O que aconteceu foi, simplesmente, uma tentativa de golpe, com apoio explícito da grande mídia: o objetivo claro era derrubar o presidente Temer, lembra Luciano Trigo em sua coluna para a Gazeta do Povo:
Muito
provavelmente, as datas 17/05/2017 e 08/03/2021 não significam nada
para o leitor e seguramente estarão ausentes dos livros de História do
futuro – salvo, talvez, como modestas notas de rodapé. Foram,
entretanto, duas datas decisivas para a situação em que o país se
encontra hoje – e continuarão sendo decisivas para o destino que o país
enfrentará amanhã, seja ele qual for.
Vamos a elas:
17 de maio de 2017
Hoje
pouca gente se lembra disso, mas, em pouco mais de um ano de governo,
iniciado em 12/05/2016, após o turbulento impeachment de Dilma Rousseff,
o presidente Michel Temer estava conseguindo implementar com relativa
facilidade uma agenda de reformas importantes para o país, incluindo a
aprovação do controle de gastos públicos, da Reforma Trabalhista e da
lei da terceirização. Outra reforma, a da Previdência, estava prestes a
ser aprovada, em um formato muito mais robusto do que aquele que acabou
vingando anos depois.
Todos
os indicadores econômicos eram positivos: o desemprego diminuía, a taxa
de juros caía, a inflação estava sob controle e o índice Bovespa quase
dobrou. Após o caos do governo Dilma, a economia parecia estar começando
a entrar nos eixos, e tudo indicava que o país voltaria a viver uma
fase prolongada de estabilidade política e econômica.
Também
em outras áreas, Temer vinha fazendo boas entregas, como a reforma do
ensino médio e a criação da Base Nacional Comum Curricular. Diversos
outros programas ambiciosos foram anunciados. Problemas e defeitos não
faltavam, por óbvio: periodicamente, pequenos escândalos envolviam
ministros, que eram afastados (e, em alguns casos, presos).
Embora
Temer não fosse o presidente dos sonhos de quase ninguém (muito menos
de quem votou nele como vice, aliás), para quem torcia pelo país o seu
temperamento moderado e sua vocação para a negociação soavam como um
bálsamo, sobretudo em meio à guerra de narrativas e ao ambiente de ódio
político que vinha dividindo a sociedade brasileira pelo menos desde a
chegada do PT ao poder.
Desde
os primeiros dias do Governo Temer, contudo, uma parte da população
preferiu brincar de resistência a um golpe imaginário a virar a página
do impeachment. Era “golpista” pra cá, “usurpador” pra lá e tentativas
diárias de sabotagem e desestabilização do “mordomo de filme de terror”.
Objetivamente, a vida dos brasileiros estava melhorando, mas ninguém
estava preocupado com isso: o que importava era bater no peito, ostentar
virtude e denunciar o golpe.
(Parêntesis:
esse comportamento é revelador de um traço dos brasileiros que ajuda a
explicar nosso fracasso como sociedade – a fixação em ficar remoendo
traumas do passado, que nos impede de olhar para frente e de enfrentar
da forma adequada os desafios do futuro. Sentimos um prazer doentio em
chafurdar na lama, em olhar para trás em busca de culpados pela nossa
miséria, em vez de olhar para o futuro e mobilizar energias para sair do
atoleiro. Mas isso é tema para outro artigo, talvez.)
“Mas
que diabos aconteceu em 17 de maio de 2017?”, deve estar perguntando o
leitor, com justificada impaciência. Na minha opinião, é a data mais
subestimada da nossa História recente. Nesse dia, forças poderosas se
uniram para tentar derrubar o presidente. Falava-se tanto em golpe, mas
quando ele quase aconteceu fizeram de conta que não viram.
Não
conseguiram derrubar Temer, mas quebraram as pernas do seu governo, que
a partir dali não aprovou mais nada. Pior ainda: um clima de guerra
voltou a dominar a sociedade, e o presidente passou a se arrastar até o
final do mandato.
A
bomba veio logo cedo: os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do
frigorífico JBS, afirmaram, em um acordo de delação premiada fechado com
a Procuradoria-Geral da República (acordo fechado em termos
inacreditáveis, que garantiam liberdade e vida boa aos delatores), que
gravaram o presidente Michel Temer dando aval para “comprar o silêncio”
do deputado Eduardo Cunha, preso na operação Lava Jato.
Ao
longo do dia, parecia certo que Temer ia cair. Ninguém sequer cogitou
apurar se a informação era verdadeira, ao contrário: o noticiário da
noite tratou o episódio com o estardalhaço de quem parece determinado a
criar um fato consumado.
Na
manhã seguinte a Bolsa abriu em queda de mais de 10% (o mecanismo de
circuit breaker chegou a ser acionado); o dólar subiu 8%. Mas Temer não
renunciou, nem foi derrubado.
Nos
dias seguintes, a divulgação dos áudios demonstrou que não era bem
assim: o conteúdo não era conclusivo, e a conversa gravada parecia
claramente uma armação para comprometer o presidente, direcionando suas
respostas de forma torpe, com insinuações e meias-palavras. O máximo que
conseguiram foram comentários vagos do então presidente – vagos, mas
suficientes para a mídia, tão tolerante com governos anteriores,
decretar o fim do seu mandato na base do grito.
Lembro
que, mais tarde, alguns jornalistas chegaram a se retratar diante da
irresponsabilidade e presteza com que compraram e venderam a fake news
plantada. Mais tarde, aliás, o vazamento de outras gravações, de
conteúdo bem mais picante, revelaram o nível dos delatores que quase
foram transformados em heróis. Mas o mal já estava feito. A esperança de
o Brasil voltar a ser um país normal sofreu um duro golpe naquele dia.
O
que aconteceu em 17/05/2017 foi, simplesmente, uma tentativa de golpe,
com apoio explícito da grande mídia. O objetivo claro era derrubar o
presidente.
Se
nada disso tivesse acontecido, muito provavelmente Temer teria
concluído seu mandato com a economia estabilizada e indicadores sociais e
econômicos positivos. Dificilmente a eleição de 2018 seria marcada pela
polarização raivosa entre direita e esquerda que divide e envenena cada
vez mais a sociedade brasileira. Talvez um candidato de centro tivesse
sido eleito. Ironicamente, o golpismo apoiado por quem diz defender a
democracia foi em parte responsável pela eleição de Bolsonaro – como
também será responsável pela sua eventual reeleição, ou pela possível
volta de Lula.
E continuaremos vivendo em um país onde metade dos brasileiros odeia a outra metade. Nada de bom pode vir daí.
Por
tudo isso, o 17 de maio deveria ser tratado com mais atenção pelos
historiadores do futuro. Em breve escreverei sobre o 8 de março de 2021,
o segundo dia, na História recente, em que o Brasil descarrilou de vez.
No nosso país, o “de vez” pode acontecer várias vezes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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