MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Corno, veado ou ladrão.

 



Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais de domingo, 09 de janeiro:


No tempo em que duas das palavras deste título jamais seriam publicadas num jornal, o grande jornalista Ricardo Sérgio Mendes me apresentou à mais poderosa deputada que passou pela Assembleia paulista, Conceição da Costa Neves. “Este é o Carlinhos, do Jornal da Tarde. É ladrão, certo?” Eu fiquei paralisado, Conceição riu muito e explicou: “Dizem que para mim todo homem é corno, veado ou ladrão. Ele escolheu a palavra mais suave”.

De lá para cá a guerra fria acabou, outra guerra fria começou, a Internet apareceu, telefone fixo que era caríssimo ficou até barato e ninguém mais o quer, e a política não evoluiu nada. Lula pergunta em público cadê as mulheres de grelo duro, Bolsonaro fica mudo se não puder falar palavrões onde quer que seja, de passeata a reunião ministerial. Houve algum tempo de civilidade, interrompido vez por outra quando perguntavam por que um candidato não era casado, mas o eleitor rejeitava esse tipo de abuso. Em debate, um deputado mandou o outro calar a boca: “você é veado!” O oponente manteve a calma: “E daí? Seu filho também é”. Tréplica: “Meu filho não é veado. É gilete”.

Agora, por uma bobagem qualquer, o filho 02 de Bolsonaro afirmou que um aliado era corno. O aliado estranhou o tom de crítica: devolveu o adjetivo, deu o nome de quem, garante, tinha posto chifres no agora oponente, citou o pai do novo desafeto como portador de frondosas galhadas. E o país? O país que se afogue enquanto os chifres se chocam.

Patropi

Em outubro próximo estaremos elegendo o presidente da República. E a campanha está seguindo o ritmo dos insultos, não de caminhos. Terceira via? Quais as ideias dos candidatos que pretendem barrar o caminho de Lula e de Bolsonaro? A propósito, quais as propostas de Lula que não se refiram aos cumpanhêro Maduro, Ortega ou ao poste da família Castro? Bolsonaro, além de brigar com China, EUA, vizinhos latino-americanos e União Europeia, tem algo a propor em vez da volta do carvão mineral como fonte de energia?

Desse jeito, vamos saber quais candidatos se enquadram nas categorias de corno, veado, ladrão ou traíra, mas jamais saberemos o que é que pensam.

Maria Moita

Lembra-se da esplêndida Maria Moita, de Carlos Lyra e Vinícius? “(...) vou pedir a meu babalorixá/pra fazer uma oração pra Xangô/e por pra trabalhar gente que nunca trabalhou (...)” Não tem semelhança com alguém que passa todos os feriados na praia, de jet ski, andando de moto, rodeado de serviçais e puxa-sacos, ignorando as tempestades que ilharam boa parte do Nordeste e chamando de maldoso quem diz que ele estava de férias?

Outras palavras

“Fizemos coisas fantásticas ao longo desses dias que dificilmente outro governo estaria fazendo. O presidente não tem férias. É maldoso quem fala que estou de férias. Eu dou minhas fugidas de jet ski. Dou lá uns cavalos de pau no Beto Carreiro”. Entre aspas, foi o que Bolsonaro disse. Mas, cá entre nós, se dançar funk no iate de amigo rico, passear de jet-ski, ir ao parque de diversões, pilotar moto e viajar em avião oficial para ver artistas sertanejos jogar futebol com o filho 02 não é estar de férias, qual o nome desse período?

Fatia no bolo

Mais um expoente do Centrão, com selo de qualidade (o chefe até já está presa) fechando com a candidatura de Bolsonaro à reeleição: o PTB, de Roberto Jefferson, se oferece até para alojar parlamentares malvistos na sua atual legenda, como Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Guiga Peixoto, todos do PSL paulista. Há uns dois meses, Jefferson acusou Bolsonaro e seu filho 01, o senador Flávio, de terem se viciado em dinheiro público.

Não faz mal: os governantes sabem o tipo de argumentos que convencem o Centrão da ala mais religiosa (adeptos da Oração de São Francisco de Assis, “é dando que se recebe”, e que jamais negociam política sem ter um terço no bolso). Bolsonaro não é exceção. O chefe de outro grande partido do Centrão, Ciro Nogueira, do PP, não faz muito tempo acusava Bolsonaro de ser fascista e hoje não só o apoia como é ministro em seu Governo. E, sejamos justos, não é pela perspectiva de vitória eleitoral que estão com Bolsonaro. Ganhar não é importante para um político do grupo. Às vezes é melhor apoiar o perdedor.

A vida real

Às vezes, o vencedor fica muito seguro de si. Que o digam os generais descartados pelo Governo Bolsonaro. Ou Bebbiano. Ou Magno Malta. Ou Moro, ou Mandetta, ou Guedes, que ditava a política econômica e hoje só pode dizer “Sim, Excelência”, e “Sim, meu Senhor”. Já quem tem menos chances oferece condições mais substanciosas a quem puder ajudá-lo. Após receber as prendas, qualquer coisa assim, não se importam em tornar-se páginas viradas. Pagas as promessas, podem virar oposição ou voltar à situação, sem problemas.

Voltando ao título desta coluna, lavou, enxugou, está novo.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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