O favorito para 2022 seria um candidato ainda sem nome, sem rosto, homem, honesto, com espírito de liderança e experiência política. Rafael Moura para a revista Veja:
Aos
olhos de hoje, a próxima sucessão presidencial tende a repetir a
disputa entre Jair Bolsonaro e PT, que deve lançar Lula em 2022.
Diferentes institutos mostram o presidente e seu antecessor com ampla
vantagem sobre os adversários nas pesquisas estimuladas — aquelas em que
os entrevistados são apresentados a uma lista de possíveis candidatos e
instados a escolher um deles. Em levantamento realizado pelo Ipespe a
pedido da XP, Lula lidera com 40% das intenções de voto, e Bolsonaro
aparece em segundo, com 24%. Os demais postulantes registram no máximo
10%. Apesar desses números, o quadro eleitoral ainda pode mudar de forma
considerável, já que as mesmas pesquisas revelam que há espaço de sobra
para a construção de uma candidatura capaz de romper a polarização.
Dois dados são elucidativos nesse sentido. Na pesquisa espontânea,
aquela em que não é apresentada a relação de presidenciáveis, a
liderança é dos indecisos. Hoje, há mais entrevistados sem candidato do
que declarando voto em Lula ou Bolsonaro. Além disso, um quarto da
população não está disposto a votar em nenhum dos dois favoritos. Ou
seja: há uma massa à espera de uma alternativa.
Se
em tese a terceira via pode ser competitiva, na prática ela esbarra em
toda a sorte de problemas. Até agora, foram lançados mais de dez balões
de ensaio ao Palácio do Planalto, num sinal inequívoco de que o grupo
não tem um candidato natural e que seus integrantes, por enquanto, não
empolgaram o eleitor e não estão dispostos a abrir mão de seus
respectivos projetos em nome da costura de uma grande aliança. Só no
PSDB são quatro os presidenciáveis, e todos engatinham nas pesquisas.
Parceiro histórico dos tucanos, o DEM também está testando nomes.
Recentemente, o PSD passou a flertar com a ideia de filiar ao partido e
lançar ao Planalto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (leia
entrevista de Páginas Amarelas com Gilberto Kassab na pág. 9). Já MDB e
PSL cogitam as candidaturas da senadora Simone Tebet e do apresentador
José Luiz Datena. Há ainda a possibilidade de o ex-juiz Sergio Moro
entrar no páreo pelo Podemos. Como ninguém se destaca nesse pelotão, a
conclusão é clara: o eleitor que não quer nem Lula nem Bolsonaro anseia
por um nome da terceira via, mas até agora não gostou de quase nada do
que viu. Encontrar um rosto competitivo para a disputa é o desafio dos
centristas.
“O
candidato de centro se sai muito bem enquanto permanece uma silhueta
vazia ou uma folha em branco”, provoca o cientista político Paulo
Kramer, que participou em 2018 da elaboração do plano de governo de
Bolsonaro. “A terceira via, por enquanto, é um fantasma, mas precisamos
dar carne e rosto para ele até dezembro. É a candidatura que mais ameaça
o poder dos dois”, rebate o cientista político Luiz Felipe d’Avila,
fundador do Centro de Liderança Pública e entusiasta da construção de um
nome capaz de rivalizar com os favoritos. Considerando o quadro atual,
políticos e especialistas apostam que uma vaga no segundo turno já está
assegurada a Lula. A missão da terceira via seria tomar o lugar de
Bolsonaro, que enfrenta um processo de desgaste de imagem em razão da
pandemia de Covid-19 e da crise econômica. Seu governo hoje é reprovado
por metade da população. De fato, a possibilidade de uma alternativa
competitiva preocupa os dois líderes das pesquisas. Lula e Bolsonaro
deram declarações recentes desdenhando dos centristas, numa rara
sintonia entre eles provocada pelo fato de ambos também serem líderes em
rejeição. Tudo o que eles não querem em 2022 é um confronto direto com
alguém que tenha mais aceitação e alta capacidade de diálogo com
diferentes fatias do eleitorado.
“Na
espontânea, os indecisos estão num nível muito alto. A grande maioria
ainda não tomou uma decisão firme de escolha do candidato. Pode haver
grandes mudanças no quadro a depender da articulação da terceira via e
dos resultados econômicos”, afirma o cientista político Felipe Nunes,
diretor da consultoria Quaest. Em sua última pesquisa, o instituto
perguntou quem o entrevistado preferia que vencesse a eleição. De 1 500
pessoas consultadas, 42% responderam Lula, 28% declararam “nem Bolsonaro
nem Lula” e 26% afirmaram Bolsonaro. Houve uma espécie de empate
técnico na segunda posição, o que reforça a esperança da terceira via de
conquistar uma vaga no segundo turno.
Essa
possibilidade, existente no campo teórico, pode se tornar inviável caso
os integrantes desse grupo político não cheguem a um acordo. Hoje, a
tendência é a pulverização de candidaturas. “O grande desafio da
terceira via é vencer a descrença de que não tem chance de ganhar a
eleição. Se tiver um nome que a população fala ‘hum, esse tem chances’,
ele voa”, diz a presidente nacional do Podemos, deputada Renata Abreu
(SP). A parlamentar reconhece que a vaidade dos próprios atores
políticos, a maioria estacionada em intenções de votos que não chegam à
casa dos dois dígitos, atrapalha as conversas em curso. “Todo candidato
hoje se vê do mesmo tamanho. Por que vou abrir mão da minha candidatura
em favor de outro nome que tenha o mesmo tamanho que eu? Não
necessariamente quem tem vantagem eleitoral neste momento é o candidato
com o maior potencial”, frisa Renata.
A
eventual costura de um consenso entre os partidos sobre a candidatura
da terceira via não encerra os problemas. Longe disso. Faltará o
principal: conquistar o eleitor. O grupo que não quer “nem Lula nem
Bolsonaro” não é homogêneo. Há de tudo um pouco nesse balaio, inclusive
arrependidos de lado a lado. “É difícil encontrar um caminho para a
terceira via hoje, já que ninguém consegue emergir de uma maneira clara
neste momento até por conta da profusão de nomes cogitados. A gente
precisa de tempo ainda para ver como vão se desenrolar a economia, a
pandemia e a aprovação presidencial”, avalia Victor Scalet, analista
político e estrategista da XP Investimentos.
Pesquisa
encomendada pelo DEM detalhou o perfil do candidato ideal ao cargo de
presidente da República: homem, entre 40 e 60 anos, honesto, com
espírito de liderança, experiência política e um olhar para os mais
pobres. Eleitores de direita preferem um cristão, conservador, enquanto
os de esquerda acham importante um cidadão simples, humilde, “do povo”.
Já os de centro querem alguém equilibrado, sensato, centrado e
unificador. “A pesquisa aponta muitos caminhos e conclui que no momento
nem Lula nem Bolsonaro são exatamente os nomes desse perfil desejado.
Existe uma parcela muito grande do eleitorado que não se definiu e
deseja um nome que não seja nenhum dos dois que hoje são os mais
lembrados”, afirma o presidente do DEM, ACM Neto. Segundo a sondagem do
partido, realizada em maio, a via do meio é “estreita” atualmente, mas
os dados “indicam um desejo majoritário por uma via alternativa”, capaz
de pacificar o país, estimular a retomada econômica e recuperar a
credibilidade internacional do Brasil. “É cedo para você dizer que não
vai surgir ninguém, que o jogo tá jogado. O país não precisa ser refém
da polarização”, acrescenta ACM Neto.
No
extenso rol de dificuldades da terceira via, destaca-se também o papel
secundário dos políticos do grupo nas redes sociais. O governador de São
Paulo, João Doria, conseguiu certo protagonismo ao antagonizar com
Bolsonaro no caso das vacinas. Naquela ocasião, a popularidade digital
de Doria deu um salto, mas logo recuou para um patamar mais baixo. O
mesmo ocorreu com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite,
outro presidenciável do PSDB. Um relatório da AP Exata, empresa
especializada na análise de dados de redes sociais, mostra que Leite
bombou na internet no dia seguinte à entrevista em que assumiu a sua
homossexualidade, chegando a alcançar 26,8% das menções feitas a
presidenciáveis nas redes sociais, superando inclusive Lula (14,3%). A
maioria delas foi positiva. Depois, no entanto, o governador retornou ao
nível rotineiro de menções, atingindo um índice de apenas 0,3%.
No
estratégico campo das redes sociais, Bolsonaro e Lula também
sobressaem. Os demais estão muito atrás e não têm nem mesmo um discurso
claro — e de apelo — para vender à audiência. “O político que quiser se
consagrar vai ter de investir nas redes”, afirma o CEO da AP Exata,
Sergio Denicoli. Para políticos da direita à esquerda, a economia será
decisiva para as chances de um candidato alternativo e para o resultado
da eleição. Em seu pior momento desde que assumiu o mandato, Bolsonaro
sabe disso e determinou à sua equipe que abra os cofres públicos e faça o
que for possível para acelerar a recuperação econômica. “A economia
pode não salvar o Bolsonaro a ponto de ele ganhar a eleição, mas pode
salvá-lo no sentido de impedir o surgimento de uma terceira via
competitiva”, declara o cientista político Sérgio Praça, da Fundação
Getulio Vargas (FGV).
Em busca da terceira via. |
Nem
todo mundo, no entanto, é bem-vindo na busca por uma alternativa. Na
quarta-feira 25, a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI)
finalizou o projeto de lei do novo Código Eleitoral e incluiu de última
hora, num texto de 371 páginas, um dispositivo que determina quarentena
de cinco anos para juízes, promotores e militares que pretendam se
afastar das funções e disputar o voto popular nas urnas. Se aprovada, a
regra tem um alvo certo: ela proibirá a candidatura de Sergio Moro, que
condenou Lula à cadeia e deixou o governo Bolsonaro acusando o antigo
chefe de interferir indevidamente na Polícia Federal. Como o ex-juiz
pediu a exoneração do cargo em novembro de 2018 para assumir o posto de
ministro da Justiça de Bolsonaro, ele só poderia concorrer em 2023. “Foi
um pedido de vários partidos, é um apoio suprapartidário à proposta”,
diz Margarete, cuja iniciativa contou com o apoio de legendas de
diferentes matizes ideológicos.
A
deputada é do Progressistas, o mesmo partido do ministro da Casa Civil,
Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara, Arthur Lira. Os três são
próceres do Centrão, que aderiu ao governo e promete apoiar Bolsonaro em
2022. Até essa situação, no entanto, pode mudar. O cientista político
Antonio Lavareda argumenta que Bolsonaro pode enfrentar mais
dificuldades eleitorais caso insista na estratégia de esticar a corda,
como fez no caso do voto impresso e das ameaças a ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF). Uma das consequências poderia ser o
aprofundamento da perda de apoio entre setores do PIB que o ajudaram em
2018. “Do lado do mercado e das elites, só aprofunda o distanciamento de
Bolsonaro, agora não só um personagem complicado, como também um mais
que provável perdedor. Essas forças buscarão e estimularão outra
solução”, diz Lavareda. Já Paulo Kramer afirma que o presidente tende a
se recuperar com o arrefecimento da pandemia, a recuperação econômica e o
fortalecimento da articulação política do governo. “O que pode salvar
Bolsonaro é a economia e a capacidade dele de mostrar que, sem ele, o PT
volta ao poder”, declara Kramer. Com chances, pois ainda falta uma
eternidade até a eleição, uma terceira via terá de convencer o eleitor
de que o Brasil não precisa necessariamente nem de um nem de outro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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