A "cultura do fichamento" deu origem ao "aspismo", que deveria ficar
restrito ao mundo acadêmico. A propósito, segue coluna de Paulo
Polzonoff Jr., via Gazeta:
A inteligência brasileira sofre do que Carlos Drummond de Andrade
chamou de “aspismo” e Otto Lara Resende chamou de “nomismo”. Há tempos
constato, como disse Clarice Lispector, “isso”. Os intelectuais,
profissionais ou diletantes, não conseguem organizar qualquer tipo de
raciocínio sem recorrer à “validação patética das aspas”, como já dizia
José Saramago.
Talvez seja consequência do que José Paulo Paes, em seu elogiado e
desconhecido ensaio "Aqui Não, Mermão", definiu como “cultura do
fichamento”. Sabe como é: a pessoa perde o prazer da leitura pela
leitura e, página após página, incapaz de formular uma ideia original,
“vai colecionando frases e mais frases que, entre aspas, cabem em
qualquer texto banal sobre assunto igualmente banal e dá a eles, texto e
autor, respectivamente substância, ainda que falsa, e erudição, também
falsa” (Caio Fernando Abreu, in “Estudos Sobre Alguma Coisa”).
A “cultura do fichamento” é, ainda, consequência de uma educação
burocrática, desinteressada da busca pelo conhecimento e sabedoria e
praticamente “tarada por um diploma”, para usar a expressão de Hilda
Hilst. Isso sem falar na submissão dos leigos às palavras dos
especialistas, com seu “bom dia” cheio de referências bibliográficas e
notas de rodapé.
Longe de demonstrar, como sugeria Camões, "embasamento teórico ou
qualquer porcaria do gênero", o aspismo/nomismo é sintoma de uma
inequívoca insegurança. E também de uma boa dose do que Machado de Assis
qualificou, na falta de uma palavra melhor naquela melancólica tarde
chuvosa no Cosme Velho, como “babaquice”. Não se trata daquela coisa que
Isaac Newton falou – e, neste caso, falou mesmo! – de ver mais longe
por se apoiar sobre os ombros de gigantes. Em geral, é apenas uma
tentativa patética de demonstrar erudição, de mostrar aos outros que
você leu “pra c*##@”, como disse Nietzsche.
A rigor, nada contra. Até porque enxergo no aspismo também uma
demanda do leitor, espectador e ouvinte. Eu mesmo às vezes me sinto “na
obrigação de usar algum tipo de citação entre aspas para conferir
credibilidade, peso, sustentação ao meu argumento. E tanto melhor se ela
vier acompanhada por um título de doutor ou PhD”, como me ensinou Paulo
Coelho (ou será que foi Carlos Castañeda?).
Nadas com grife
O fenômeno do aspismo, contudo, não se resume à citação de “nadas com
grife”, para usar a terminologia criada por Roberto Campos. Sua outra
face revela a desejo desesperado de se fazer relevante e, quem sabe,
eterno, por meio da forja de expressão herméticas que condensariam
pensamentos caudalosos. É a “publicidadizizizização da ideia”, para usar
o termo imortalizado pelo inesquecível publicitário gago José da Silva
(pseudônimo) nos corredores da Agência Sei.
É também a “bordização do pensamento”, como bem define um amigo meu,
marqueteiro que prefere permanecer anônimo, mas que jura ser o autor do
bordão “tem algo de podre no reino da Dinamarca”, apesar de eu já ter
esfregado o Hamlet na cara dele. Ao que ele me respondeu dizendo que sou
um típico “intelectual do nada-contra” preso a uma “Alcatraz cognitiva”
e incapaz de perceber a “revolução do 1º andar” em andamento, essa
mesma que um dia acabará com a “ditadura da ironia”, entronizando de uma
vez por todas o “Reino das aspas”.
Por isso me lembro com uma nostalgia sempre ridícula de nomes como
Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. E até do saudoso Paulo Francis,
que chegou a ser considerado plagiário por usar e abusar de paráfrases.
Longe de serem uns matutos incultos, eles absorviam as aspas, se
demoravam na digestão e devolviam ao leitor algo muito maior e, não
raro, melhor.
Se bem que “nostalgia não leva a nada”, como já bem disse Patativa do Assaré.
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BLOG ORLANDO TAMBOSI

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