Quando, para prejudicar o presidente da República, jovens desempregados
têm suas oportunidades cortadas ou cria-se um buraco negro fiscal, é
preciso reconhecer que a disfunção está atingindo níveis perigosos
demais. Editorial da Gazeta:
Se há algo de que o Brasil já estava precisando desesperadamente
antes mesmo de a pandemia do coronavírus destruir a atividade econômica
mundo afora, é emprego. Com as restrições ao funcionamento de muitas
empresas, a prioridade hoje é a manutenção dos postos de trabalho já
existentes, mas, quando o surto passar e os negócios forem reativados, a
geração de emprego voltará a ser o item número um da pauta, e tudo o
que puder ser feito para facilitar contratações será de grande valia.
Por isso, é incompreensível que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), tenha atendido a pedidos de líderes partidários, do centro à
esquerda, retirando da pauta da casa a Medida Provisória 905, que criou o
Programa Verde e Amarelo e, entre outras providências, facilita a
contratação de jovens. O texto tinha sido aprovado na Câmara dos
Deputados no dia 14 e, se não for votado até a segunda-feira, dia 20,
perderá a validade.
Para tomar essa decisão, Alcolumbre alegou a complexidade da MP, que
exigiria dos senadores mais tempo de análise, e o fato de não haver um
“acordo” entre governo, Senado e Câmara, por mais que uma comissão mista
de deputados e senadores já tenha avaliado a MP e aprovado de forma
quase unânime o parecer do deputado Christino Áureo (PP-RJ). Obviamente,
também não ajuda o fato de Alcolumbre ter entregue a relatoria da MP no
Senado a Rogério Carvalho, do PT, partido que tem aversão profunda a
qualquer tipo de flexibilização da engessadíssima legislação trabalhista
brasileira; o próprio relator é um dos que não gostariam de ver o texto
sendo votado no Senado. Os líderes do governo prometeram se empenhar
para conseguir recolocar a MP na pauta da segunda-feira, mas vários
partidos já afirmaram achar melhor que o texto caduque, deixando em um
limbo todos aqueles que já foram contratados pelo novo regime (e cuja
situação dependerá de um decreto legislativo) e acabando com as
esperanças de muitos outros jovens que poderiam conquistar o primeiro
emprego nesta modalidade.
Apesar dos motivos alegados por Alcolumbre para deixar a MP caducar,
os próprios senadores admitem que a decisão está inserida no contexto
mais amplo de embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso
Nacional. A quinta-feira foi de ânimos acirrados, com Alcolumbre e
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, assinando nota conjunta
criticando a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. À
noite, em entrevista ao canal CNN Brasil, Bolsonaro subiu o tom e fez
críticas duríssimas a Maia, especialmente devido às alterações feitas no
Plano Mansueto.
Os termos escolhidos por Bolsonaro no calor do momento estiveram
longe de ser felizes, mas o mérito de sua crítica é acertado. O que era
um plano inteligente de incentivo ao ajuste fiscal de estados e
municípios virou um projeto de socorro a governadores e prefeitos
praticamente sem contrapartidas, cujo custo para o Tesouro (leia-se o
contribuinte brasileiro) é impossível de avaliar no momento, e que até
mesmo pode incentivar estados e municípios a prolongar
desnecessariamente o fechamento dos negócios, já que a recomposição da
arrecadação do ICMS e do ISS estará garantida. A equipe econômica
preparou uma contraproposta que consiste em um meio-termo, com a oferta
de um valor previamente definido aos estados e municípios em troca de
algumas contrapartidas, especialmente relativas a gastos com pessoal, já
que o funcionalismo deve passar ileso também desta crise, ao contrário
dos trabalhadores da iniciativa privada. Maia já atacou essa proposta, e
25 governadores pediram ao Senado que mantenha o texto aprovado na
Câmara.
As limitações de Bolsonaro no que diz respeito à articulação política
são notórias. O presidente não conseguiu formar uma base aliada sólida,
cometeu a proeza de rachar o que era a maior bancada da Câmara, recusa
negociações por confundir diálogo com conchavo, e não pensa duas vezes
antes de comprar brigas com quem quer que manifeste um mínimo de
discordância, afastando até antigos aliados neste processo. Ninguém que
esteja na linha de fogo é obrigado a aguentar estoicamente o bombardeio
e, se Bolsonaro “tem a caneta”, como afirmou recentemente referindo-se a
seu ministério, Maia e Alcolumbre têm a pauta do Legislativo e a
influência sobre seus pares. No entanto, quando, no afã de prejudicar o
presidente da República, jovens desempregados têm suas oportunidades
cortadas ou cria-se um buraco negro fiscal que durará bem mais que o
mandato de Bolsonaro, é preciso parar e reconhecer que a disfunção está
atingindo níveis perigosos demais, que podem inviabilizar todo um país.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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