Para o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a situação na Ucrânia e a segurança europeia. José Milhazes para o Observador:
As
manifestações e distúrbios no Cazaquistão começaram com reivindicações
económicas, principalmente contra o aumento brusco do gás condensado,
mas rapidamente surgiram reivindicações políticas. Mais uma dor de
cabeça não só para os dirigentes cazaques, mas também para Moscovo,
Pequim e Ancara.
Raramente
o Cazaquistão é motivo de notícias, o que não significa que o país,
embora rico em matérias-primas e com uma população pouco numerosa,
enfrente graves problemas económicos e sociais. Estes vão-se acumulando
como um barril de pólvora que só espera que se acenda o rastilho para
explodir.
Desta
vez, o rastilho foi aceso pelo aumento brusco (100%) do gás condensado
nas regiões ocidentais do país, onde esse combustível é extraído. O gás é
utilizado não só para cozinhar e aquecer as casas, mas também para
abastecer automóveis, sendo o seu preço mais baixo do que o petróleo. O
aumento do preço tornou ainda mais difícil a vida dos habitantes de um
país com rendimentos miseráveis.
Kassym
Tokayev, actual Presidente do Cazaquistão, demorou a reagir à
indignação dos cidadãos e, quando prometeu fazer baixar o preço do gás,
os manifestantes passaram a exigir a demissão do governo e a retirada da
vida política de Nussultan Nazarvayev (Velho, vai-te embora! – gritam
os descontentes), antigo presidente cazaque que, na realidade, governava
o país no cargo de dirigente do Conselho de Segurança Nacional e
através de familiares e membros da sua clã, que ocupam importantes
cargos nas estruturas do poder.
Pelo
menos numa cidade cazaque os manifestantes derrubaram a estátua de
Nazarvayev e o actual dirigente cazaque demitiu o seu antecessor desse
importante cargo e, segundo a imprensa local, Nazarvayev deverá sair do
país “para tratar da saúde”.
Todavia,
as manifestações e distúrbios não terminaram, mas alargaram-se a
praticamente todas as regiões cazaques, agravando-se seriamente na
cidade de Alma-Ata, antiga capital do país.
Esta
situação preocupa seriamente o Presidente russo, Vladimir Putin, pois o
Cazaquistão é o maior país da Ásia Central e fulcral para a calma nessa
região que o Kremlin considera ser sua zona de influência.
Por
enquanto, Moscovo declara que se trata de um problema interno do
Cazaquistão, mas, se os dirigentes deste país não souberem travar a onda
de revolta, Putin não irá ficar de braços cruzados. A preparação
propagandística de uma possível intervenção russa já começou. “Analistas
políticos” russos afirmam que os distúrbios são provocados a partir de
fora com vista a provocar mais uma “revolução colorida” como na Geórgia
ou na Ucrânia. Por outro lado, o próprio Kassym Tokayev já veio apoiar
essa tese e apressou-se a lançar um apelo à intervenção dos países
membros da Organização do Tratado de Segurança Colectiva, considerando-a
“apropriada e oportuna para superar a ameaça terrorista”.
A
OTSC, que reúne a Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão,
Tadjiquistão e Quirguízia, é uma espécie de NATO e o citado tratado
prevê “ajuda militar” dos outros membros caso os dirigentes cazaques
peçam.
Vladimir
Putin espera que os dirigentes cazaques sejam capazes de esmagar as
manifestações de protesto tal como fez o ditador Alexandre Lukachenko na
Bielorrússia, mesmo que para isso tenham de provocar um banho de
sangue. Mas o apelo lançado por Tokayev é um sinal de que está com
dificuldades para controlar a situação e tenta dissuadir os descontentes
com uma ameaça de intervenção de tropas do OTSC.
Kassym
Tokayev tem a vida facilitada pelo facto de as manifestações e
distúrbios não terem um centro de organização. A oposição cazaque
encontra-se na mesma situação que a russa ou bielorrussa: na prisão ou
no exílio.
Além
disso, embora no Cazaquistão o Islão seja a religião dominante, estamos
a falar de um dos países mais laicos entre todos os Estados islâmicos.
Porém,
Tokayev não tem revelado grandes qualidades na gestão desta perigosa
crise. Se ele continuar a “esconder o lixo debaixo do tapete”, ou seja,
desprezar os protestos da sociedade e realizar reformas sérias para
melhorar a vida das populações, pode esmagar esta onda com um banho de
sangue, mas outras ondas se seguirão.
Pequim
e Ancara também seguem os acontecimentos com atenção. O Cazaquistão faz
fronteira com a região autónoma de Xinjiang, cuja população é
muçulmana, muito próxima dos cazaques, e alvo de fortes repressões por
parte da ditadura comunista chinesa. As manifestações no país são um mau
exemplo para os uigures.
No
que respeita à Turquia, esta é uma das zonas de influência pretendidas
pelo Presidente Erdogan, pois o Cazaquistão é um país turcomano.
Para
o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se
prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a
situação na Ucrânia e a segurança europeia. No fundo, trata-se da
abertura de uma segunda frente de confronto nas costas do dirigente
russo e resta saber que Putin tem meios e inteligência para gerir estas
duas graves situações. Moscovo terá de resolver rapidamente este
problema na Ásia Central, pois, caso contrário, poderá ver-se
enfraquecido na luta para alcançar os objectivos apontados no ultimato
apresentado aos Estados Unidos, Aliança Atlântica e União Europeia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário