Mutilação genital feminina, perseguição e casamento forçado: estes crimes, em particular, são praticados na maior parte dos casos conhecidos, repito, na maior parte, dentro de determinadas comunidades ou etnias. Isso é um facto ineludível. José Manuel Oliveira Antunes para o Observador:
Em
Maio deste ano duas irmãs paquistanesas residentes em Espanha foram
atraídas ao Paquistão com falsas noticias de doença da mãe e, uma vez
nesse país, foram assassinadas por alguns dos seus familiares por
recusarem prosseguir com casamentos forçados.
Há
dias noticiou-se que, em Vila Real, uma adolescente teria sido alvo de
tentativa de rapto, neste caso por a família da própria se recusar a
cumprir um casamento prometido a outra família.
Em
Maio de 2021 o Observador deu noticia da identificação pelos
profissionais de saúde de pelo menos 101 casos em Portugal de mutilação
genital feminina no ano anterior.
Desde
2015, que o Código Penal português autonomizou os crimes de mutilação
genital feminina, de perseguição e de casamento forçado.
Nos
termos do artigo 144-A, a mutilação genital feminina é punida com pena
de prisão de 2 a 10 anos e pelo artigo 154-B, o casamento forçado com
pena de prisão até 5 anos. Os actos preparatórios também são puníveis.
Se
práticas e actos deste teor forem conhecidos, seguramente serão objecto
de acção penal, até porque estamos perante crimes públicos. Aqueles que
não forem conhecidos, ou existe denúncia ou não haverá maneira de serem
penalizados e ficarão impunes.
Estes
crimes em particular, são praticados na maior parte dos casos
conhecidos, repito, na maior parte, dentro de determinadas comunidades
ou etnias. Isso é um facto ineludível. Já as ilações que desse facto se
retiram ou não retiram são muitíssimo discutíveis.
Um
das reacções é o discurso de generalização destes comportamentos
criminais a toda uma comunidade ou etnia, quando o próprio número de
casos identificados revela que apenas uma minoria dentro dessas mesmas
comunidades ou etnias aceita ou apoia tais comportamentos, quanto mais
praticá-los. Todos os elementos disponíveis pelas entidades
independentes que analisam e estudam estes casos demonstram que a
excisão feminina é uma prática profundamente minoritária nas comunidades
africanas residentes entre nós e os casamentos forçados não são
habituais nem aceites pelas jovens e pelos pais na comunidade cigana.
Casam normalmente dentro da mesma etnia, é verdade, mas com quem
escolhem.
Quanto
às pessoas de crença islâmica que vivem na Europa não só casam também
com pessoas de crença religiosa diferente ou até sem crença alguma e
casos como o que citámos no início são claramente excepcionais. Por
conseguinte essas generalizações não se afiguram aceitáveis. São
simplesmente erradas.
Existe
em contraponto uma outra reacção, melhor dito, uma “não reacção
discreta” a estes casos, curiosamente por parte da opinião dita mais
progressista e zelosa dos direitos das minorias. Quando os casos
noticiados são praticados dentro das ditas minorias o melhor é não lhes
conferir relevo, pois isso prejudica as comunidades que são alvo das
generalizações populistas que já falámos.
Ora
este tipo de atitude de avestruz revela uma confrangedora
condescendência selectiva, que não passa afinal de outro tipo de
discriminação e menorização destas comunidades, quando no fim de contas o
objectivo era (presume-se) até o contrário.
Seja
qual for o aproveitamento que se faz destas situações para os
objectivos das agendas de cada corrente de opinião, o que acaba por ser o
mais evidente de tudo, é uma tendência que atravessa todos os grupos,
mesmo com opiniões diametralmente opostas: a ideia de que podemos
usufruir de um Estado de Direito a la carte.
Melhor
dito: no que respeita a direitos sociais, direitos políticos, liberdade
de opinião, etc., cumpram-se todas as garantias legais e
constitucionais. No que refere aos deveres ou ao cumprimento da lei (que
se é cega não é por acaso) vamos cumpri-la na medida das nossas
convicções pessoais, dando a cada grupo, etnia, comunidade, género, etc.
o direito de só cumprir aquilo com que concorda. Ora desse modo é óbvio
que todo o sistema social que se tem construído desde o Séc. XX no
chamado Ocidente vai obviamente ruir, pois ele assenta essencialmente no
cumprimento da lei que é produzida por um legislador democrática e
livremente eleito. E se esse legislador não satisfizer a maioria que o
elegeu, teremos novas eleições, para do mesmo modo livre elegermos
outro.
Não
é por acaso que desde 2015 existem leis que criminalizam autonomamente a
mutilação genital feminina, a perseguição e o casamento forçado. É
porque essa é a vontade da sociedade, a vontade da maioria dos cidadãos
eleitores manifestada de múltiplas formas e a Assembleia da República,
mais não fez que a sua função: legislar de acordo com a vontade dos
eleitores. E uma vez lei, a obrigação de cumprir é geral, sem prejuízo
de em caso de discordância, todos sermos livres de recorrer ao poder
judicial, ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos. Ainda existem na lei várias situações em que é legitimo invocar
objeção de consciência. Mas mutilação genital feminina, perseguição ou
casamento forçado estão mesmo fora da lei e não há objeção, convicção ou
tradição que lhe valha. É crime, porque a sociedade assim quer que
seja.
Num
Estado de Direito, no cumprimento da lei não há escolhas a la carte,
como na ementa de um restaurante. Se alguém conhece um sistema político
melhor, faça o favor de apresentar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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