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| Ana Cristina e Bruna Carla: vítimas da violência e da indignação seletiva. |
Há décadas, brasileiros honestos e trabalhadores que vivem em
comunidades são reféns da violência da bandidagem associada ao tráfico
de drogas. Mas, contra bandido e traficante, ninguém faz protesto.
Artigo de Luciano Trigo para a Gazeta - no alvo:
Duas mulheres:
1) Ana Cristina
Na noite de quarta-feira, 26 de agosto, em meio a uma guerra do
tráfico – bandidos de facções rivais disputavam território –, Ana
Cristina da Silva, de 25 anos, foi assassinada a tiros de fuzil no Rio
Comprido, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ela estava indo com o filho de 3
anos para o bar onde trabalhava, quando ficou no meio do tiroteio entre
traficantes. No momento dos disparos, Ana Cristina se curvou para
proteger a criança e acabou sendo atingida na cabeça e na barriga. A
intensidade do confronto impediu que ela fosse socorrida pelo Corpo de
Bombeiros.
2) Bruna Carla
A sargento do Exército Bruna Carla Borralho de Araújo, 27 anos,
lotada na 21ª Brigada de Infantaria Paraquedista, foi assassinada na
frente do marido, da irmã e dos sobrinhos durante um assalto na noite de
domingo, 30 de agosto, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O
marido de Bruna tinha acabado de descer do carro quando ela gritou,
alertando para o assalto; em seguida, ele ouviu dois disparos. A irmã de
Bruna e os sobrinhos foram obrigados a descer, e os bandidos fugiram
levando o veículo.
Essas duas tragédias, extraídas do noticiário da semana passada, logo
serão esquecidas. Se tivessem sido vítimas da bala perdida de um
policial, ou se suas mortes pudessem ser exploradas pela agenda
lacradora do “ódio do bem”, muito provavelmente a internet estaria em
polvorosa, dezenas de páginas contra a polícia fascista seriam criadas
nas rede sociais, e as ruas seriam cenário de protestos indignados. Mas
Ana Cristina e Bruna Carla tiveram o azar de serem assassinadas por
ladrões e traficantes. Contra bandido e traficante, no Brasil, ninguém
faz protesto.
Ninguém vai assinar manifesto nem bater no peito nem encher a boca
exigindo justiça – nem as feministas, nem os intelectuais e artistas,
nem os professores e estudantes da universidade com partido, nem as ONGs
de direitos humanos, nem os ativistas das bandeiras identitárias, nem
os virtuosos canceladores de plantão, nem os youtubers antifascistas,
nem os banqueiros progressistas, nem os digital influencers
ecossocialistas, nem os ministros do STF, nem a turma do “Somos 70%”,
nem os justiceiros sociais, nem os black blocs, nem muito menos os
políticos dos partidos de esquerda.
Ninguém vai passar mais de um ano postando nas redes sociais as
hashtags #QuemMatouAnaCristina? e #QuemMatouBrunaCarla? Simplesmente
não estão interessados. Nenhuma atriz de telenovela ou cantora de axé
vai postar foto com cara de indignada e a legenda “Mexeu com umas, mexeu
com todas”: Ana Cristina e Bruna Carla não dão Ibope.
Nenhum colunista progressista da grande imprensa – hoje muitos vivem
de apontar o dedo com nojinho para os seres inferiores, para o povo
burro rotulado de nazista por não ter votado no mesmo candidato que eles
– vai dedicar uma linha sequer aos assassinatos das duas jovens
trabalhadoras. Bêbados da própria virtude, eles não têm tempo para
lamentar mortes que não confirmam suas iluminadas teses.
Nenhuma entidade de defesa dos direitos das mulheres e das minorias
vai falar em feminicídio ou preconceito, nem vai oferecer apoio ou
assistência às famílias das vítimas – como não ofereceram sequer uma
palavra de solidariedade às famílias dos 106 policiais já assassinados
em serviço no Brasil somente em 2020.
Em suma, a “galera do bem” vai ficar calada. Porque, para essa turma,
as vidas de Ana Cristina e Bruna Carla não importam; só importam
aquelas vidas que eles podem capitalizar politicamente. Só importam
aquelas vidas que podem ser usadas para sabotar adversários políticos,
ou que sejam simbolicamente apropriáveis como ferramentas de uma agenda
ideológica. Se Ana Cristina e Bruna Carla tivessem sido mortas por balas
perdidas de policiais, seria muito diferente. Mas a galera do bem não
faz protesto contra bandido e traficante.
Há décadas, brasileiros honestos e trabalhadores que vivem em
comunidades são reféns da violência da bandidagem associada ao tráfico
de drogas: lá são os bandidos que ditam as regras, determinam quem pode
entrar e sair, fazem revista nos moradores, impõem toque de recolher,
mandam fechar o comércio e determinam as penas de uma justiça
particular, na qual, por exemplo, pequenas contravenções podem ser
punidas com um tiro na mão. Mas, contra bandido e traficante, ninguém
faz protesto.
Nesse ambiente de filme de terror, meninas são cotidianamente
estupradas mal saem da infância; casas de família são invadidas e usadas
como esconderijo de marginais; mochilas de estudantes são usadas para
transportar drogas; crianças são requisitadas como escudos humanos em
confrontos com a polícia; adolescentes ostentam armamento pesado no meio
da rua, em plena luz do dia, intimidando moradores e decretando a lei
do silêncio.
Desnecessário dizer, os tribunais sumários do tráfico não respeitam
mulheres, que podem ter a cabeça raspada no meio da rua, em rituais
medievais de humilhação. Não se tem notícia, contudo, de um único
protesto dos lacradores contra essa situação. O traficante pode
torturar, estuprar e matar, e os virtuosos do “ódio do bem” ficarão
mudos. Há muito tempo o Rio de Janeiro e outras capitais do país estão
sob intervenção dos bandidos e traficantes. Mas, contra bandido e
traficante, ninguém faz protesto.
Há décadas, brasileiros honestos e trabalhadores que vivem em
comunidades são reféns da violência da bandidagem associada ao tráfico.
Não se tem notícia, contudo, de um único protesto dos lacradores contra
essa situação.
Citei acima diversos grupos que ficaram e vão continuar mudos diante
dos dois assassinatos, mas que, por uma questão de honestidade moral,
deveriam demonstrar indignação e protestar contra a morte de duas
mulheres inocentes por ladrões e traficantes. Ou, então, que assumam
logo que sua indignação é seletiva, e não estão preocupados com todas as
vítimas da violência, mas apenas com aquelas vítimas que interessam à
sua agenda. (Na verdade, eles já estão assumindo isso, com seu silêncio
ensurdecedor.)
Mas dois grupos em especial tinham o dever de se manifestar sobre as
duas mortes, especialmente a de Ana Cristina, já que tiveram
participação direta na situação dramática vivida hoje pelos moradores
das comunidades do Rio de Janeiro: os políticos de esquerda e os
ministros do STF.
Como se sabe, no último dia 5 de junho um ministro do Supremo
concedeu uma liminar proibindo a realização de operações policiais em
favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19, sob pena de
serem responsabilizados civil e criminalmente. É isso mesmo: um
traficante pode tocar o terror na comunidade, mas se um policial for lá
tentar proteger os moradores e houver confronto, será ele, o policial,
quem será responsabilizado civil e criminalmente.
A decisão do STF foi motivada por um pedido de um partido de
esquerda, vale a pena repetir, para que fossem interrompidas as ações
policiais nas comunidades durante a pandemia. Para a população honesta e
trabalhadora (que não dispõe, como os políticos, de segurança
particular), à tragédia da Covid-19 se somou assim a tragédia da carta
branca para a bandidagem tomar conta das comunidades, sem qualquer risco
de repressão policial. Em 5 de agosto, o plenário do Supremo referendou
a liminar, pelo placar de 9 votos a 2.
Um deputado emitiu a seguinte nota, comemorando a decisão, como se o
problema fosse o policial que trabalha colocando a própria vida em
risco, e não o traficante que barbariza a população local, e como se
solução para a segurança nas comunidades fosse, simplesmente, a extinção
da polícia: “É uma decisão histórica. Talvez seja a mais importante
vitória contra o racismo institucional. O STF decide em favor da vida e
deixa claro que vidas negras importam".
Já as vidas e Ana Cristina e Bruna Carla...
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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