Até quando a diplomacia suportará as atitudes irresponsáveis do capitão no plano externo? Artigo do diplomata Paulo Roberto de Almeida para o Estadão:
O
título evoca uma lenda e um livro de História. A lenda é a do Holandês
Voador, um veleiro holandês do século 18 cujo capitão enlouqueceu ao
singrar os mares sem destino, passando a atrair outros navios,
arrastando-os para uma destruição certeira no fundo do oceano. O livro é
o da historiadora americana Barbara Tuchman, A Marcha da Insensatez
(1984), que trata dos erros, falhas, ilusões e até crimes de governos
que insistem em se afastar da realidade dos fatos para perseguir suas
alucinações na condução dos negócios do Estado.
O
presidente brasileiro é o holandês voador, que leva o veleiro do Brasil
para uma destruição quase certeira, ao insistir em loucuras e erros de
administração. Em lugar de tratar dos problemas do País – inflação,
falta de crescimento, desemprego, pandemia, déficits orçamentários e
aumento da dívida pública –, insiste em perseguir suas obsessões:
armamentismo, voto impresso, devastação de reservas indígenas pela
mineração e pelo garimpo ilegal, defesa de notícias falsas para seduzir e
manter sua clientela, desprezo pela vida humana em face da pandemia e
reeleição a todo custo, para escapar de processos por crimes cometidos,
seus e da família.
O
Brasil é o veleiro desgovernado, levado ao vórtice de um afundamento
por uma administração não apenas caótica, mas totalmente desprovida de
direção, tendo no timão um desequilibrado, fixado apenas em suas
obsessões. A insensatez do capitão do navio-fantasma insiste em submeter
dois outros poderes à sua agenda destrambelhada, na qual todos devem
ceder à miragem de um crescimento imaginário, bastando explorar as
fabulosas riquezas escondidas da Amazônia, liberdade total em meio à
pandemia, sem limites às despesas do Estado, cada qual cuidando de sua
segurança por meio de suas próprias armas.
A
visão do capitão do navio é a de uma guerra de todos contra todos,
concepção hobbesiana da política, na qual ganha quem se impõe pela força
das armas, não pela via do funcionamento das instituições, pelo
respeito às leis estabelecidas, dentro dos limites do Estado. Tal visão
confrontacionista foi pela primeira vez exposta no jantar na embaixada
em Washington, em 2019, quando o capitão confessou sua visão peculiar
como gestor, como sendo a de destruir muito do que existia, antes de
pensar em construir qualquer coisa. O que existia eram: direitos dos
indígenas sobre suas reservas, limites à capacidade financeira do
Executivo, preservação dos recursos naturais ou exploração sustentável,
controle de armas, normas para tráfico e a segurança dos passageiros,
inclusive crianças, livre trabalho de uma imprensa investigativa numa
democracia sem adjetivos, enfim, o império da lei, em lugar da imposição
da vontade individual de um dirigente de plantão.
O
Brasil vem sendo levado à marcha da insensatez nos palanques eleitorais
do capitão – sustentados com dinheiro público –, assim como ao
isolamento no plano internacional por sua postura desvinculada das boas
normas do relacionamento diplomático e de compromissos internacionais já
aceitos pelo Brasil, sobretudo nas áreas ambiental e de direitos
humanos. A maior loucura foi o caos no enfrentamento da pandemia,
levando o Brasil, com apenas 2,7% da população mundial, a exibir mais de
12% das vítimas da covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos,
penalizado por uma mentalidade antivacinal. O capitão é o último
negacionista do planeta.
Até
quando as instituições continuarão sendo atacadas pelo capitão, num
desrespeito que beira o insulto e os ataques mais insidiosos? Até quando
brasileiros ingênuos serão levados à morte pelo seu comportamento
irresponsável na pandemia? Até quando continuará a comprar o apoio dos
legisladores, violando o processo orçamentário? Até quando a diplomacia
suportará as atitudes irresponsáveis do capitão no plano externo,
deixando o Brasil isolado no diálogo com todos os seus grandes
parceiros?
A
marcha da insensatez levou o veleiro do Brasil ao vórtice de um
afundamento pela inflação crescente, pela fuga de capitais e de
investimentos e pelo descontrole dos gastos públicos por motivos
eleitoreiros, fatores que nada têm que ver com a agenda da retomada
econômica. O desrespeito às instituições resulta da obsessão eleitoral
de um capitão que navega errante, ao sabor das correntes políticas. O
veleiro está perdido num oceano de incertezas, sem bússola e sem mapas
de navegação, levado pelos ventos erráticos da vontade de um capitão que
não tem a menor noção dos deveres dos governantes para com os
governados. O declínio é visível e encomendado, dada a ausência de
qualquer objetivo compatível com os interesses do País, um velejar
incessante pelos mares da loucura autoproduzida por quem tomou a direção
do veleiro nacional.
Até
quando a sociedade brasileira vai navegar ao sabor dos ventos, sem
qualquer atenção a seus problemas mais prementes? Até quando vamos
permitir esta marcha para o desastre?
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