Sem adversários, as instituições de Bruxelas acabam por mirrar sob o peso da sua complexidade. Por outro lado, sempre que encontram um alvo a força da burocracia revela-se um instrumento temível. João Diogo Barbosa para o Observador:
Nas
últimas semanas, o debate europeu oscilou entre a criação um exército
comum e a dissolução da União como decorrência fatal das decisões do
Tribunal Constitucional da Polónia. É uma amplitude notável,
especialmente quando se repara que nenhuma das possibilidades é
exatamente provável.
A
União não está para se armar nem para acabar, mas também não se
consegue perceber exatamente para o que está. Ao contrário do que
defendiam as primeiras reações, são estas discussões que alimentam “as
bases” do europeísmo, que o legitimam de forma visível. Com um acórdão, o
tribunal polaco conseguiu encher as ruas do país com manifestações de
recém-descobertos fervorosos apoiantes da União Europeia e deixou o seu
governo numa posição dificilmente coerente, a tentar ultrapassar o bloqueio dos fundos de recuperação recorrendo ao mesmo tribunal que internamente pretende esconjurar.
Sem adversários, as instituições de Bruxelas acabam por mirrar sob o
peso da sua complexidade; por outro lado, sempre que encontram um alvo, a
força da burocracia revela-se um instrumento temível.
Há
vários anos que parte (a parte atualmente mais forte) da direita polaca
tenta moldar a União Europeia a um conservadorismo que lhe é estranho. O
Lei e Justiça, o partido de governo, foi o maior dos aliados do partido
eurocético que David Cameron tentou integrar no Parlamento Europeu.
Perdidos os britânicos, os polacos foram muitas vezes o parceiro júnior
do Grupo de Visegrado, uma agremiação que funciona impecavelmente como
força de bloqueio à campanha europeia pelo Estado de Direito, mas que
nunca conseguiu grande eficácia na discussão quotidiana das grandes e
pequenas políticas comunitárias.
O
lugar da Polónia na União Europeia nunca foi estático e tem variado
entre esses dois pontos, com resultados confusos e nem sempre valiosos.
Os polacos são maioritariamente favoráveis à pertença europeia, gostam
da América e desconfiam da esquerda. A Polónia é o grande país e a
grande economia do Leste e, com o tempo, a ambição de moldar a política
comunitária parece destinada a concretizar-se, de uma forma ou de outra.
Como os últimos anos têm mostrado, não há vontade popular ou condições
políticas para sair da União, mas há um grande interesse em influenciar
por dentro.
É
por isso que a vida do governo polaco piora com uma decisão judicial
aparentemente favorável. A partir daqui, sobra menos margem para
intervir no centro, recrutar aliados e formar maiorias com capacidade de
aprovar e não só vetar. Os próximos tempos incluem discussões judiciais
e políticas sobre os fundos que a Comissão Europeia pretende reter para
disciplinar os polacos – provando que é possível dar um preço ao
incumprimento de princípios basilares, uma punição que se pode revelar
útil para uma futura conciliação –, entrando-se no tipo de litígio que
só Bruxelas sabe ganhar.
O
cemitério da política está carregado de governos, da esquerda à
direita, de Tsipras a Cameron, que se decidiram a enfrentar o consenso
europeu sem perceber inteiramente o que estavam a combater. Nadar contra
a corrente até pode ser admirável pela coragem, mas não é maneira de
chegar a outro lado.
João Diogo Barbosa, jurista (@jdiogospbarbosa no Twitter), é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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