Um
em cada quatro brasileiros com 16 ou mais anos de idade diz ter
recebido diagnóstico de Covid desde o início da pandemia, o que
representa cerca de 42 milhões de pessoas infectadas, segundo pesquisa
do Datafolha. O número é quase o dobro do total de casos registrados
oficialmente no país. A pesquisa foi feita por telefone nos dias 12 e 13
de janeiro, com 2.023 pessoas de 16 anos ou mais em todos os estados do
Brasil. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para
menos. Segundo o levantamento, 25% dos entrevistados disseram ter feito
teste que confirmou a infecção pelo vírus, o que significa 41,95
milhões de pessoas contaminadas desde março de 2020. Os registros
oficiais, coletados pelo consórcio de imprensa, somaram, até esta quinta
(13), 22,8 milhões de casos confirmados para a doença em todo o período
da pandemia. Os dados oficiais de casos positivos reunidos pelo
consórcio se referem a todas as idades. Já os do Datafolha só indicam as
infecções em quem tem mais de 16 anos, o que aponta para uma
subnotificação ainda maior nas estatísticas do país. Para
especialistas ouvidos pela Folha, a diferença entre os números não
surpreende, já que o país tem problemas na sistematização dos dados de
infectados. Depois de quase dois anos desde o início da pandemia, o
Brasil não tem nem sequer padronização para o envio dos dados de testes
com resultado positivo a serem contabilizados pelo governo federal,
afirmam especialistas. Somam-se a isso o alto número de testes rápidos
de Covid-19 feitos em farmácias ou unidades volantes que não entraram
nas estatísticas oficiais, problemas dos sistemas de informação entre os
municípios, estados e o Ministério da Saúde e até mesmo a falta de
estímulo das equipes para a notificação dos casos positivos. "Os casos
oficiais representam apenas a ponta visível do iceberg. A parte
submersa, os casos não captados pela estatística oficial, é muito maior.
Isso decorre de uma política fracassada de testagem", diz o
epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do estudo Epicovid-19. "O
dinheiro do povo foi usado para produzir placebo, a cloroquina, e não
para investir em testes ou máscaras, que são coisas que realmente
funcionam para frear a pandemia", completa. Os dados do Datafolha
apontam ainda que a subnotificação tem aumentado no país. Segundo a
pesquisa, 3% dos entrevistados disseram ter tido Covid nos últimos 30
dias, o que representa 4 milhões de pessoas. O número é o sêxtuplo do
que indicam os registros oficiais do período, que contabilizam 621.530
casos positivos, conforme o consórcio de imprensa. Segundo os
especialistas, o aumento da subnotificação no último mês está
relacionado ao apagão de dados que ocorre no país desde que os sistemas
do Ministério da Saúde foram derrubados por ataques de hackers, em
dezembro, e também à chegada da variante ômicron. O médico
infectologista Esper Kallás, professor da USP e colunista da Folha,
explica que, por ser altamente transmissível, a ômicron tem contaminado
tanto as pessoas que já tiveram Covid quanto as que já foram vacinadas
contra a doença, por isso, a tendência é de aumento da subnotificação.
"Os dados do governo sempre ficam muito aquém da realidade." A pesquisa
do Datafolha mostra também que o número de pessoas com sintomas que
podem ser de Covid nos últimos 30 dias é elevado —muito superior ao dos
que dizem ter contraído o vírus e recebido teste positivo. Dos
entrevistados, 30% disseram ter tido tosse e nariz entupido (o que
representa 50,3 milhões de pessoas), 22% relataram ter tido febre (36,9
milhões) e 9%, falta de ar (15,1 milhões), no período. Apesar do alto
percentual de pessoas com sintomas, só 17% dos entrevistados dizem ter
feito exame para a Covid. Para os especialistas, isso ocorre em razão da
indisponibilidade de insumos e da ausência de recomendação clara para a
testagem de casos suspeitos. O resultado é a detecção do vírus apenas
nos casos mais sérios e/ou que demandam internação. A pesquisa mostra
ainda que a maior proporção de pessoas com testes positivos para a
doença está entre os de maior renda. Entre aqueles que têm renda
superior a 10 salários mínimos, 37% disseram ter recebido teste positivo
para o vírus. Já entre os que têm renda de até 2 salários mínimos, 19%
foram detectados com Covid. Os mais jovens também relatam ter sido mais
contaminados. Na faixa etária de 16 a 24 anos, 28% disseram ter recebido
teste positivo para a Covid. Entre os que têm 25 a 34 anos, foram 29%.
Entre 35 e 44 anos, 31%. A proporção cai para 25%, entre 45 e 59 anos, e
14%, para quem tem 60 anos ou mais. O médico sanitarista Claudio
Maierovitch, da Fiocruz de Brasília, diz que a testagem no Brasil não
tem servido para controle da doença, ou seja, para isolar as pessoas,
orientar sobre a quarentena ou qualquer outra estratégia de vigilância.
"A testagem está servindo apenas para contabilidade. Aquilo que a gente
espera da vigilância em saúde ou da vigilância epidemiológica está se
resumindo à contagem de casos. Se não serve para nada, é mais um motivo
para as pessoas não se preocuparem em notificar. Se a informação não é
útil, as pessoas deixam de alimentar o banco. Isso acontece em vários
sistemas de informação", diz Maierovitch, que já presidiu a Anvisa e foi
diretor de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde.
Os especialistas explicam que uma boa política de testes, como a
adotada no Reino Unido e na Alemanha, envolve a testagem assistencial
(de pessoas com sintomas ou que tiveram contato com alguém doente),
amostral (para identificar assintomáticos) e a de vigilância genômica
(para identificar variantes). "Em cada uma das três o Brasil é um
fracasso", resume Hallal. Para Wallace Casaca, coordenador do Info
Tracker, sem os dados de infectados, o Brasil administra a pandemia às
cegas e, por isso, não consegue adotar medidas para evitar a cadeia de
transmissão do vírus. "Não há uma visão fidedigna do vírus no país e só
conseguimos entender o tamanho do problema quando explodem os dados de
internação e óbito, que é quando há muito pouco a fazer", diz. Para o
epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, a subnotificação é mais
um capítulo das coisas mal explicadas da gestão da pandemia de Covid no
Brasil. "Onde estão os números?" Uma exigência do Ministério da Saúde
também pode explicar parte da subnotificação de casos. Desde agosto de
2021, a pasta passou a pedir a inclusão do número de lote e do nome do
fabricante dos testes de antígeno para a notificação dos casos
identificados por meio deles na plataforma e-SUS Notifica. Desde então, a
quantidade de resultados positivos e negativos provenientes desses
testes sofreu uma queda abrupta. O efeito da nova regra atinge
principalmente o registro dos casos sintomáticos leves e que podem
ajudar a entender a transmissão do coronavírus. Sérgio Mena Barreto,
presidente da Abrafarma (associação das grandes redes de drogarias, onde
são ofertados os testes rápidos de antígeno), diz que as unidades nunca
deixaram de enviar as notificações, mas encontram dificuldade para o
registro por falta de padronização no país. "Somos obrigados a enviar as
notificações, mas não sabemos como essas informações são processadas,
já que cada município e estado tem regras diferentes. Em alguns locais,
devemos informar à autoridade sanitária do município ou ao estado,
outros liberam diretamente ao Ministério da Saúde. O Brasil tem uma
colcha de retalhos dessa regra e não sabemos qual o tratamento que se dá
aos dados desses testes", diz. Segundo dados da associação, somente
nesta quinta-feira (13), as farmácias do país realizaram 86 mil testes
de Covid, com uma positividade de 39,25%, o que significa a
identificação de 33.755 infecções. O número representaria 30% dos casos
contabilizados oficialmente pelos estados. No entanto, não é possível
saber se esses dados estão de fato dentro dos registros oficiais.
COMO É FEITA A NOTIFICAÇÃO DE CASOS POSITIVOS NO BRASIL?
Desde abril de 2020, laboratórios públicos e privados são obrigados a
notificar o Ministério da Saúde de todos os resultados de testes de
diagnóstico de Covid em até 24 horas; Devem ser notificados todos os
resultados de testes, sejam positivos, negativos ou inconclusivos; A
notificação compulsória vale para qualquer que seja a metodologia de
testagem utilizada, testes rápidos de antígeno, RT-PCR ou os de
anticorpos, como o IgM e IgC; A portaria do Ministério da Saúde, que
regulamenta a regra, diz que os "exames laboratoriais feitos pelos
laboratórios privados devem ser disponibilizados para os gestores locais
do SUS para atualização e conclusão da investigação. O texto não deixa
claro a quem esses resultados devem ser enviados, nem como os gestores
locais devem tratar esses dados. Desde então, cada estado e município
interpretou a regra à sua maneira, o que impediu a padronização do
encaminhamento dos testes feitos na rede privada do país Segundo a
Abrafarma, há municípios que autorizam as drogarias e laboratórios a
fazer a notificação direto à RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde),
plataforma do Ministério da Saúde criada em maio de 2020 para coletar os
dados de Covid. Outros, no entanto, exigem que a notificação seja feita
à vigilância sanitária municipal Há casos em que os municípios
disponibilizam link para a notificação digital, mas há casos em que as
notificações ocorrem de forma manual. Há ainda a falta de padronização
sobre o tipo de dado a enviar. Alguns municípios, por exemplo, só
aceitam receber informações sobre testes positivos.
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