Numa situação surreal, o ministro da Economia encarregado de segurar a explosão também é candidato à Presidência e “dia seguinte” assombra. Vilma Gryzinski:
Quando
Mauricio Macri deixou a Casa Rosada, esmagado pela crise econômica e
uma derrota de 14 pontos diante de um quase nada político, Alberto
Fernández, o dólar no paralelo custava 60 pesos.
A
coisa piorou muito com a eleição do quase nada. O ministro da Economia
que havia escolhido para administrar a crise, Martín Guzmán, deixou o
cargo no ano passado com o dólar a 239 pesos.
Ontem,
chegou a passar dos 600 pesos. E ainda tinha espaço para subir. As
eleições primárias desse domingo podem antecipar uma desvalorização
maior ainda. Para lembrar: tem também a inflação firmemente plantada nos
três dígitos, taxa de juro a 97%, o total esgotamento das reservas e
mais de dez tipos de câmbio.
Em
qualquer país normal, seria o suficiente para acabar com qualquer
ministro da Economia. Como já sabemos que a Argentina não é um país
normal, o ministro Sergio Massa desfila sua autoestima inabalável,
fazendo campanha enquanto o país dança à beira de um vulcão em erupção.
A
eleição de domingo é uma prévia para escolher os candidatos à
Presidência e Massa, apesar de ter sido sagrado por Cristina Kirchner e
sua ampla roda de seguidores, adotou um discurso mais esquerdista para
não parecer um nome do “mercado” e fechar os espaços ao adversário,
dentro da frente peronista, Juan Grabois.
O
rival é um daqueles personagens espetaculares que a Argentina produz,
um jovem de classe média, ex-hacker, que chama o papa pelo primeiro
nome, intimidade da época em que Jorge Bergoglio ainda era arcebispo de
Buenos Aires, e se projetou como defensor dos catadores de papelão. Até
quem não gosta dele admite que é um caso raro de carreira nos
“movimentos sociais” — aspas para alertar para a enganação — que não os
usa para ter um cargo polpudo no governo.
As
pesquisas são tão diferentes que até dá medo mencioná-las, mas Grabois
aparece, em média, com 5% das intenções de voto. Massa, com escolha
garantida, vai depender desses 5% quando chegar o primeiro turno, em 22
de outubro.
Aliás,
vai depender de tantas variáveis — inclusive quem é escolhido como
principal nome da oposição, Horacio Rodríguez Larreta ou Patricia
Bullrich — que as previsões implicam em altíssimo risco.
Hoje, 9 de agosto, é impossível cravar quem vai ser o próximo presidente da Argentina.
Massa
pode ganhar impulso e até, teoricamente, uma parte do voto dos
desiludidos convencidos que o anárquico Javier Milei é uma alternativa
viável a um sistema que dá errado com quem quer que esteja no seu
comando. A frente oposicionista, Juntos pela Mudança, também pode
implodir — não sejamos tão exigentes a ponto de querer lógica da
política argentina.
Uma
das pesquisas mais recentes dá o seguinte resultado: 35% para a
oposição do Juntos; 30% para Massa e 20% para Milei. O fato de que os
oposicionistas tenham 55% do eleitorado pode não ser uma grande garantia
de nada.
No
curto prazo, são não apenas as primárias de domingo que dominam a
agenda dos pré-candidatos, mas a reação que inevitavelmente acontecerá
no dia seguinte. E se o dólar explodir? E se outro calote se tornar
inevitável? E se houver as correrias que ainda estão na memória de
muitos argentinos?
E
como pode um candidato administrar tudo isso? O correto seria Massa já
ter se afastado, tão logo foi nomeado candidato, do comando da economia —
e, no geral, do país, considerando-se que Alberto Fernández não governa
mais nada, exceto em propagandas oficiais, numa das quais aparece com
seu cachorro, “lindo como sempre, meu melhor amigo”.
Se é difícil dizer o que acontecerá na próxima segunda-feira, imaginem o cenário para o próximo presidente.
“Num
momento de muita incerteza e de descalabro econômico, aqueles que olham
a economia estão alarmados pela escassez de reservas do Banco Central”,
escreveu Carlos Pagni no La Nación. Ele notou que movimentos quase
desesperados, como utilizar pela segunda vez o mecanismo de swap na
moeda chinesa, não passou pelo crivo do Fundo Monetário Internacional.
“Essa
participação do yuan no comércio exterior e, eventualmente, nos
pagamentos ao Fundo, coincide com uma estratégia monetária e geopolítica
da China para enfrentar os Estados Unidos”, afirmou o analista.
Entenderam
por que o governo de um certo vizinho está correndo tanto para não ter
que “pensar toda noite no dólar” como moeda de troca? A China comanda o
assédio ao dólar. Para a Argentina, a eventual substituição viria muito
tarde.
Contar
com a árvore de dinheiro, esgotando as reservas para manter a produção e
o consumo, foi a opção do governo argentino. Pensem nisso também como
modelo econômico. Os resultados estão aí para todos verem.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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