Dalrymple: "Os herdeiros de 1968".
Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: 'Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa'. Theodore Dalrymple para a revista Oeste:
Henry
Ford, o grande industrialista, disse certa vez aos compradores de seus
carros: “Vocês podem pedir a cor que quiserem, contanto que seja preto”.
Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes
estão dizendo: “Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que
seja a nossa”. E esse comportamento está rapidamente se espalhando do
campus para o restante da sociedade.
O
Massachusetts Institute of Technology retirou recentemente o convite ao
professor Dorian Abbot, da Universidade de Chicago, para uma palestra
pública sobre os desenvolvimentos na ciência climática, assunto em que
ele é um especialista reconhecido. Houve protestos no Twitter contra o
convite, e o MIT, com a covardice que infelizmente passou a ser
previsível entre as autoridades universitárias, cedeu aos manifestantes.
A
razão para as queixas ao convite foi um artigo que o professor Abbot
publicou questionando a sabedoria das cotas raciais na seleção de
estudantes para as universidades: ou seja, ele era contra a
discriminação positiva.
Existem
argumentos razoáveis em favor da discriminação positiva. Não é
totalmente descabido imaginar que, se um inscrito foi bem nos exames
apesar de ter uma origem menos favorecida, ele pode ser tão capaz e com
certeza tão determinado quanto alguém que foi melhor nos mesmos exames,
mas tem uma origem mais privilegiada.
Mas
também existem argumentos razoáveis contra as políticas de
discriminação positiva, entre os quais está o fato de que os
beneficiários dessa discriminação nunca saberão se seu sucesso
subsequente foi resultado de seus próprios esforços sem ajuda ou se foi
um ato um tanto condescendente de caridade: e isso pode gerar um
ressentimento permanente. A discriminação positiva é inerentemente
injusta, uma vez que não pode haver discriminação positiva sem uma
versão negativa, e não é mais culpa de um homem ter nascido em
circunstâncias privilegiadas do que ter nascido em circunstâncias não
privilegiadas. Além do mais, a discriminação positiva pode reduzir ou
pelo menos inibir os esforços e levar as pessoas a não fazer o máximo
que puderem, só o suficiente.
No
entanto, quer o professor Abbot estivesse certo ou errado, não é a
questão. Existe uma tendência humana natural de não querer ouvir
argumentos que vão contra a própria opinião, e essa é uma tendência a
que se deve resistir conscientemente. Em sua autobiografia, Charles
Darwin conta que, sempre que deparava com uma opinião que contradizia a
sua própria, em algum momento, ele a anotava, porque, caso contrário,
sem dúvida iria esquecê-la. Poucos de nós são assim. Muitos de nós,
talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm. Eu sei
que, no passado, comprei livros que, fundamentalmente, não me diziam
nada que eu já não soubesse ou achasse, e me pego tendo de resistir a
essa tentação de autoconfirmação. É muito raro que alguém mude de ideia
de imediato, como em uma conversa sobre religião, mas em algum momento
as evidências ou os argumentos surtem efeito, como a umidade em um
prédio. É necessário se expor às opiniões contrárias.
Eu
mesmo fui recentemente desconvidado pelos alunos da Universidade de
Oxford, que tinham me chamado para participar de um debate. O estudante
que escreveu para me fazer o convite escreveu para me desconvidar três
semanas depois, com a desculpa boba de que “queremos que o debate siga
outro rumo” e “queremos envolver uma gama de opiniões” — entre as quais,
obviamente, não estava a minha.
Em
segredo, fiquei bastante satisfeito, ainda que tenha dito a todo mundo
que fiquei incomodado. Em primeiro lugar, na verdade, eu não queria
fazer o esforço envolvido (ainda que sinta que tenho a obrigação de
falar com a geração mais jovem se ela me chama), mas, em segundo e mais
importante, fiquei lisonjeado de agora ser considerado uma pessoa tão má
que minha presença não seria mais tolerada. Foi uma espécie de
confirmação do trabalho de uma vida.
O
feitiço, no entanto, pode por fim estar se virando contra esse fenômeno
moderno polimorficamente perverso, o politicamente correto. Na
Universidade de Sussex, na Inglaterra, as autoridades se recusaram a
dispensar uma professora de filosofia, até então uma feminista radical,
por exigência dos alunos — ou melhor, de um grupo barulhento de alunos.
Ela os incomodou ao escrever que um homem não se torna literalmente uma
mulher (ou vice-versa) ao fazer cirurgias e tomar hormônios. Até bem
pouco tempo atrás, isso teria sido considerado tão banal que não valeria
mencionar, mas agora, no clima atual de opiniões ou ideologias, é
considerado por um grupo monomaníaco como o equivalente a pedir a
eliminação física das pessoas transexuais, quando não sua execução.
O
reitor sênior da universidade se recusou a ceder à exigência dos
alunos, que parecem acreditar cada vez mais que vão para a universidade
para ensinar, e não para aprender. Mas vale lembrar que a geração atual
de professores e administradores universitários é, ela mesma, herdeira e
beneficiária da revolta dos estudantes de 1968, que tanto fez para
destruir a autoridade acadêmica tradicional. Revoluções costumam devorar
seus jovens, tanto que os revolucionários muitas vezes acabam se
tornando reacionários, pelo menos quando não ficam estagnados em uma
condição de adolescência eterna.
O
último caso — de adolescência eterna — substituiu a juventude eterna
como uma meta almejada, mas impossível. Em toda parte, vejo homens e
mulheres de 70 anos vestidos como se ainda tivessem 19 ou 20. Existem
poucas imagens mais patéticas do que astros do rock apegados ao que
consideram seus dias de glória. Seus rostos costumam parecer uma
alvenaria que desmoronou.
É
comum dizer que a adolescência e o começo da vida adulta são períodos
de idealismo na vida. Olhando em retrospecto para a minha própria — se
for considerada típica, o que, claro, ela pode não ser —, não posso
discordar. A juventude é mais um período de arrogância e egoísmo
disfarçados de idealismo do que de idealismo em si. Quando a essa
arrogância juvenil se acrescenta a arrogância do cliente que tem sempre
razão, ex officio (uma vez que os estudantes nas universidades agora são
clientes, em vez de jovens sentados aos pés dos velhos), é apenas
natural que eles exijam a demissão, a punição e, sem dúvida, um dia a
execução dos professores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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