BLOG ORLANDO TAMBOSI
Primeiro foi Gabriel Boric, agora Gustavo Petro condena nos termos mais duros o “surpreendente e desumano” desterro dos presos políticos. Vilma Gryzinski:
Discorde-se deles em tudo o que fizerem de errado, aplauda-se quando tomam atitudes éticas e dignas. O chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro
mostraram que a esquerda não é só feita de acobertamento dos
companheiros ao condenarem veementemente a atitude medieval do regime de
Daniel Ortega ao cassar a nacionalidade de mais de 300 presos políticos
ou exilados nicaraguenses.
Dá
para imaginar o furor das discussões internas até que o governo
colombiano, depois de manifestar uma pálida “preocupação” com a punição
cruel aos 222 presos políticos expulsos para os Estados Unidos e outros
94 cidadãos forçados ao exílio, lavou a honra com o seguinte comunicado:
“A
Colômbia registrou com repulsa as medidas tomadas de maneira arbitrária
pelo chefe de governo da fraterna e sofrida República da Nicarágua
contra cidadãos de seu país cujo único delito foi defender a democracia,
o direito à crítica e aos direitos humanos universais”.
Juntamente
com o Chile, o México e até a envergonhada Argentina, o país já havia
oferecido asilo e cidadania aos cidadãos nicaraguenses submetidos a
punições que “fazem lembrar os piores momentos da ditadura de Somoza”. O
governo da Espanha, que também é de esquerda, ofereceu igualmente
cidadania aos perseguidos.
“O
ditador não sabe que a pátria se leva no coração e nos atos, e não pode
ser cassada por decreto”, disse, pioneiramente, e de maneira veemente,
Gabriel Boric.
Chamar o ridículo tiranete Ortega de ditador representou, para um esquerdista radical como Boric, um tremendo avanço.
Boric
ficou sozinho por um bom tempo ao criticar Venezuela e Nicarágua. Outro
rei do ridículo, Nicolás Maduro, o atacou diretamente, chamando-o de
cachorrinho dos americanos, um xingamento grotesco.
A
companheirada não abriu a boca para defender o jovem presidente
chileno. Agora, a situação está se invertendo: somente Bolívia,
Venezuela e – para nossa vergonha – Brasil não estenderam a mão para os
nicaraguenses castigados, incluindo alguns esquerdistas históricos como
Dora Maria Téllez, a comandante Número Dois da época da revolução
sandinista, mantida isolada numa cela escura durante treze meses.
Andrés
Manuel López Obrador, um esquerdista mais popular do que o presidente
brasileiro, revelou na quarta-feira uma carta enviada anteriormente ao
degredo a Daniel Ortega manifestando “a disposição e vontade de nosso
povo de receber a senhora Téllez no México, evitando fins
propagandísticos, com o único propósito de receba a assistência médica
necessária e possa permanecer em nosso país se esta for sua vontade”.
AMLO também abriu as portas do país aos perseguidos e reiterou que “a nacionalidade não pode ser perdida por decreto”.
A
mudança nos ventos indica que Ortega ultrapassou os limites até de
líderes esquerdistas que simpatizavam com ele e ainda o consideravam um
legítimo representante do sandinismo, mesmo com uma longa lista de
abusos incontestáveis.
O
escritor Sergio Ramírez, um dos cassados, de impecáveis credenciais
esquerdistas como dirigente sandinista e vice-presidente no primeiro
governo Ortega, aceitou a oferta de cidadania colombiana.
Quando
ele ganhou da Espanha o Prêmio Cervantes, fez um discurso no qual disse
que “na Nicarágua, todos somos poetas de nascença, salvo prova em
contrário”.
A
quantidade de escritores na época heroica do sandinismo era realmente
impressionante — e incluía a agora vice-presidente Rosário Murillo,
considerada o poder por trás do trono do marido. Ela escrevia poemas e
hoje trama o impossível: achar que pode arrancar a nacionalidade de
inimigos políticos.
A
esquerda latino-americana tem que fazer uma escolha moral: ficar do
lado dos que transformaram poemas em histórias de horror ou repudiá-los.
E
tem que fazer isso logo porque o bonde está andando depressa. Só não vê
quem não quer que a dupla Ortega/Murillo está ficando cada vez mais
isolada.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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