Roubo de lojas arrombadas durante protestos propicia “uma sensação de
liberdade e prazer” e os saqueadores habitam um “estado de distorção
mítica”. Vilma Gryzinski, sobre a decadência dos intelectuais:
Quando as vitrines das lojas começam a ser quebradas, todo mundo sabe
quais os produtos mais procurados: celulares da Apple, bolsas da Gucci e
tênis da Nike.
Em grandes cidades desordenadas por protestos violentos, saqueadores
de ocasião chegam a encostar os carros na frente das lojas para
transportar o botim. Em Nova York, numa cena infame, uma limousine de
luxo foi usada assim.
O que os americanos mais incautos não sabiam é que isso não é roubo,
mas um ato comparável ao dos colonos americanos que tomaram um navio
britânico e jogaram a carga de chá no mar, no protesto histórico contra
novas tarifas que está na raiz da Revolução Americana.
“Desde o começo desse país, tumultos, saques e retórica violenta são
indicadores de patriotismo”, escreveu Kellie Carter Jackson, professora
de Estudos Africanos, na Atlantic, a revista envolvida no caso do que
Donald Trump falou ou não sobre militares mortos. A diferença entre
colonos rebelando-se contra a matriz colonial do outro lado do Atlântico
e oportunistas que aproveitam o quebra-quebra para pegar caixas e mais
caixas do tênis de Michael Jordan é evidente no mundo da vida real.
Mas no planeta chamado mundo acadêmico a moda é defender o indefensável.
A era da esquerda tradicional, que se orgulhava de colocar milhares e
milhares de pessoas na rua “sem quebrar uma vitrine”, já passou.
No site Spiked, o professor de sociologia Frank Furedi, um
ex-esquerdista que, quando criança, viu os levantes contra o comunismo
na Hungria – e vitrines quebradas por explosões dos tanques soviéticos
usados contra o povo, mas com os produtos todos no mesmo lugar -,
escreveu: “A normalização da violência via reescrever a história não é
somente um exercício desinteressado de busca acadêmica. Ao contrário, o
objetivo é legitimar os tumultos e saques que estão acontecendo agora”.
Furedi fez um levantamento de diversas manifestações que buscam a
legitimação dos saques. Muitas parecem aquelas aulas de filosofia para
iniciantes: “Este lado da classe vai defender a democracia e o outro, a
ditadura”.
A mais abilolada é a de Vicky Osterweil, no livro Em Defesa do Saque –
um ato que propicia a sensação de “liberdade e prazer”. “O saqueador,
como a maioria das personalidades americanas, existe num estado de
distorção mítica. Quando saqueadores emergem de movimentos sociais, a
imprensa os retrata como oportunistas e corpos estranhos; quando
saqueadores destroem propriedade em resposta à violência policial ou aos
horrores silenciosos do capitalismo, são considerados agressores sem
lei. É como se o saque não fosse um ato arriscado de calculado”.
O blá-blá-blá e os chavões pseudointelectuais são tão repetitivos que
despertaram uma dúvida: estaria a autora, agora “legitimada” via
entrevistas a veículos importantes, tentando simplesmente pregar uma
peça?
A impressão é reforçada pelo fato de que, da última vez em que
apareceu em público com ideias “provocadoras”, Vicky Osterweil era homem
e tinha uma namorada. Agora, usa nome feminino, cabelo comprido e
maquiagem. A persona trans garante que será tratada com reverência no
mundo intelectual.
A violência dos protestos desencadeados com a morte de George Floyd
está solidamente cravada no centro da campanha pela presidência.
Donald Trump percebeu a oportunidade oferecida pelos adversários
democratas ao não condenarem os abusos ou apoiarem publicamente os
manifestantes que agem de forma criminosa.
A bandeira mais importante dos organizadores dos protestos passou a
ser a extinção das forças policiais, uma proposta que faz sucesso nos
meios de esquerda e horroriza o resto do país, favorecendo Trump como o
defensor da lei e da ordem.
A tática da campanha de Joe Biden, até agora, é culpar Trump por tudo de ruim que acontece do país ou talvez em toda a galáxia.
O candidato já falou que é “contra todo tipo de violência”, uma
declaração anêmica para quem precisa disputar com Trump o “voto do
subúrbio”, os condomínios onde mora a classe média americana, no entorno
das grandes cidades.
Em entrevista à CNN – o canal que os qualificou protestos “ardorosos
mas majoritariamente pacíficos”, enquanto as cenas mostravam lojas
incendiadas – a mãe de Jacob Blake, o homem acusado de agressão sexual
que ficou paraplégico ao levar sete tiros de um policial -, a mãe dele,
Julia Jackson, demonstrou um equilíbrio inexistente entre os “marxistas
de cátedra” das universidades.
Instada de todas a maneiras a criticar Trump, ela se dirigiu
diretamente a ele: “Não tenho raiva do senhor de modo algum. Tenho o
maior respeito pelo senhor como líder do nosso país”.
Sobre a violência em Kenosha, disse: “Minha família e eu estamos
sentidos e, francamente, enojados. Não ateiem fogo em propriedades e
provoquem destruição e derrubem suas próprias casas em nome do meu
filho. Usar nossa tragédia para reagir desse modo é inaceitável”.
Uma mulher simples como Julia Jackson, guiada pela fé religiosa e
bons princípios éticos, teria muito a ensinar a elites que comemoram
saques como atos de insurgência anticapitalista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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