Toda aquela gente que está em processo de divórcio com Bolsonaro procura justamente uma terceira via. Seria ridículo ter votado em Bolsonaro para tirar Lula, depois votar em Lula para tirar Bolsonaro. Carlos Alberto Sardenberg para O Globo:
Primeiro,
foram empresários da economia real. Depois, a eles se juntaram
banqueiros e economistas do primeiro time. E, agora, o mercado
financeiro também entrou no processo de divórcio com o governo Bolsonaro
e, muito especialmente, com o ministro Paulo Guedes.
As
previsões para os números macroeconômicos já vinham piorando havia
semanas: perspectiva de inflação, juros e dólar em alta, expectativa de
PIB cada vez menor para este e o próximo ano. Mas isso era percepção.
“Só” percepção, se dizia, que poderia mudar assim que o governo e o
Congresso se entendessem sobre um Orçamento minimamente equilibrado para
2022 e, com sorte, sobre algumas reformas (tributária?) e
privatizações.
O
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou acalmar os
mercados justamente com esta tese: tudo isso passa quando o governo
mostrar de onde vem o dinheiro para os diversos gastos.
Mas
na semana passada aconteceu algo real no mercado financeiro, que não
acontecia havia mais de ano: nos contratos de futuros, os títulos do
governo foram negociados a juros de quase 11% anuais.
Isso
revela enorme desconfiança em relação à capacidade de o governo
entregar qualquer coisa que ao menos pareça controle de contas públicas —
gastos abaixo do teto — ou reformas.
Ontem
o ministro Guedes praticamente sepultou a reforma do Imposto de Renda —
no que foi um raro momento de bom senso. Ele disse que, se for para
piorar o sistema, então é melhor deixar como está — que é muito ruim.
Sempre
pensamos que era impossível complicar e pesar ainda mais o sistema
tributário brasileiro. Pois as últimas discussões sobre a reforma do IR
mostram que estávamos todos errados.
E
reparem: há bons projetos de reforma tributária já longamente
discutidos, que até alcançaram um bom nível de apoio. Mas uma mudança
dessas exige um presidente que lidere não apenas sua gente, mas todo o
país, incluindo governadores, prefeitos, empresários e as pessoas, enfim
todo mundo que sofre os efeitos positivos ou negativos do sistema de
pagamento de impostos. E mais um ministro da Economia que também saiba
ligar o mundo econômico ao político.
Não é o caso, nem de um nem de outro.
Tudo
somado e subtraído, temos: o ritmo de recuperação deste ano cai em
relação ao previsto no início do ano, quando se achava que a vacinação
permitiria a abertura plena da economia; o crescimento em 2022 está
apontando para menos de 2%, que é o — baixo — nível de expansão natural
do Brasil; desemprego permanecendo elevado; inflação e juros em alta.
O
dólar deveria cair, não é mesmo? Se os juros estão altos, se a renda
fixa e os títulos do Tesouro voltaram a ser atraentes, era de esperar
que investidores externos viessem com muitos dólares para aproveitar
esses rendimentos. Ainda mais que os juros continuam a zero lá no mundo
desenvolvido.
Mas
o dólar continua alto por aqui, bem acima dos R$ 5. É outro claro sinal
de desconforto. É seguro investir num país em que o presidente é ameaça
às instituições e o governo tem duas políticas econômicas? Sim, duas:
uma, a supostamente liberal do ministro Guedes; e a outra, do Orçamento
paralelo, ou secreto, comandado pelo Centrão.
Assim
nos encaminhamos para um ano de eleições gerais. Bolsonaro está
confinado a seu núcleo duro e nada indica que possa sair dali. Sua
popularidade desmancha semana a semana.
Isso
abre uma enorme avenida para Lula, que já está jogando em todo o país.
Mas também abre espaço para a terceira via, um candidato de centro — que
ainda não está em campo. Mas toda aquela gente que está em processo de
divórcio com Bolsonaro procura justamente essa terceira via. Seria
ridículo ter votado em Bolsonaro para tirar Lula, depois votar em Lula
para tirar Bolsonaro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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