Se não tivesse capitulado na hora errada, Stédile ganharia um habeas corpus perpétuo do Supremo. Augusto Nunes para a edição da Oeste desta semana:
Por
tratar como caso de polícia o que era uma questão social, o presidente
Washington Luís antecipou a chegada à senilidade precoce da República
Velha, enterrada sem honras pela Revolução de 1930. Por tratarem como
questão social o que sempre foi um caso de polícia, os presidentes Lula e
Dilma Rousseff retardaram a chegada à maioridade da democracia
brasileira. Os líderes do incipiente movimento operário do século
passado, que apresentavam reivindicações elementares, não mereciam
cadeia. Mereciam de Washington Luís mais atenção. Os chefes de velharias
ideológicas que se arrastam pelo século 21 berram exigências tão
descabidas quanto a restauração da monarquia. Não mereciam a vida mansa
que o PT lhes proporcionou. Mereciam cadeia.
É
o caso de João Pedro Stédile e seu minguante Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Se tivessem genuíno interesse pela vida
de agricultor e alguma intimidade com as coisas do campo, os militantes
do MST estariam lavrando a terra há muito tempo. Sempre preferiram
carregar as lonas pretas das barracas pelos caminhos da destruição, que
não pouparam residências, plantações e laboratórios. Stédile não sabe a
diferença entre um cafezal e uma plantação de cacau. Se tentasse
manusear um machado, entraria para a História como o primeiro
revolucionário a decepar a própria cabeça. Se resolvesse acompanhar o
general com uma enxada, qualquer subordinado se arriscaria a amputar o
pé. Todos só viram foices e martelos ao desfraldarem bandeiras da
defunta União Soviética.
Quando
o impeachment de Dilma Rousseff começou a desenhar-se, Lula resolveu
falar grosso: “Se for preciso, eu chamo o exército do Stédile”, ameaçou.
Sorte dele não ter chamado. Soldados e oficiais, que esbanjaram ousadia
em ataques a fazendas indefesas, na depredação de casas e máquinas e na
destruição de laboratórios rurais, desertaram pouco depois da queda do
governo do PT. Com o sumiço dos privilégios federais, que incluíam
mesadas, verbas e cestas básicas (além da garantia de impunidade), os
combatentes deram o fora antes que a lei começasse a ser cumprida.
Na
Quarta-Feira de Cinzas de 2016, Stédile ainda fingia não saber disso.
Caprichando na pose de general de cordão carnavalesco, anunciou a
iminente mobilização de tropas que permanecem aquarteladas na garganta
do rufião da reforma agrária. Como nunca perdeu nenhuma chance de
escolher o lado errado da guerra, resolvera protagonizar tiroteios
imaginários na Venezuela, “em defesa do regime popular e democrático do
presidente Nicolás Maduro”. Até hoje o homem que é visitado por Hugo
Chávez em forma de passarinho espera a chegada da imensa infantaria
inexistente. Maduro não foi o único vizinho tapeado por Stédile. Em
2008, por exemplo, ele avisou que o colosso invisível entraria em ação
assim que começasse a guerra contra os imperialistas que falam
português. Se o Itamaraty não topasse rever o Tratado de Itaipu, e
curvar-se sem chiadeira a todas as exigências e reivindicações do sócio
que fala espanhol, pelotões compostos de soldados sem-terra se juntariam
às Forças Armadas do país vizinho e reforçariam a vanguarda da invasão
do Brasil. Berrada a bravata, esqueceu a promessa e foi discursar em
palanques bolivarianos.
Quando
a Lava Jato avançou na devassa da folha de serviços criminosos
acumulados por Lula, o fundador da versão brasileira do exército de
Brancaleone reincidiu na bazófia: promoveria uma ofensiva tremenda
contra quem ousasse tratar como bandido um fora da lei. O ex-presidente
foi duas vezes condenado em duas instâncias e finalmente engaiolado sem
que aparecesse um único estafeta de Stédile, que preferiu despejar
bazófias em outras freguesias — e cuidar dos preparativos para mais uma
capitulação vergonhosa na Venezuela de Maduro. O problema é que o
exército da lona preta inspira tanto medo quanto os movimentos sociais
que José Dirceu jurou que mobilizaria em 1968 (para derrubar o governo
militar), em 1973 (para reeditar a revolução cubana no oeste do Paraná),
em 2005 (para livrar-se da cassação do mandato decretada pela Câmara
dos Deputados), em 2012 (para mostrar ao Supremo Tribunal Federal que um
guerreiro do povo brasileiro não pode ser confundido com chefe de
quadrilha), em 2016 (para salvar Dilma Rousseff do impeachment) e há
poucos meses, para ensinar a diferença que existe entre “ganhar a
eleição” e “tomar o poder”.
Uma
tropa liderada por Dirceu não hesitaria em render-se incondicionalmente
caso um recruta do tiro de guerra de Taquaritinga disparasse um único e
escasso tiro de festim. Os comandantes Dirceu e Stédile só matam de
vergonha seus comandados e fazem morrer de rir seus inimigos. Mas o
herói dos campos culpa o presidente Jair Bolsonaro pelo sumiço da
soldadesca. “Ainda existem 4 milhões de famílias do campo que gostariam
de ter terra, mas não são loucas de virar bucha de canhão para a
polícia, para esse Capitão insano que está por aí“, choramingou em
agosto passado. Em 2019, as invasões foram cinco. Em 2020 houve uma.
Neste ano, nenhuma.
Em
2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula, chegou a 298 a soma dos
atentados ao direito de propriedade. Em 2014, a sucessora Dilma Rousseff
foi saudada por 200 invasões. As cifras começaram a baixar no governo
Temer, quando os mandados de reintegração de posse deixaram de dormir
nas gavetas dos tribunais ou nas mesas dos governadores amáveis.
Bolsonaro nem precisou agir com rigor: bastou o corte dos privilégios
para avisar que a festa acabara. Stédile imediatamente entendeu que a
melhor opção era a rendição sem luta.
Capitulou
na hora errada, informa o crescente acervo de arbitrariedades,
insolências e ilegalidades colecionadas pelos 11 superjuízes. Se
conhecesse direito o Timão da Toga, Stédile hoje estaria atropelando sem
perigo de cadeia o direito de propriedade, a democracia e a paciência
dos brasileiros decentes. O Supremo Tribunal Federal sempre se fez de
estrábico quando confrontado com esses pontapés nos códigos legais. Mas
nos últimos tempos passou da leniência à cumplicidade ativa. Os
ministros só enxergam atos contra a democracia e ameaças às instituições
se captados pela vista direita. Desde que não critique nenhum ministro,
não seja tolerante com o tratamento precoce da covid-19 nem concorde
com uma única vírgula dita por Jair Bolsonaro em sua live, o mais
medonho terrorista de esquerda será premiado com um habeas corpus
perpétuo pela Corte, que, aliás, acaba de ganhar um decano à altura dos
atuais componentes: Gilmar Mendes. Os demais ministros merecem Gilmar.
Gilmar merece os demais ministros. Sobretudo Alexandre de Moraes, que em
nome do Estado de Direito tortura e assassina os direitos assegurados
pelo regime democrático.
Coragem,
Stédile. O vento sopra a favor dos arrogantes — por enquanto. Todo
semideus de picadeiro que trata o povo brasileiro como se fosse um bando
de idiotas acaba na cova rasa reservada às perfeitas bestas quadradas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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