A terrível história de Zaki Anwari, o jovem afegão que ficou destroçado ao se agarrar ao trem de pouso de um avião americano, numa fuga desesperada. Vilma Gryzinski:
As
cenas das multidões desesperadas no aeroporto de Cabul mostram ao mundo
o que o medo coletivo pode produzir – e como o Talibã, de volta ao
Afeganistão depois de vinte anos do fim de seu reinado de terror,
infunde um pânico indescritível.
O risco da repetição dessas cenas é que as histórias individuais se dissolvam, se esvaiam, se banalizem.
Um
dos casos mais terríveis de uma dessas histórias individuais é o de
Zaki Anwari. Ele tinha 19 anos, jogava na seleção de base de futebol e
desfrutava de um bom padrão de vida, como mostram suas fotos no
Instagram.
Com
poses de influencer, ele aparece com roupas ocidentais e trajes
típicos, geralmente com um relógio de dar inveja à galera. Os seguidores
gostavam da estampa e das frases bem intencionadas, quase ingênuas.
“Você é o pintor da sua vida, não deixe que ninguém tenha o pincel”, dizia uma delas.
Zaki
estudava numa escola frequentada por filhos de diplomatas, com aulas em
francês, um nível bem diferente dos outros dois adolescentes que o acompanharam na fuga desastrosa.
Os irmãos que foram filmados caindo da fuselagem de um C-17, o
gigantesco avião de transporte de tropas americano, vendiam melancia na
rua e catavam lixo.
O
que uniu jovens de origem tão diferente foi o pânico e talvez a
inclinação para o risco dos muito jovens – ou muito desesperados.
O
corpo destroçado de Zaki Anwari foi encontrado no compartimento do trem
de pouso quando C-17 aterrissou na grande base americana no Catar, o
emirado árabe que consegue, simultaneamente, ter um importante acordo
militar com os Estados Unidos e servir de refúgio aos líderes talibãs
que agora começam a voltar ao Afeganistão.
A
Força Aérea abriu uma investigação, mas já adiantou que os pilotos do
avião, que pousou e decolou imediatamente ao ser cercado pela multidão,
não tinham opção.
As
pistas do aeroporto estão sob controle, a poder de gás lacrimogêneo e
tiros para o alto disparados pelos americanos, permitindo que aviões
americanos e de países europeus continuem a evacuar seus cidadãos e
afegãos que conseguem atravessar a barreira humana formada ao redor.
Como têm que chegar até lá por sua própria conta, muitos não estão conseguindo e há aviões partindo quase vazios.
Os
talibãs têm controle da área externa e, eventualmente, desfecham
chibatadas e pancadas na multidão. Com medo de que seus filhos sejam
pisoteados, algumas mulheres passar crianças menores para as mãos dos
militares estrangeiros e chegam a jogá-las por cima da barreira de arame
farpado. Nem todas conseguiram ser pegas. Um comandante britânico disse
que homens que viram bebês presos na cerca precisaram ter
aconselhamento psicológico.
Por
incrível que pareça, a vitória dos talibãs não está sendo contestada
pelo agora dissolvido exército afegão nem muito menos pelos americanos
em retirada, mas por cidadãos comuns que estão saindo em protestos de
rua.
As
manifestações chegaram a Cabul. Os manifestantes saem armados apenas
com a bandeira nacional, verde, vermelha e preta, que os talibãs
substituíram pela sua, branca com inscrições do Corão.
A
“falta de vontade de lutar por seu país”, mencionada pelo presidente
Joe Biden como o motivo da espantosa facilidade com que o Talibã retomou
o poder, talvez não seja tão generalizada.
É isso ou submeter-se totalmente aos ultrafundamentalistas. Ou fugir, como tentam ou tentaram Zaki Anwari e milhares de outros.
“Ele era meu irmão, com quem tive memórias inesquecíveis”, escreveu um amigo dele.
A
realidade crua dos fatos é que histórias como a de Zaki serão
rapidamente esquecidas diante dos novos horrores guardados para os
afegãos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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