Infelizmente, o risco de retrocedermos a um cenário de inflação descontrolada, normalmente acompanhada por juros altos, desemprego elevado e estagnação econômica, não pode ser negligenciado. Sergio Moro via Crusoé:
Há
períodos na história nos quais os fatos relevantes se acumulam,
dificultando ou facilitando, a depender da perspectiva, a tarefa dos
periodistas ou colunistas. Trato nessa coluna de dois fatos verificados
nos últimos dias, aparentemente dissociados, mas que, na realidade,
estão conectados.
Na última quarta-feira, na Câmara dos Deputados, foi derrotada a Proposta de Emenda Constitucional 5
que, se aprovada, teria o efeito prático de permitir a interferência de
políticos na atividade do Ministério Público, colocando fim na
independência da instituição. Apesar do placar apertado — faltaram só 11
votos para atingir a maioria qualificada para aprovação –, o resultado
final é positivo, representando a rejeição uma vitória para as
instituições e para a sociedade. Em princípio, a proposta não pode ser
validamente reapresentada, ainda que com texto modificado, mas sempre
pode haver surpresas em tempos de incertezas.
O
Ministério Público comete, sim, equívocos, por vezes pode extrapolar,
mas a resposta institucional não pode ser submetê-lo ao controle de
agentes políticos, alguns deles investigados pelo próprio Ministério
Público. Recordo-me que, meses atrás, dois membros do Ministério Público
promoveram uma ação de improbidade administrativa contra mim e que, com
todo o respeito, não tinha qualquer substância, tanto que foi rejeitada
liminarmente, mas nem por isso passei a defender que a lei de improbidade
fosse revogada ou que o Ministério Público fosse controlado
politicamente. É necessário pensar além dos interesses próprios ou
momentâneos.
A
rejeição da proposta é uma das poucas vitórias recentes do movimento
anticorrupção. Infelizmente, desde 2018, com aceleração a partir de
quando deixei o Ministério da Justiça, temos assistido ao progressivo
desmantelamento dos instrumentos de repressão e prevenção da corrupção
pública, frustrando a expectativa daqueles que acreditaram que os fatos
revelados pela Operação Lava Jato sensibilizariam a classe política para
implementar reformas que evitassem a continuidade ou repetição desses
mesmos fatos.
Também
na quarta tivemos a confirmação de que o governo federal pretende
romper o teto de gastos públicos, sob o argumento de que é necessário
atender aos mais necessitados com auxílios de transferência de renda.
Quanto à necessidade de aprimorar políticas sociais, incluindo o
atendimento dos mais carentes, não há disputa a respeito. É uma causa
nobre. A questão realmente relevante é se é mesmo necessário fazê-lo com
o atropelo da responsabilidade fiscal. Não se trata aqui de uma questão
meramente teórica, mas que tem consequências sérias para o presente e o
futuro. Se a política fiscal perde a credibilidade, a consequência
imediata é o aumento dos juros e a elevação da inflação, medidas que
afetam a todos indistintamente, mas que inegavelmente atingem mais
fortemente as camadas mais pobres da população, que não têm mecanismos
de proteção contra juros e inflação elevadas. O governo dá com uma mão,
que é normalmente ineficiente, e tira com a outra, essa implacavelmente
eficaz.
Lembro-me
da época da hiperinflação, na qual o país tinha a sensação de viver uma
guerra perdida. Muitos, após a sucessão de planos frustrados para domar
a inflação, resignavam-se com uma realidade que parecia imutável e até
mesmo acreditavam que era inútil combater a inflação. O importante era
aprender a conviver com ela, o que representava uma síntese da
incompetência dos governos. O tempo mostrou que a resignação era
equivocada e, com um plano econômico bem elaborado e implementado, a
inflação foi trazida a patamares civilizados.
Não
há um trade off necessário entre incremento de políticas sociais e
responsabilidade fiscal. O que se demanda é diminuir os desperdícios,
realocar despesas e focar as políticas sociais no que é prioritário,
além de torná-las eficientes. Não parece ser essa a estratégia do
momento. Infelizmente, o risco de retrocedermos a um cenário de inflação
descontrolada, normalmente acompanhada por juros altos, desemprego
elevado e estagnação econômica, não pode ser negligenciado.
Controlar
a inflação, como se fez com o Plano Real, assim como prevenir e
combater a corrupção, como se fez durante a Lava Jato, são conquistas
civilizatórias. Essas ações não pertencem a governos ou a autoridades
públicas específicas, pois só foram possíveis com amplo apoio da
sociedade civil organizada e da população. Já os responsáveis pelo
descontrole da inflação e pelo desmantelamento dos controles sobre a
corrupção são mais facilmente identificados, já que a responsabilidade
não é aqui coletiva, mas localizada em políticas públicas equivocadas
cujos autores são nomináveis.
Retomo
o título do artigo. Essa coluna não é um conto de Dickens, mas estamos
assistindo, no presente, ao retorno de fantasmas do passado, como a
inflação elevada e a impunidade da grande corrupção. Tornam-se esses os
fantasmas do presente e que passam a assombrar nosso futuro. Vamos
torcer para que seja apenas um pesadelo. Precisamos acordar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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