MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 15 de janeiro de 2022

A geração do caos e a pedagogia da alienação

 



Estamos educando nossas crianças para serem adultos responsáveis ou estamos marinando indivíduos numa imaturidade e numa irresponsabilidade perenes? Pedro Henrique Alves para a Oeste:


“Não ensinamos a nossos filhos que o mundo é plano. Também não deveríamos lhes ensinar teorias sobre a natureza de homens e mulheres baseados em ideologias sem suporte algum.”
Jordan Peterson – 12 Regras para a Vida


Recentemente tive a honra de debater com três adolescentes militantes de esquerda cujos pais são ricos e superprotetores. Pessoalmente falando, amo estereótipos — coisa que meus parceiros de sociologia odeiam. Os estereótipos dizem muito, para o bem e para o mal, sobre os analisadores e analisados, sobre as ideias sociais vigentes e as ideias periféricas e inauditas. E, se quisermos começar a entender o que são esses borrões ideológicos contemporâneos, essas massas militantes que pululam em nossas universidades e mainstream, então devemos começar por tais bonecos políticos. Atualmente, poucas coisas são tão caricatas como jovens ricos que defendem o sistema socialista, o modelo político responsável pelas maiores e mais abissais misérias — de todos os tipos — na modernidade. Eu os considero uma espécie social interessantíssima de ser observada.

No Reino Unido, por exemplo, tais jovens dizem abertamente adequarem-se mais ao socialismo do que ao liberalismo (livre mercado), sem, todavia, saber ao certo o que é esse tal socialismo, muito menos quais são seus espólios históricos. Uma espécie de adesão de bando, um reflexo social gerado pela maciça propaganda ideológica das mídias e instituições oficiais, provavelmente, causou essa dislexia de adesão à ignorância. Segundo o Institute of Economic Affairs, depois de uma extensa pesquisa sociológica no Reino Unido, 70 % dos millenials dizem querer viver sob o sistema socialista, sem saber, no entanto, identificar minimamente as características de um governo socialista. Ainda segundo o estudo, os jovens confundem o socialismo com “bons sentimentos” e o capitalismo com “maus”, além de não saberem reconhecer quais são as pautas liberais e conservadoras nem quais são as socialistas ou progressistas.

Dessa maneira, fica claro que essa geração se apegou não a uma certeza racional baseada em um senso social analítico, uma experiência humana testada e ponderada, mas sim a uma religião social que lhe dá a sensação de união e uma baforada de humanitarismo. O progressismo esquerdista veste tais millenials com um moletom de propósitos altruístas, com um senso moral de fast-food que dispensa considerações e contraposições mais elaboradas, bem como com uma relativa segurança argumentativa pré-pronta e catequética.

Eles acreditam piamente nas diretrizes ideológicas com as quais estão embevecidos, alguns parecem sinceramente acreditar que seus tuítes engajados e postagens no Instagram estão salvando vidas na África; que três stories e algumas trends retuitadas podem magicamente apagar 3 hectares de incêndio na Floresta Amazônica e dar 20 cestas básicas a ribeirinhos.

Mas sejamos sensatos. Não é possível culpar inteiramente tais adolescentes e jovens por padecerem de uma falta de clareza na análise dos fatos, de marinarem em uma imaturidade psicológica, de ativamente viverem sob uma inocência política assustadora. Sabe o que os três jovens que debateram comigo tinham em comum? Pais ricos que terceirizaram quase toda a educação familiar de suas proles a conglomerados educacionais e a babás profissionais. Os erros dos filhos, em muitos casos, costumam ser os filhos dos erros dos pais.

Jordan Peterson costuma perguntar em suas palestras — e o fez de forma categórica em seu ótimo livro 12 Regras para a Vida —: “Vocês querem fazer com que seus filhos estejam seguros ou que sejam fortes?”.

Essa é a questão. Talvez a geração tão criticada pelos conservadores seja apenas um subproduto da leniência e pomposidade preguiçosa da pedagogia moderna de pais entediados. Este ensaio não é uma defesa da vara de marmelo. Falo de uma pedagogia mais profunda, de uma questão de mentalidade e de princípios que se harmonizam com atos maduros. Pais que educam crianças e jovens para serem homens e mulheres equilibrados; que plantam ordem e valores para colher pessoas honradas, capazes de criar soluções e aguentar momentos de transtornos civilizacionais, familiares e pessoais.

Estamos educando nossas crianças para serem adultos responsáveis ou estamos marinando indivíduos numa imaturidade e numa irresponsabilidade perenes? Estamos deixando que as naturais dificuldades da existência gestem neles a necessária resiliência calejadora ou estamos eternamente enrolando-os em nossas ataduras de conforto, em nossas bolhas sociais artificiais e telas hipnóticas? Eis a questão.

A primeira fase de um bebê está em reconhecer, aos poucos, o mundo que o circunda, logo depois vem a distinção de cores, sons e formas; a linguagem começa a ser elaborada por meio da repetição, aos poucos, assim como o senso de espaço, bem e mal; a classificação de pessoas, coisas e objetos; a interação baseada em regras sociais, sentimentos e necessidades; a percepção hierárquica, o reconhecimento da autoridade e, mais adiante, a capacidade de discernir e julgar — o que chamamos de individuação. Tudo isso são processos quase naturais e existem não por acaso, mas porque a evolução e a experiência humana testaram e maturaram esse caminho; não são lá muito necessários doutorados e MBAs para criar indivíduos voltados à maturidade, basta ser um pai e uma mãe sensatos.

As crianças têm o direito à fantasia, ao erro no processo de aprendizagem do mundo e de suas regras sociais, o olhar infantil unido à sua mentalidade em construção está constantemente suscetível a falhas e ilusões. Mas é natural que tal processo rareie e, em algum momento, passe a ser afastado das possibilidades adultas. A ingenuidade numa criança de 5 anos é fofa, e nos causa riso, em um adolescente de 15 anos nos deixa alerta, mas em um adulto de 40 anos isso se torna bizarro e potencialmente nocivo à sociedade.

Pessoas imaturas tomam decisões imaturas e apaixonadas, afetam terceiros e, muito provavelmente, não costuram uma família estruturada. Ainda no supracitado livro, Jordan continua: “Porém, com muito mais frequência, os pais modernos ficam simplesmente paralisados pelo medo de não serem mais apreciados ou até mesmo amados pelos seus filhos se os castigarem por algum motivo. Eles buscam, acima de tudo, a amizade dos filhos e estão dispostos a sacrificar o respeito para consegui-la. Isso não é bom. Um filho terá muitos amigos, mas apenas dois pais — se tiver —, e os pais são muito mais do que amigos. Os amigos têm uma autoridade bem limitada para correção”.

Em algum ponto da história moderna, os pais abandonaram seus postos de autoridade, deixaram de regrar atos imaturos e reprovar ações impulsivas de seus filhos. Eles se fiaram numa pedagogia de sentimentos, baseada em uma versão mastigada e ideológica de mundo, e acabaram assim gestando filhos pouco ou nada comprometidos com seus amadurecimentos psicológicos, com a verdade dos fatos. Quiseram cercar seus filhos com marshmallows e purpurinas a fim de não os machucar com suas autoridades, e acabaram criando adultos irresponsáveis e caóticos.

Na ausência das dificuldades, minoradas ou solapadas pelos pais, os jovens se viram livres para brincar de “faz de conta” em universidades, instituições estatais e posições políticas. Ao evitarem que a realidade os atingisse, tais pedagogos do caos possibilitaram o advento de uma geração que acredita poder criar a própria realidade, que ignora a ciência, os fatos, que briga com seus próprios genes. Indivíduos que renegam a biologia achando que com isso são mais inclusivos e filantropos. O novo socialista não vem do chão de fábrica; esqueçam isso, meus caros. Os sindicatos estão em desuso. O novo socialista vem das escolas com banheiros neutros e de lares com pais entediados demais para trocar as fraldas de suas crias.

Para essa geração ensinada por youtubers milionários e professores doutrinados, valores morais se tornam males familiares. Seja por rancor, ausência paterna seja por falta do que fazer, os pais — e a família dita “tradicional — se tornam o mal do mundo ante os filhos militantes; aquele senso de propósito antes falado, ajuntado pela religião ideológica e suas retóricas, faz com que esses jovens se sintam acolhidos e tenham aquela segurança de valores que seus pais não tiveram tempo de lhes dar.

Talvez devêssemos olhar com um olhar de mea-culpa para toda essa questão. Não que pais presentes e cuidadosos não tenham filhos ideologicamente afetados, e que pais ausentes necessariamente produzam adultos infantilizados e imaturos. Não há conta exata quando o assunto é educação familiar e vontade humana. Mas não podemos ignorar o problema que se alastra no horizonte, muito menos achar sensato tocar violino enquanto o navio afunda. Quanto da loucura progressista e do identitarismo tonificado a que assistimos hoje não foram gestados em lares cujos pais falharam na mais primordial e importante tarefa a eles confiada: a educação moral de seus filhos?

Roger Scruton, em Conservadorismo: um Convite à Grande Tradição, tem um recado para nós: “A deslealdade à família é uma forma de deslealdade ao self, dado que envolve a rejeição das condições a partir das quais emergem a vontade e a razão”. Não podemos cobrar dos jovens alienados a maturidade que seus pais, de alguma forma, lhes negaram ao educá-los, seja por descuido, ausência seja por superproteção. A pedagogia do joelho ralado, da queda e da cinta na bunda tinha seus porquês que iam além dos laboratórios sociológicos da USP e da adoração a Paulo Freire. Este é um dos casos em que o conforto preguiçoso de uma geração acaba parindo o caos e a afetação da geração seguinte.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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