Aposta de reunir o campo anti-Irã, fazer a ponte com Israel e jogar no meio um futuro acordo sobre a Palestina é uma tentativa nova para um velho problema. Vilma Gryzinski:
Quem
quiser se divertir um pouco com a agonia dos antitrumpistas só precisa
mencionar um Nobel da Paz para o tão odiado presidente.
Como
o prêmio anda algo desvalorizado e a hipótese de que contemple Donald
Trump é abaixo de zero, encostemos este assunto.Mesmo se Trump fosse
gentil, amável e bem falante – o que não o tornaria Trump -, o prêmio
seria precipitado.
No
tabuleiro de xadrez montado por Jared Kushner, o genro esperto do
presidente, as jogadas ainda estão começando. Publicamente, o primeiro
passo foi o estabelecimento de relações entre Israel e os Emirados
Árabes Unidos. Depois, outro petroprincipado, Bahrain, entrou na dança. O
próximo talvez seja Omã.
Tudo,
obviamente, com o beneplácito não declarado da Arábia Saudita – nenhum
desses minipaíses tem cacife para operar sozinho num jogo tão ambicioso.
A
estratégia de avançar pela “porta dos fundos” – a “porta inteligente”,
preferiu Trump -, atraindo os países árabes que se preocupam acima de
tudo com o expansionismo do Irã e, por vias tortas, apoiam uma solução
alternativa para a questão palestina, dando a Israel como recompensa
antecipada o precioso reconhecimento diplomático, é, por todos os
conhecidos motivos históricos, arriscada.
O risco maior da estratégia de avançar pedacinho por pedacinho, o popular comer pelas bordas, talvez seja o de dar certo.
Vendo-se
crescentemente isolados, e tentados pelas propostas de desenvolvimento
econômico bancado pelos “traidores” que hoje se aproximam de Israel,
líderes palestinos da nova geração poderiam, pelo menos, entrar na
negociação.
Obviamente,
estes líderes seriam os do domínio da Autoridade Palestina – os
radicais de Gaza, do Hamas, jamais cogitariam de qualquer alternativa
que não seja varrer Israel do mapa.
Ou
talvez não seja exatamente assim? Talvez uma abertura acabe provocando
um efeito dominó? Ser ousado na hora certa é uma característica dos bons
negociadores.
Se alguém não entendeu as grandes linhas do jogo, o secretário de Estado, Mike Pompeo, desenhou. “Está tudo conectado”, disse.
“Começou por reconhecer que o principal agente de instabilidade é a República Islâmica do Irã”.
“Esta decisão central passou a guiar todos os elementos de nossa política para o Oriente Médio”.
“Reduzir
nossa presença no Afeganistão, trazer nossos jovens para casa. Reduzir
nossa presença no Iraque e na Síria, apertar as sanções e a pressão
sobre a República Islâmica do Irã, e então desenhar nossa estratégia
para uma paz no Oriente Médio com múltiplas peças”.
Sem
nenhuma surpresa, os países que agora estão aderindo ao reconhecimento
de Israel temem, acima de tudo, o potencial explosivo das intervenções
do regime dos aiatolás, suficientemente comprovado na Síria.
A sobrevivência do regime de Bashar Assad, com a ajuda vital do Irã, demonstrou que a hora de realinhar alianças foi ontem.
Todos
são, obviamente, monarquias com diferentes graus de absolutismo –
exatamente o tipo de regime que pode estar dançando na beira do vulcão
se o Irã fomentar as minorias xiitas. Ou, no caso de Bahrain, a maioria.
O
mais curioso é que as duas democracias envolvidas, os Estados Unidos e
Israel, são as que estão passando por momentos vulcânicos, com Trump sob
risco de perder a reeleição, em meio a protestos violentos, e Benjamin
Netanyahu julgado por corrupção, enfrentando manifestações diárias e uma
disparada dos casos de coronavírus.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Entre
tantos outros perigos, inclusive o de assassinatos políticos, o plano
de Jared Kushner, endossado pelo presidente, assume o risco de apostar
que os benefícios econômicos constituem um elemento suficientemente
pesado para contrabalançar a história, a eterna opção pelo conflito e a
aposta no quanto pior, melhor.
O Oriente Médio não é uma região que dê margem a expectativas otimistas.
Mesmo
se o plano Trump/Kushner venha a avançar para as próximas etapas, ainda
demoraria para chegar a um estado palestino aceitável, com dignidade e
reconhecimento para seus habitantes, e em paz, ainda que nunca deixe de
ser tensa, com Israel. Mas aí, sim, aquele prêmio seria merecido.

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