Suspeitos, acusados, réus, apenados e disponíveis do Congresso querem é mais corrupção. José Nêumanne para o Estadão:
A
ordem institucional vigente mantém alguns princípios sagrados, que são,
de fato, tratados de acordo com a regra generalizada celebrada pela
sabedoria popular, segundo a qual “de boas intenções os cemitérios estão
cheios”. O primeiro é que “todo o poder emana do povo”, parágrafo único
do artigo 1.º da Constituição dita “cidadã” (apud Ulysses Guimarães), a
que sempre recorre o senador Marcos Rogério para defender absurdos
autoritários do desgoverno a que serve na Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) da Covid no Senado. De fato, o Poder Legislativo,
instituído para representar o cidadão comum, tem atuado de forma solerte
para, em nome dessa representação, fortalecer as elites partidárias,
que concentram cada vez mais nos próprios bolsos recursos e pesos,
deixando de lado os contrapesos, que fingem imitar da obra
revolucionária dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, no século 18.
Nesse mister sinistro, recebe aval de Executivo e Judiciário.
Uma
das armas empregadas no cotidiano do conluio implícito entre os três
Poderes que atuam de forma harmônica, mas contra o povo, é a
transformação da Câmara dos Deputados, cerne da democracia
representativa, em estuário do neocoronelismo partidário que torna
representantes desse povo um polvo representativo de famílias, paróquias
e bandos empenhados no enriquecimento ilícito e no poder absoluto de
seus sócios. Avanços inseridos no aperfeiçoamento do sistema de escolha
de seus membros, caso da cláusula de barreira, exigida em lei de 2017,
são desprezados em nome de um “fortalecimento dos partidos”, que, na
prática, funciona como financiamento por partilha. As conquistas do
combate à gatunagem no erário, celebradas em acordos internacionais de
compliance, estão sendo progressivamente despejadas no lixão da
república dos compadritos com cínico discurso de desprezo ao moralismo
dito udenista do verdadeiro republicanismo, ou seja, submissão à coisa
pública.
O
terrorismo legiferante protagoniza momentos de cega negação do espírito
da Carta Magna na decomposição do fortalecimento constitucional do
Ministério Público como única arma da cidadania contra os desmandos dos
dilapidadores de verbas e conceitos de interesse popular. É a
desmoralização da Operação Lava Jato, em particular, e das
forças-tarefa, em geral, no uso de “provas ilícitas e imprestáveis”
(apud Marcelo Knopfelmacher em entrevista no blog do Nêumanne no portal
do Estadão) por hackers. Alguns destes, impropriamente tidos como
“jornalistas”, são foragidos da lei em suas praças de origem, exemplo de
desfaçatez. Com base nisso, o Supremo Tribunal Federal (STF) demonizou
sentenças de primeira instância, confirmadas durante cinco anos em
decisões, algumas unânimes, abandonadas em obediência a vogas, mas nunca
a normas. A tentativa, ora bem-sucedida, de sentenciar crimes dos
governos petistas, sob o comando do líder máximo, Lula, com absolvição
do réu e punição para promotores e juízes produz efeito ainda pior ao
subordinar o “quarto poder” da Constituição vigente em autorização da
impunidade de suspeitos, acusados, réus, apenados e disponíveis com
assentos na Câmara e no Senado.
Manobras
de iniciativa da direita estúpida bolsonarista, executadas pela
esquerda investigada, indiciada, autuada, processada e confirmada,
obtiveram maiorias espetaculares nas duas Casas do Congresso para, em
nome de sua atualização, tornar inócua a Lei da Improbidade
Administrativa. O projeto, debatido em audiências públicas, da lavra do
deputado Roberto de Lucena, foi reescrito pelo lulista Carlos Zarattini e
aprovado às pressas para “passar a boiada”, magnífica metáfora do
ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, expelido da pasta pela
participação em exportação ilícita de madeiras nobres, conforme denúncia
da polícia norte-americana. Depois dessa ignomínia, seguiu-se outra com
idêntico enfrentamento da vontade manifesta da Constituição, por
projeto de autoria do também petista Paulo Teixeira, que torna o
Conselho Nacional do Ministério Público mero serviçal de chefões do
Parlamento. Ao reduzir a representação dos próprios procuradores e
entregar cargos-chave aos politiqueiros dos plenários congressistas, a
emenda constitucional entrega cadeado e chaves do galinheiro às mãos
felpudas de raposas com mandato.
A
ação é oposta a propostas que compõem reforma explicitada no livro Uma
Nova Constituição para o Brasil, do jurista Modesto Carvalhosa. Tais
como: fim do foro privilegiado; estabilidade nos cargos restrita a
juízes, promotores, agentes da polícia judiciária, diplomatas e
militares; criação de regime previdenciário unitário; primazia do
direito público sobre o privado; e nulidade de leis aprovadas em causa
própria em favor de agentes públicos, políticos e servidores, entre
outras. Ou seja, tudo o que negue este golpe perpetrado no acordão geral
pela impunidade total de malfeitores da política e da gestão da coisa
pública, tratadas como propriedade privada de castas impostas pelos
malfeitores da politicagem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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