“Eu
não trivializo o vírus nem o dramatizo”. Com essas simples palavras, o
epidemiologista alemão Hendrik Streeck, da Universidade de Bonn,
sintetizou o que pode ser considerada a reação mais equilibrada à
pandemia entre todos os países desenvolvidos. A Alemanha não seguiu nem a
estratégia relativamente relaxada da Suécia, que está sendo
recompensada agora por um nível mais baixo de contágios, mas deixou um
número alto de mortes, nem os confinamentos muito estritos, que
funcionaram para evitar o colapso dos sistemas de saúde e, diante do
ressurgimento das infecções, voltam a ser acionados.
A
equanimidade da Alemanha é invejável e, a essa altura, irreproduzível.
Ao contrário do que aconteceu quando o vírus explodiu na Europa e,
diante da dramaticidade de uma doença desconhecida, provocou um alto
grau de conformidade com as medidas de restrição da livre movimentação,
os ânimos nessa segunda onda estão exaltados e divididos. Não é
impossível falar num espírito de revolta anticonfinamento. Em países
como Israel e Espanha, já total ou parcialmente trancafiados de novo,
predomina o modelo clássico de protestos de esquerda contra governos de
direita (no caso da Espanha, a nível estadual).
O
caso mais interessante é o da Inglaterra, onde a revolta é de direita
contra direita. O governo de Boris Johnson, um conservador que pretendia
modernizar a ideologia e o partido, está deixando eleitores e
influencers políticos simplesmente enlouquecidos. Os revoltados acham
que está tudo errado e que reativar medidas como o trabalho remoto, além
da imposição de um toque de recolher às 10 da noite para bares e
restaurantes, vai quebrar as pernas de uma economia já cambaleante, sem
conseguir controlar os contágios.
O
racha agora está abertamente declarado também entre cientistas,
acadêmicos e pesquisadores, inclusive das grandes universidades. Dois
conhecidos especialistas de Oxford lideraram um abaixo-assinado,
endossado por um total de 32 nomes, argumentando que 89% das mortes pelo
novo coronavírus ocorrem na faixa acima de 65 anos e 95% nos já
portadores de doenças preexistentes, indicando que “o dano causado por
políticas uniformes suplanta os benefícios”. Como é inevitável nos
tempos atuais, seguiu-se um abaixo-assinado contrário, vindo dos mesmos
ambientes de excelência do primeiro. A ideia de uma “Ciência”
superpoderosa, reinando suprema entre seus conformes cultivadores, que
já estava superada, agora rodou de vez. Vários dos signatários do
primeiro abaixo-assinado são cardiologistas e oncologistas preocupados
com os pacientes que deixaram de ser atendidos e tratados enquanto toda a
infra-estrutura de saúde se concentrava nos casos de Covid-19. Cálculos
mais pessimistas falam até em 60 000 mortes precoces por câncer nos
próximos anos como consequência.
E
o que o professor alemão acha de tudo isso? “Chega de alarmismo”, diz
Streeck. “A Covid-19 estará entre nós por um bom tempo e temos de
aprender a viver com ela. Não podemos continuar a confinar nossas vidas e
parar tudo”. Tem gente querendo importar o alemão.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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