Ligar cada morte ou internação a uma variante, uma vacina e às comorbidades da pessoa é indispensável para entender o complexo jogo de xadrez que constitui hoje a interação do Sars-CoV-2 e a população de um país. Coluna do biólogo Fernando Reinach para o Estadão:
Quando uma pessoa como Tarcísio Meira morre de covid,
a explicação dada à população é de que nenhuma vacina é 100% eficaz em
prevenir mortes. Isso é óbvio. Mas isso não é suficiente, e a pergunta
que ocorre a toda pessoa minimamente informada é qual vacina ele tinha
tomado e qual foi a variante do vírus responsável por sua morte. Ligar
cada morte ou internação a uma variante, uma vacina e às comorbidades da
pessoa é indispensável para entender o complexo jogo de xadrez que
constitui hoje a interação do Sars-CoV-2 e a população de um país.
No
início da pandemia, observamos uma corrida entre o vírus original, que
ameaçava infectar rapidamente toda a população mundial, e o ser humano,
que desejava retardar seu espalhamento para evitar o colapso do sistema
hospitalar e ganhar tempo para desenvolver vacinas. Uma briga do vírus
contra o tempo.
Passado
um ano e meio, a situação é diferente. Diversos imunizantes foram
desenvolvidos. Sabemos desde o início que diferentes tecnologias
resultaram em vacinas com diferentes características. Algumas com uma
alta eficácia, outras com média e outras com baixa. Além disso, os
conhecimentos que temos sobre a maneira como cada produto nos ajuda a
combater o vírus varia de vacina para vacina. Assim, falar “das vacinas”
como algo homogêneo é uma enorme falácia.
Não
bastasse a diversidade de vacinas, o vírus já não é mais homogêneo.
Surgiram diferentes variantes – Alfa, Beta, Gama e Delta, cada uma com
diferentes propriedades. As diferenças entre as variantes incluem sua
capacidade de propagação e sua capacidade de driblar cada imunizante.
Assim, quando o vírus encontra um ser humano vacinado temos uma batalha –
cujo desfecho depende das condições de saúde da pessoa, dos cuidados
recebidos, da variante presente, e da vacina usada. O que antes era uma
briga do vírus contra o tempo agora se transformou em uma briga entre as
variantes do vírus e as vacinas; e ela transcorre de maneira diferente
em cada país.
Essas
diferenças decorrem de três fatores: a velocidade com que um país
consegue vacinar sua população, as vacinas que cada país está usando na
imunização e a variante do vírus que está presente em cada país. Em cada
país, a guerra mais parece um jogo de xadrez em diferentes estágios.
Os
países desenvolvidos já entenderam esse jogo e estão coletando dados
para ganhá-lo. Eles monitoram as variantes e a quantidade de vírus em
circulação. Monitoram como as pessoas vacinadas com cada uma das vacinas
responde a cada variante do vírus. E com base nessas informações
aumentam o ritmo da vacinação, diminuem o espaço entre doses e, mais recentemente, têm decidido vacinar os mais jovens e ministrar uma terceira dose para os mais velhos. São decisões que dependem da posição das peças do xadrez naquele instante, naquele país. E será assim nos próximos meses.
É
por isso que é inaceitável que no Brasil não sejam divulgados os dados
sobre a taxa de reinfecção, internação e morte entre os já vacinados com
cada uma das quatro vacinas que estamos usando e entre os que já
contraíram o vírus no passado. Esses dados são, por lei, comunicados à
Anvisa e desaparecem lá dentro. A imprensa se acovarda e não exige
acesso. A razão é que, caso os dados mostrarem que uma vacina é inferior
a outra, a população pode preferir um imunizante ou outro. E como as
vacinas, por incrível que pareça, estão associadas a diferentes grupos
políticos, isso dará munição para a disputa eleitoral. Todos sabemos que
vacina tomamos, mas se soubermos os riscos que corremos após a
vacinação, podemos nos precaver de maneira diferente.
Além
disso, provavelmente vamos exigir do governo as medidas necessárias
para corrigir o rumo. É gozado que pessoas que se recusam a usar a
expressão imunidade de rebanho – alegando que pessoas não são gado –,
tratem a população como um rebanho a ser vacinado, que deve se comportar
de forma passiva e continuar desinformado. Afinal, alguma vaca é
informada das vantagens e desvantagens da vacina que recebe no brete?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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