Ainda que a evolução no Afeganistão não venha a provocar tensão nas fronteiras europeias, há contas por acertar com os EUA. A União Europeia foi demasiado intensa e precipitada no abraço a Joe Biden. João Diogo Barbosa para o Observador:
A
retirada americana do Afeganistão sugere todo o tipo de meditações
sobre a política, a guerra e a natureza humana. Para os líderes
europeus, o choque da tragédia foi apenas a continuação de um processo
delineado sem grande respeito e consideração.
O
anúncio de um novo plano de retirada, feito pelo presidente Biden em
abril, surpreendeu os aliados, que se acharam insuficientemente
consultados. A operação era vista como tendo sido uma ideia americana,
um esforço maioritariamente americano e, no final, um conjunto de
problemas decorrentes de soluções encontradas pela liderança americana,
mas esperava-se cortesia. A perspetiva unilateral da situação é tão
forte que só na terça-feira Joe Biden conversou com um líder europeu
sobre o que se passou. Ainda assim, dividir o Afeganistão numa escala de
investimento ignora o sacrifício dos aliados. Um pouco antes de os
americanos fazerem o mesmo, a NATO retirou 7 mil soldados de outros
países. Europeus morreram em combate, incluindo portugueses. No Reino
Unido, o Daily Mail fez uma pergunta simples numa capa com a fotografia de um funeral militar: “Por que raio morreram?”
Reduzir
a guerra à América funciona se a virmos à distância, mas tem problemas
na prática. A situação no terreno envolve a NATO, envolve a União
Europeia e envolve o Reino Unido. Os problemas de um governo talibã
também. Para a Europa, acompanhar a invasão justificava-se pela
necessidade de combater e derrotar o terrorismo. Essa preocupação
mantém-se se depois da implosão do regime e convive agora com o receio
de uma crise migratória.
Depois
de 2016, com a narrativa que se criou para explicar o Brexit, a eleição
de Donald Trump e a nova direita, os fluxos migratórios tornaram-se a
primeira preocupação da política externa ocidental. O Afeganistão é
exemplo dessa fragilidade. Na América há relatos de que a presidência
está a dificultar a entrada de afegãos, mesmo os que trabalharam nas
suas missões, com o propósito de evitar má imprensa antes das eleições
intercalares do próximo ano. Na União Europeia o cálculo é semelhante e a
prioridade estratégica é agora a criação de condições que minimizem o
número de afegãos a tentar fugir do seu país. É assim que se percebe a
rápida e determinada intervenção do presidente Macron e a declaração do
Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros, Josep
Borrell, sobre a necessidade de conversar com os talibãs.
Mesmo
com as preocupações migratórias, seria um erro legitimar o novo
governo. A União Europeia precisa de repensar o medo que abertamente
demonstra perante qualquer ameaça migratória. É uma fraqueza que o mundo
já notou e está disposto a usar para obter vantagens. O presidente
turco ameaça abrir fronteiras sempre que a política europeia o incomoda,
a Bielorrússia já empurra (literalmente)
imigrantes pela fronteira com a Lituânia e até Marrocos consegue
incomodar o continente a partir de Ceuta. Há bons motivos para temer uma
crise nas fronteiras e a maior delas tem a ver com a dificuldade de
gerir a situação no local, de encontrar políticas que aliviem a pressão
sem rejeitar o tratamento digno de quem procura asilo. Por ser uma
fragilidade, era importante que fosse menos assumida em público e que se
procurasse fazer melhor e mais rápido nos pontos de pressão.
Ainda
que a evolução no Afeganistão não venha a provocar tensão nas
fronteiras europeias, há contas por acertar com a América. Depois de
quatro anos de conflito excessivo com a presidência de Donald Trump, a
União Europeia foi demasiado intensa e precipitada no abraço a Joe
Biden. Até agora, a expectativa de reciprocidade não se concretizou.
Mantém-se uma guerra comercial, a impossibilidade de viajar e, no
Afeganistão, houve uma terrível falta de consideração pelos interesses
europeus. Este é o momento certo para a União arrefecer e reequilibrar a
relação com os seus amigos americanos.
João Diogo Barbosa, jurista é um dos comentadores residentes do Café Europa na
Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer
Resende e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as
segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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