A discussão sobre o limite da obediência ganha corpo entre os militares, escreve William Waack no Estadão:
Depois
do espetáculo deprimente do “desfile” militar de terça-feira ganhou
corpo nos altos escalões das Forças Armadas a discussão sobre os limites
de obediência ao Napoleão que transformou o Planalto num hospício.
Alguns oficiais participantes desse debate (em reuniões formais e,
principalmente, por grupos fechados em redes sociais) lembram o
princípio consolidado na “Führungsakademie” do Exército alemão, que
equivale à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército brasileiro.
É
o da “Innere Führung” – traduzido livremente como “conduta moral” –
desenvolvido como premissa do rearmamento da então Alemanha Ocidental
nos anos 50 e da educação de todos seus líderes militares. Esse
princípio estabelece que o militar é tão somente um “cidadão em
uniforme”, e que deve se orientar por valores éticos e morais
pertinentes a um estado democrático e de direito, e não pela obediência
cega a ordens superiores (que não deixa de ser elemento essencial no
funcionamento operacional de forças armadas).
Admite-se
nesses círculos que o “desfile” foi uma desmoralização para as Forças
Armadas e que Bolsonaro é “inassessorável” – eufemismo para
“incontrolável”. Na cabeça desses oficiais superiores uma ordem
tresloucada dele deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma
probabilidade. Com tendência crescente à medida que o isolamento
político e as consequentes derrotas do presidente se acumulam e a crença
mística que Bolsonaro possui de si mesmo o faz pensar que está ganhando
força quando o que ocorre no mundo real da política é o contrário.
No
melhor dos cenários sobre os quais se conversa amplamente nos círculos
de militares superiores da ativa Bolsonaro desiste das eleições e,
consequentemente, a candidatura Lula se desidrata, mas essa
possibilidade é tida como utópica. Na pior simulação, segundo um
participante desse debate, ele vai desrespeitar alguma ordem do STF,
convocará seus seguidores para algum tipo de “resistência” nas ruas,
haverá conflitos, correrá sangue e então as Forças Armadas serão
chamadas para algum tipo da detestada (pelos militares) operação de
Garantia da Lei e da Ordem.
Nessas
mesmas conversas é reiterado que qualquer tipo de afastamento de
Bolsonaro da Presidência teria de ser exclusivamente pelas vias legais –
ou seja, assim como se refuta a possibilidade de golpe, recusa-se a
ideia de um “ultimato” de oficiais superiores descontentes (e o número é
crescente) ao presidente e seu comportamento desequilibrado. Ocorre que
as vias legais parecem hoje pouco factíveis, como a do impeachment. Ou
de longa duração e legitimidade contestável do ponto de vista político,
que é o caminho da inelegibilidade via TSE.
Resta
enfrentar a desmoralização das instituições incessantemente perseguida
por Bolsonaro num ambiente político polarizado, deteriorado e próximo do
que os militares chamam de “bomba social”, que é o desemprego, a
miséria e a inflação intoleráveis para os mais pobres. Sem que se
identifique neste governo qualquer projeto ou plano de ação para
realmente fazer o País crescer além de dar dinheiro para ganhar
eleições, fuzila um importante oficial superior.
Os
raciocínios de militares de altas patentes espelham milimetricamente o
que passaram a manifestar figuras expressivas de segmentos do mundo
empresarial e financeiro, para os quais Bolsonaro não é apenas ruim para
os negócios. Tornou-se a expressão de olhos revirados e vociferante do
Brasil tosco, bruto, retrógrado – um motivo de constrangimento e
vergonha internacional, e um acinte aos princípios e valores de uma
sociedade aberta e próspera. E que se empenha em bloquear, em vez de
facilitar, qualquer caminho de conciliação política, debate racional e
empenho em tratar dos temas realmente relevantes.
Porém,
da mesma maneira que as divididas elites econômicas e políticas, também
as elites militares estão divididas e sem um claro curso de ação.
Sofrem, como as outras, de falta de lideranças.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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