BLOG ORLANDO TAMBOSI
Como
paulistano da Vila Madalena — geralmente assintomático —, sempre achei
que um dos traços distintivos dos meus queridos amigos cariocas era
lamentar o fechamento de bares horríveis, coisa que em geral acontece
uns 20 anos depois de a vigilância sanitária não ter tomado as
providências cabíveis. O lugar X é uma pocilga (literalmente, no caso
dos banheiros), comida e bebida são ruins e caras, os garçons te atendem
mal (isso na hipótese de perceberem a sua presença), o próprio lugar
está meio às moscas há anos graças a todas essas qualidades e, de bônus,
ainda tem um frequentador no papel de voyeur dos clientes que vão ao
mictório — mas basta anunciarem o fechamento para os cariocas virem com
“oooh, meu Deus, que tristeza, é o FIM DE UMA ERA”.
De
fato, às vezes interdição da vigilância sanitária é pouco: havia um
lugar no Leblon que servia aos clientes a coisa mais hedionda e
incomível já chamada de “pizza” em todos os tempos. Se os italianos não
fossem um povo muito tolerante, teriam rompido relações ou, no mínimo,
chamado seu embaixador no Brasil “para consultas”. Quando anunciaram o
fechamento, vieram com o mesmo papo de “fim de uma era”, acrescentando
que se tratava de um “reduto da boemia carioca nos anos 80” — o que só
comprova que essa tal boemia carioca dos anos 80 estava entupida demais
de pó para ter alguma noção de qualquer coisa.
O
fato é que paguei a minha má língua paulistana: bastou anunciarem o
suposto fechamento da Mercearia São Pedro, na supracitada Vila Madalena,
para que minhas timelines nas redes virassem um muro das lamentações de
posts sentimentais e poesia ruim sobre o lugar. Escrevi “suposto”
porque há controvérsias: um dos sócios disse que vai fechar, mas o irmão
dele, também sócio, negou. Diga-se, aliás, que nunca achei a Mercearia
ruim: só superestimada, graças à turma de escritores (invariavelmente
autocongratulatórios, geralmente medíocres) que transformou o lugar em
point e permitiu aos seus donos vender por 15 reais cerveja meia-boca
que você encontra em qualquer mercado por 6.
(A
história não confirmada é que o bar e outros cinco sobrados vizinhos
seriam demolidos para a construção de um prédio de luxo no bairro, o que
me parece bastante lamentável: mas juro a vocês que, de tanto ler
comentários na linha “é a força da grana que ergue e destrói coisas
belas”, fiquei com ganas de pegar eu mesmo uma picareta, derrubar tudo —
com os clientes dentro — e jogar sal nas ruínas, torcendo para que
construam no lugar o arranha-céu de estilo dubaiano mais cafona e
ostentatório possível. Felizmente, passa rápido. Fecha parêntese.)
Sou
obrigado a reconhecer, contudo, que nossa relação afetiva com os bares
ruins é mais ou menos igual à relação afetiva com o país: é uma
porcaria, mas é a NOSSA porcaria — o cenário de muitos acontecimentos
importantes nas nossas vidas lamentáveis. Antonio Candido escreveu que a
literatura brasileira era “um galho de segunda ordem no jardim das
musas”, mas acrescentou: “é ela, não outra, que nos exprime”. O que nos
exprime, e muitas vezes nos espreme, não é o Harry’s Bar lá de Veneza: é
a cerveja superfaturada no bar lotado da Vila Madalena, é a chanchada
(com ou sem pornô), é aquele “quando a gente não pode fazer nada, a
gente avacalha” do Bandido da Luz Vermelha no filme.
O
Brasil é um pesadelo do qual estamos tentando acordar: nessas
condições, qualquer bar é uma boia atirada ao náufrago. Só peço
gentilmente que não escrevam na minha boia “você praça acho graça, você
prédio acho tédio”: se eu me afogar, vocês hão de carregar essa culpa
para o resto das suas vidas.
A GOIABICE DA SEMANA
Pensei
em dar o troféu desta semana para os especialistas em Afeganistão que
brotaram de repente nas redes sociais, principalmente aqueles que estão
acreditando na conversa do “Talibã moderado”, Talibã paz e amor, Talibã
com Carta ao Povo Afegão, Talibã fiscalmente responsável com câmbio
flutuante e metas de inflação. Mas não teve jeito: o campeão foi, de
novo, o glorioso Exército brasileiro e suas manobras ao som do tema de
“Missão Impossível” para derrubar a casinha do Snoopy. Eu achava que
seria difícil superar o ridículo daquele desfile de latas velhas, mas fico feliz em constatar que as Forças Armadas se empenham em bater os próprios recordes do modo mais criativo.
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