Pela primeira vez, o mecanismo biológico disparado pela solidão foi estudado, usando drosófilas. E o que se descobriu foi que essa mosca de cérebro muito mais simples também apresenta sintomas típicos da solidão quando fica isolada. Artigo do biólogo Fernando Reinach para o Estadão:
Mesmo
quem gosta de solidão sabe que o ser humano é um animal social.
Gostamos de viver em família, comemos e trabalhamos juntos, conversamos e
fofocamos como se o tempo não existisse. O isolamento causa estresse e nos faz sofrer. Não é à toa que a solitária é o pior castigo em uma prisão. Além disso, o isolamento causa angústia e depressão. Muitos estudos mostram que o estresse inibe o sistema imune, aumenta a incidência de câncer, problemas cardíacos e outras doenças cuja relação com o estresse é menos obvia.
No
último ano e meio, grande parte da humanidade foi obrigada a se isolar.
Vivemos trancados e os resultados estão ficando evidentes: pessoas
angustiadas, deprimidas, com problemas de sono e aumento de peso.
O
que ainda não se sabe é o mecanismo biológico que conecta a falta de
contato social a essas doenças. Até hoje se acreditava que eram
mecanismos psicológicos – ninguém suspeitava de que mecanismos
fisiológicos ou genéticos poderiam estar envolvidos.
Agora, pela primeira vez, o mecanismo biológico disparado pela solidão foi estudado, usando as famosas drosófilas.
E o que se descobriu foi que essa mosca de cérebro muito mais simples
também apresenta sintomas típicos da solidão quando fica isolada.
As
drosófilas são criadas em garrafas de vidro, centenas por garrafa, mas é
muito fácil colocar somente uma por garrafa e ver o que acontece. Como
as moscas vivem de 15 a 30 dias, os cientistas dividiram uma população
de moscas em três grupos. O grupo sem tratamento passou a vida toda
convivendo em um grande grupo. Para simular o isolamento agudo, as
moscas do segundo grupo ficaram um dia isoladas. E para simular o
isolamento crônico a solidão durou sete dias (quase metade da vida,
coitadas). Durante a solidão elas tinham acesso a toda a comida que
quisessem e foram tratadas do mesmo modo que as que viviam em grupo.
O
que os cientistas observaram foi que as isoladas por um dia dormiram um
tempo menor e comeram um pouco mais. As isoladas por sete dias dormiram
menos e comeram muito mais. Exatamente o que muitas pessoas fazem no
isolamento. Feitas as observações, as mosquinhas tiveram suas cabeças
decepadas e seu cérebro analisado. O achado impressionante é que nas
moscas isoladas um total de 214 genes teve sua atividade alterada.
Como
a genética dessas moscas é bem conhecida, pôde-se demonstrar que boa
parte desses genes está envolvida no mecanismo do sono e do controle
alimentar. Ou seja, as moscas possuem um mecanismo que faz com que seu
cérebro funcione diferente quando elas ficam isoladas. Os cientistas
descobriram que as diferenças ocorriam em um grupo de neurônios chamados
de P2, envolvidos no controle do sono e da alimentação. E então fizeram
o experimento mais interessante: usaram um truque para tornar mais
ativos esses neurônios. E descobriram que quando uma mosca dessas tem os
neurônios P2 ativados, ela mostra todos os sintomas de uma mosca
colocada por sete dias em isolamento.
Esses
resultados demonstram que no cérebro dessas mosquinhas existe um
mecanismo que dispara uma diminuição na quantidade de horas dormidas e
aumenta o apetite das moscas assim que ela fica solitária. O mais
interessante é que muitos desses genes alterados pela solidão
correspondem a genes existentes em mamíferos e seres humanos. E isso
levanta a hipótese de que nós talvez tenhamos um mecanismo capaz de
alterar nosso cérebro quando submetidos à solidão. Isso não é
completamente inesperado, uma vez que a convivência social é um
componente de nossa vida normal.
Esse
estudo, provavelmente inspirado pela solidão sentida pelos cientistas,
já é um resultado das mudanças provocadas no interesse deles pela
pandemia. E se você dormiu demais e engordou recentemente, pode relaxar,
a culpa pode ser de algum mecanismo como esse que existe nas
drosófilas.
*É
BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E
AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS,
ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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