Num belo dia, entre “Curb Your Enthusiasm” e “Tieta”, resolvi assistir à clássica novela de 1989. E não me arrependo. Paulo Polzonoff via Gazeta do Povo:
Há
várias coisas estranhas no fato de eu estar assistindo a “Tieta” – sim,
a novela “clássica” de 1989, dirigida por Paulo Ubiratan e com Betty
Faria no papel-título. A primeira é o simples fato de eu estar
assistindo à trama. A segunda é estar encontrando qualidades improváveis
nela. E a terceira é eu ter a cara deslavada de confessar isso em
público.
Comecei
a assistir a “Tieta” por acaso – como sempre. Num fim de semana
especialmente nostálgico, indeciso entre rever “Curb Your Enthusiasm” e
explorar o catálogo exótico da Globoplay, eu, como um capitalista
malvadão de novela das 9h, optei pela exploração. Foi assim que passei
um dia inteiro fingindo que a TV de LED era de tubo e revi o primeiro
capítulo de “Roque Santeiro”, “Terra Nostra” e “Vamp”.
A
viagem sempre muito doída e doida ao passado era para ter ficado nisso.
Mas, enquanto o casal chato conversava sobre o que tinha acabado de
assistir (“‘Vamp’ é ruim, ‘Roque Santeiro’ é arrastada e ‘Terra Nostra’ é
a primeira novela da fase decadente da teledramaturgia”), a Catota
pisou no controle-remoto e o diálogo foi interrompido pelos famosos
acordes do protoaxé de Luiz Caldas.
“Vamos
ver só cinco minutinhos?”, sugeri à mulher. Que concordou na hora.
Minha mulher está naquela fase em que concorda em fazer qualquer coisa
que desvie minha atenção de coisas como o STF.
À medida que a história avançava em seu ritmo lento demais para os
padrões atuais, comecei a perceber em “Tieta” qualidades estéticas que
obviamente tinham passado despercebidas ao menino de 11 anos que
assistiu à novela em 1989.
A
própria indústria noveleira daquela época é digna de admiração.
Admiração com espanto. Imagine o que era produzir um capítulo (ou
episódio, como preferem os jovens) de 45 minutos por dia, ao longo de
meses, e sem a ajuda da edição não-linear e de todas as facilidades da
Era da Informação. Claro que essa velocidade prejudica um bocado a
qualidade final. Mas, levando em conta a dificuldade, “Tieta” não faz
feio em comparação com algumas celebradas séries contemporâneas como,
sei lá, “Law & Order”.
Em
meio ao caos que eram as gravações do folhetim, Paulo Ubiratan ainda
conseguia inventar tomadas não óbvias e criar (no 3º capítulo) até um
impressionante plano-sequência de uns 5 minutos. Um plano-sequência que
me pareceu meio despropositado, mas o que vale é a intenção. E o que
falar dos atores? Até mesmo os atores nos papéis secundários se destacam
e conseguem dar cor a personagens que hoje em dia seriam tidos como
coadjuvantes esquecíveis.
A
novela ganha em qualidade quando comparada também à epidemia de
preguiça criativa que assola nossos artistas obcecados por política. Uma
das diversões de rever “Tieta” é ficar imaginando como seriam
retratados alguns personagens hoje em dia. A dupla Cinira e Amorzinho,
por exemplo, seria um casal lésbico. O mendigo Bafo de Bode seria a
“consciência social” da trama. O diabólico coronel Artur da Tapitanga
seria um vilão do agronegócio. E Tieta provavelmente seria uma ativista
progressista.
Ao
não ser nada isso, “Tieta” revela sua maior qualidade para o espectador
contemporâneo, esteja ele embriagado de saudosismo ou não: a novela
mostra um Brasil que não existe mais. O que é bom – porque ninguém quer
viver numa sociedade que normaliza a pedofilia, o incesto e a
prostituição. Mas o que também é ruim – porque inegavelmente vivíamos
num país mais simples, de riso mais fácil e que não ficava politizando
todas as minúcias da vida. Era um país com os mesmos problemas de hoje e
igualmente consumido pela corrupção moral, mas disposto a lidar com os
problemas da vida, e não teimando em exigir uma realidade perfeita.
Meus amigos riram de mim
quando disse estar assistindo a “Tieta”. Atrevidamente, me desafiaram a
escrever sobre o assunto e a usar os clichês “ainda atual” e “soco no
estômago da sociedade” no título. (Taí). Mas não só não me arrependo
como também não vejo a hora de, logo mais à noite, ouvir o Cid Moreira
dar “boa noite” só para Perpétua aparecer, com sua maldade ancestral, na
telinha cheia de chuviscos. Visse!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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