A violenta instabilidade que agora destrói o país é resultado daquela fatídica invasão de 20 anos atrás. Tim Black, da Spiked, para a revista Oeste:
Os
Estados Unidos devem concluir sua retirada militar do Afeganistão em 11
de setembro. Muitas tropas norte-americanas, assim como as de nações
aliadas, já deixaram o país. O resultado é totalmente previsível — o
Talibã avançou. Só nas últimas semanas, ele tomou o poder em mais de 100
dos 407 distritos afegãos, o que significa um controle sobre a maioria
do país (55%). É verdade que boa parte do território ocupado tem baixa
densidade demográfica, são zonas predominantemente rurais, e em algumas
áreas as forças do governo revidaram. Mas não há como disfarçar o fato
de que o Talibã, destronado pelos Estados Unidos duas décadas atrás,
está mais uma vez em ascensão.
E
o Talibã não tem intenção de deixar como está. Ele agora está cercando
grandes cidades. Os Estados Unidos ainda estão fornecendo apoio aéreo
para as forças do governo, mas é improvável que isso dure muito tempo.
E depois?
As
forças militares e policiais afegãs parecem incapazes de oferecer muita
resistência, com certeza não sem o apoio militar internacional. E
existem relatos de que as tropas do governo, desmoralizadas e sem
liderança, já abandonaram muitos postos avançados e muitas bases. O
presidente Ashraf Ghani impôs toque de recolher de um mês, mas parece
improvável que isso vá inibir as forças do Talibã, que não é conhecido
por sua disposição em obedecer a decretos do governo.
Na
ausência de forças estatais afegãs, foi noticiado que antigos senhores
de guerra começaram a mobilizar milícias privadas, com o próprio governo
chegando a direcionar fundos para elas. O espectro de um retorno do
tumulto pós-soviético do começo dos anos 1990, quando o Afeganistão foi
destroçado por facções beligerantes, incluindo o Talibã, parece cada vez
mais provável.
É
possível que já esteja acontecendo. De acordo com a ONU, quase o dobro
dos civis afegãos foram mortos ou feridos neste ano em comparação com o
ano passado. Fatalidades em maio e junho apenas chegaram ao nível mais
alto — acima de 1.600 — para o período desde que a ONU começou a
registrar essas estatísticas em 2009.
Para
setores das forças militares e políticas do establishment dos Estados
Unidos e do Reino Unido, estimulados, como sempre, por intervencionistas
entusiastas da imprensa liberal, a guerra civil no Afeganistão é uma
prova: uma prova da loucura que significa sair do país. E uma prova, no
fim das contas, da sabedoria por trás da invasão.
A
mídia está em polvorosa. “A retirada colocou o Afeganistão de volta no
caminho do terror, do caos e da desintegração”, afirma um editorial do
Observer. O Financial Times afirmou que as potências ocupantes do
Ocidente até agora precisam continuar lá se quiserem cumprir sua
“obrigação moral para com a população do Afeganistão”. E a CNN citou o
político francês Charles-Maurice de Talleyrand: “Isso é pior que um
crime, é um disparate”.
“Isso”,
os defensores da invasão dizem, apontando para a situação em declínio
no país, “é a razão por que os Estados Unidos e seus aliados precisam
ficar no Afeganistão”. Eles fazem a ressalva de sua defesa daquilo que
na verdade é uma ocupação dizendo que não precisa durar para sempre — só
o suficiente para que a paz seja alcançada.
Mas
isso é uma ilusão. O que está acontecendo no Afeganistão na realidade
não é resultado da retirada das forças lideradas pelos Estados Unidos.
Não, é resultado da entrada das forças lideradas pelos Estados Unidos —
fruto da invasão do Afeganistão 20 anos atrás.
Porque
foi essa ação — justificada de início como uma tentativa de retaliação e
eliminação da Al-Qaeda, antes de se tornar uma ocupação por tempo
indeterminado — que tornou o conflito quase inevitável.
Os
Estados Unidos primeiro destruíram o regime opressor, mas coeso, do
Talibã, ele próprio resultado da guerra civil dos anos 1990. E então
tentaram impor um novo regime ao país, trazendo Hamid Karzai de
paraquedas para governar o Afeganistão à imagem do Ocidente.
Deveria
ser uma democracia constitucional. Deveria haver um Parlamento,
eleições, uma extensão da franquia e das tão alardeadas melhorias nos
direitos das mulheres.
Mas
o problema, como um crítico astuto colocou, é que esse governo, e sua
sede em Kabul, simplesmente não tinha “legitimidade em escala nacional”.
Ele foi uma imposição estrangeira, não uma criação popular. Os bilhões
de dólares injetados do incipiente aparelho de Estado afegão,
supostamente fortalecendo sua infraestrutura de segurança e reforçando o
Exército, só ilustraram sua fraqueza fatal — de que isso não era nada
sem o apoio contínuo do Ocidente.
Então
ele poderia continuar, como aconteceu com Karzai e depois com Ghani no
comando, enquanto os Estados Unidos e seus aliados o apoiassem. Enquanto
eles o financiassem. Enquanto as forças internacionais o defendessem.
Mas sem o Ocidente para sustentá-lo, suas fraquezas políticas e
estruturais seriam expostas para todos verem.
E
é isso que está acontecendo agora. A saída ocidental do país retirou a
principal fonte de força e legitimidade desse Estado afegão. E permitiu
que o Talibã, que na verdade prosperou na ilegalidade do que é
apresentado como um Estado não afegão, preenchesse o vácuo de onde as
forças ocidentais costumavam estar.
Aqueles
que argumentam que a atual desintegração do Afeganistão mostra por que o
Ocidente precisa continuar lá não entenderam. Porque o que está se
desintegrando é o Afeganistão que o Ocidente tentou impor ao povo
afegão. Ele é fruto da força, e só poderia ser mantido pela força. Não
haveria como manter um status quo pós-2001 no Afeganistão que não
envolvesse sua ocupação interminável. Uma guerra eterna de fato.
O
que estamos vendo agora na violenta instabilidade que está destruindo o
Afeganistão não é a loucura da retirada, mas a barbaridade da invasão.
Assim como o Iraque, a Líbia e a Síria antes dele, o Afeganistão deve
ser uma denúncia do intervencionismo ocidental.
BLOG ORLANDO TAMBOSI


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