Tucker Carlson toca o terror na esquerda, fala o que poucos têm coragem e exerce um enorme poder de influência sobre a opinião conservadora. Vilma Gryzinski:
Com Donald Trump
fora das redes, patinando para retomar sua projeção e disputar com Joe
Biden em 2024, Tucker Carlson praticamente ocupou o espaço de maior guru
da direita nos Estados Unidos.
Mesmo
quem não assiste o Tucker Carlson Tonight, o programa campeão da Fox, e
passa mal só de pensar na risadinha irônica do apresentador – uma hiena
de história em quadrinhos, dizem os inimigos -, acaba indiretamente
envolvido nos temas que aborda e na forma pugilística com que enfrenta
qualquer assunto.
Tucker
Carlson é tão de direita que às vezes parece deslocado na própria Fox, o
canal criado sob o brilhante princípio de que faltava um espaço para os
conservadores na tevê americana – ideia plenamente recompensada pelo
retorno do público: no mundo pós-Trump, a Fox se reergueu e terminou o
ano à frente dos competidores, a CNN e a MSNBC.
Enquanto
outros caíam, devastados pela ausência avassaladora, em termos de
geração de notícias, de Donald Trump – o site Politico perdeu nada menos
que 48% dos acessos; o Washington Post teve uma queda de 34% de
visitantes únicos -, Tucker, como é universalmente chamado, continuou
incólume. Aliás, melhorou, do ponto de vista de seus próprios
interesses.
O
apresentador foca mais nas batalhas culturais, o assunto de nossos
tempos, de uma forma tão visceral que às vezes parece irreal – ou apenas
encenada. Apela ao arco que vai desde os americanos conservadores que
se sentem deslocados num ambiente de grandes mudanças sociais até as
franjas mais obscuras dos que se identificam com teses dos supremacistas
brancos.
Em
alguns casos, acaba acertando. Enquanto toda a imprensa convencional
invocava as fúrias divinas contra Kyle Rittenhouse, o jovem que matou
dois manifestantes em Kenosha, durante a explosão de protestos
coordenada pelo Black Lives Matter, Tucker fechou questão no campo
oposto. Ganhou o dia quando Rittenhouse foi absolvido, com o júri,
orientado por fotos e vídeos, aceitando a tese da legítima defesa.
Ganhou também a primeira entrevista com Rittenhouse – uma sequência constrangedora de perguntas chapa branca.
Tucker
Carlson é espertíssimo e tem uma equipe competente, que o escuda com
fatos incontestáveis. Por exemplo, os da autópsia de George Floyd,
mostrando a presença de drogas perigosíssimas, como o fentanil, e a
ausência de sinais de que tenha morrido por asfixia, ao contrário do que
parece com as imagens terríveis do policial Derek Chauvin (prisão
perpétua) comprimindo-o com o joelho contra o chão.
Mencionar
fatos assim virou anátema na imprensa tradicional – mesmo que uma coisa
não elimine a outra: ele estava surtando com drogas e foi morto de
forma brutal e criminosa. Tucker Carlson aproveita para jogar sozinho no
campo.
Cerca
de três milhões de pessoas assistem este jogo toda noite – o maior
público da história para um canal a cabo, embora equivalente a apenas
menos de 1% da população americana. O que conta é a repercussão. Mesmo a
negativa, como as várias campanhas para que anunciantes o boicotem –
alguns atenderam, outros continuaram – e até pedidos diretos de sua
cabeça feitos por organizações fortes, como a a ADL, a Liga
Antidifamação, que nasceu para combater o antissemitismo.
“O
estilo polarizador de Carlson deixa os espectadores desesperados para
saber qual é a próxima”, anotou o site Mediate, que o escolheu como o
nome mais influente da imprensa americana (Suzanne Scott, a CEO da Fox,
ficou em terceiro lugar).
A
revista Time o incluiu na lista dos mais influentes e conseguiu fotos
raras de Tucker Carlson na sua casa de madeira na vastidão gelada do
Maine, de onde ele comanda o programa que passa a impressão de ser feito
em Washington, com o Capitólio ao fundo.
A
casa tem lustre de chifres de veado, bandeira americana na parede e uma
oficina de marcenaria onde Tucker relaxa ( fazendo o quê? Miniaturas de
mísseis antiaéreos?), embora as duas palavras – “Tucker” e “relaxa” –
pareçam ser excludentes.
“Ame-o ou odeie-o, Tucker Carlson pode ser o conservador mais poderoso da América”, escreveu a Time.
“Se
os americanos dão a impressão de não se por de acordo a respeito de
nada – inclusive se as vacinas contra a Covid-19 funcionam e se Joe
Biden ganhou a eleição para presidente -, isso é parcialmente prova da
influência de Tucker Carlson”.
Um
marqueteiro republicano, Jeff Roe, disse à Time que “ninguém, ninguém
mesmo, pesa mais na política conservadora do que Tucker Carlson”,
frisando que o comentarista tem o poder não de influenciar, mas de ditar
quais são os assuntos relevantes.
Tucker
Carlson ganha 10 milhões de dólares por ano na Fox – ainda bem atrás
dos 25 milhões pagos ao comentarista que substituiu no primeiro lugar,
Sean Hannity. A tensão entre os dois – o programa de Carlson vem
primeiro, depois o de Hannity – faz tremer as estruturas da Fox. O
apresentador, que também tem o site Daily Caller, ganha ainda pelo
streaming que faz no canal, o que parece, ainda sem provas, ser o futuro
do instável e cambiante universo das notícias.
Na
Fox, os trumpistas de raiz são Hannity e Laura Ingraham. Tucker tem
outro foco e detona a ala mais convencional do Partido Republicano,
vestindo um figurino antiestablishment parecido com o que levou Trump à
vitória em 2016. Um dos entrevistados mais habituais de seu programa é
Glenn Greenwald, geralmente convidado para criticar os organismos de
vigilância e espionagem e a grande imprensa.
Um
pela direita, outro pela esquerda, os dois acabam se encontrando em
algum ponto – e ambos entendem muito bem o fator performático dos
programas jornalísticos de televisão baseados em personalidades fortes.
E
é difícil haver personalidade mais forte do que a de Tucker Carlson – e
inimigos tão formidáveis quanto os que ele faz. Enquanto tiver três
milhões de amigos que o ouvem todas as noites, interessados em saber
“qual é a próxima do Tucker”, e não transgredir de maneira muito absurda
as fronteiras que empurra cada vez para mais longe, está garantido.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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