Andrew não tem mais reputação a perder, mas ainda pode prejudicar a mãe na comemoração de 70 anos de reinado e desmoralizar a monarquia. Vilma Gryzinski:
Se
um republicano fervoroso quiser fazer campanha contra o regime
monarquista no Reino Unido, não precisa fazer esforço nenhum. Basta
dizer duas palavras: príncipe Andrew.
O
filho favorito da rainha Elizabeth conseguiu ligar um regime que
sobrevive contra todas as possibilidades, em pleno século XXI, ao que
provavelmente é o pior crime de todos: a pedofilia.
Ao
se relacionar com Jeffrey Epstein – ele interessado em dinheiro, o
bilionário em prestígio e influência -, Andrew se colocou na situação
onde está hoje: no centro de uma ação indenizatória movida nos Estados
Unidos por Virginia Roberts Giuffre.
O
juiz do caso, Lewis Kaplan, não aceitou a alegação dos advogados
contratados por Andrew – e pagos pela rainha – de que Virginia havia
feito, no passado, um acordo judicial com Epstein pelo qual o bilionário
que gostava de meninas e adolescentes concordou em pagar 500 mil
dólares a ela. Em troca, Virginia se comprometia a não processá-lo pelos
anos em que passou sendo sua “namorada número 1”.
Os
advogados alegavam que o acordo monetário se estendia a nomes do
círculo de convivência de Epstein. O juiz não engoliu o argumento.
De
todas as personalidades envolvidas na saga, Andrew talvez seja o menos
interessante. Excetuando-se os privilégios conferidos por seu
nascimento, ele chegou aos 61 anos vivendo da fama de ser filho de quem é
e do breve período em que, como piloto da Marinha, participou de
operações contra os argentinos na Guerra das Malvinas.
Foi
dessa fase que tirou uma alegação inacreditável: o excesso de
adrenalina despejado em seu organismo numa dessas missões o deixou
incapacitado de transpirar.
A
suposta anidrose, ou ausência de suor, tornou-se um tema relevante
depois que Virginia, hoje com 38 anos, deu detalhes sobre a primeira vez
em que foi levada por Epstein e sua cúmplice, Ghislaine Maxwell, a
fazer sexo com o príncipe, em Londres (houve mais duas, segundo ela, uma
em Nova York e outra na ilha particular do bilionário).
Virginia
diz que saíram para jantar e dançar e se lembra que o príncipe “suava
copiosamente em cima de mim” .Foi por esse detalhe que Andrew achou
relevante evocar a suposta incapacidade de transpiração. A alegação foi
feita numa entrevista à televisão em que ele se saiu tão
catastroficamente mal que perdeu seu lugar nos compromissos oficiais da
família real.
O
processo indenizatório nos Estados Unidos provavelmente vai fazer com
que perca também os postos honoríficos que ainda mantém em corporações
das forças armadas, uma tradição para os membros da realeza britânica
que agora se torna altamente incômoda para os patrocinados.
Jeffrey
Epstein, um ex-professor de matemática de segundo grau que ganhou sua
fortuna como gestor de outros milionários, embora ninguém o conhecesse
direito em Wall Street, era um “colecionador de famosos”. Usava as
mordomias que podia proporcionar – além do harém de adolescentes do qual
se cercava – e a carteira aberta para doações beneficentes como forma
de atrair uma quantidade extraordinária de nomes do primeiríssimo time.
Bill Clinton, Bill Gates, Stephen Hawking, o ex-primeiro-ministro
israelense Ehud Barak, são alguns exemplos.
A
suspeita de que ele usava câmaras secretas para filmar convidados
desfrutando os “serviços” das adolescentes a seu dispor inclui, apesar
das provas zero, a suposição de que trabalhasse para a inteligência
israelense.
Não
seria uma novidade para Ghislaine (pronuncia-se Guisleine), a mulher
que usava para circular na sociedade, em público, e em particular para
recrutar, treinar e controlar as meninas exploradas para massagens
eróticas e outros serviços sexuais.
Ghislaine,
condenada no fim do ano por tráfico sexual e ofensas correlatas, é
filha de Robert Maxwell, outro personagem que parece inventado. Nascido
na antiga Checoslováquia, ele mudou o nome original judeu, Jan Hoch,
quando fugiu do nazismo e iniciou na Inglaterra uma vida que o levou a
combater na II Guerra, fazer fortuna no ramo das editoras e dos
tablóides, ser membro do Parlamento e agente secreto a serviço de
Israel, usar o fundo de aposentadoria de seus empregados para cobrir um
rombo de 500 milhões de dólares nos negócios e declarar falência quando
tudo deu errado.
Em
novembro de 1991, caiu, jogou-se ou foi jogado de seu iate, o Lady
Ghislaine. Foi enterrado no Monte das Oliveiras, em Israel, com todas as
honras – apesar da boataria que corre até hoje de que foi uma queima de
arquivo do Mossad.
Maxwell
era um monstro que surrava impiedosamente os filhos que não
respondessem certo a suas perguntas sobre política e acontecimentos
contemporâneos na hora do jantar. A caçula Ghislaine era a exceção. Com o
status proporcionado pelo dinheiro e a influência do pai, ela estudou
em Oxford, aprendeu a pilotar helicóptero e passou a circular no topo da
sociedade. Daí os contatos com nomes coroados como Andrew, que Epstein
explorou habilmente quando Ghislaine foi morar em Nova York, já sob a
sombra da falência e da morte/suicídio do pai.
Numa
coincidência que nenhum psicólogo de boletim deixa passar, ela se
apaixonou por um homem manipulador, milionário e pervertido.
Andrew
entrou na história por um motivo mais banal: dinheiro. Quem vê a
família real acha que tem uma fortuna infinita, mas Andrew, sem um
patrimônio pessoal como o do irmão mais velho e herdeiro do trono,
Charles, não tem recursos próprios. Fora a pensãozinha da Marinha, até
hoje é sustentado pela mãe. Ganha, de recursos privados da rainha, o
equivalente a 320 mil dólares por ano, muito para os mortais comuns,
pouco para se acostumou com privilégios caríssimos.
“Morder”
milionários que se deslumbram com a linhagem e o título do duque de
York, um filho da rainha, virou um hábito, através de empréstimos em
dinheiro ou mordomias como jatinhos e mansões para férias. Além de suas
próprias necessidades, Andrew carrega o carma da ex-mulher, Sarah, uma
gastadora compulsiva com quem ele se entende bem a ponto de continuar a
morar na mesma casa, um palacete de 30 cômodos num anexo do Castelo de
Windsor.
Dizem
que foi para cobrir um empréstimo que Sarah não podia pagar que foi a
Nova York se encontrar com Jeffrey Epstein mesmo depois que o milionário
americano já havia sido exposto – e condenado – como explorador de
menores.
Dizem
também que Epstein não fez nada para impedir os fotógrafos que faziam
campana em frente a sua mansão de Nova York – a maior da cidade. E que
não ficou nada aborrecido com a foto de dezembro de 2010 em que aparece
conversando animadamente com o príncipe no Central Park. Se não armou a
foto, teve tudo a ganhar com ela. Andrew, em compensação, teve tudo a
perder.
Não
só sua capacidade de discernimento como sua posição na família real
começar a ruir a partir daí. Outra foto, em que aparece enlaçando pela
cintura uma Virginia Roberts de 17 anos, com Ghislaine Maxwell rindo ao
fundo, se tornou praticamente uma prova do crime quando ela passou a
acusá-lo de abuso.
Quando
Epstein foi preso de novo e, dramaticamente, se suicidou na cadeia, em
agosto de 2019, Andrew voltou a ser assunto do pior jeito possível.
Incentivadas pela possibilidade de ganhar indenização tirada da fortuna
que ele deixou para o irmão, jovens de vários pontos dos Estados Unidos e
até de outros países surgiram com novas denúncias contra o abusador e
Ghislaine Maxwell.
Receber
indenização também é uma forma de justiça. Os advogados de Andrew
insinuam que Virginia Roberts Giuffre está interessada apenas em “mais
um pagamento”. Mesmo se fosse verdade, ela teria esse direito. Dos 14
aos 18 anos, segundo seus relatos, foi cooptada como parceira sexual de
Epstein, de Ghislaine e de uma série de homens que frequentavam o
bilionário pervertido.
Isso
tudo deve ser exposto em detalhes se o processo contra Andrew for
adiante, coincidindo com o ano em que a rainha festejará sete décadas de
reinado, uma espécie de despedida em grande estilo – não fossem os
problemas criados pelo filho.
Andrew,
obviamente, não irá aos Estados Unidos, mas continuará a criar um foco
de notícias negativas e constrangedoras para toda a família e a própria
monarquia, um sistema arcaico que sobrevive porque a opinião pública
valoriza uma tradição de mil anos e se considera bem representada pela
família real.
A
única alternativa seria um acordo entre as partes para o pagamento de
uma indenização (Cinco milhões? Dez milhões?), sem que o caso tivesse
que ir adiante. Nos Estados Unidos, 95% desses processos terminam assim.
Mesmo que não seja verdade, equivale praticamente a uma confissão de
culpa. O príncipe continuará encrencado com qualquer alternativa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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