição inestimável à
aceleração industrial.
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