Estamos chegando perto de onde a curva da relação entre a vida e a economia se confundirão. Luiz Felipe Pondé, via FSP:
A oposição humanismo versus utilitarismo é pura retórica barata, mas é
boa para a polarização política. Humanista, no sentido que se usa nesta
epidemia, é valorizar a vida acima de tudo. Como cada morte é um
absoluto, a ideia do valor absoluto da vida é inquestionável.
Mas, quando um oportunista diz isso, ele paralisa seu raciocínio.
Utilitarista, também no senso comum da epidemia, é o desumano que pensa
na economia e não reconhece o valor absoluto da vida. Errado: o
utilitarismo não é desumano.
A realidade não cabe nessa oposição. Quer um exemplo didático? O
próprio confinamento (considerado pelo senso comum como humanista) visa
diminuir o gargalo do sistema de saúde e reduzir a contaminação do corpo
médico, não só porque o corpo médico (todo o pessoal do hospital) é
feito de gente, mas porque a destruição do corpo médico implica maior
risco do sistema de saúde, que, por sua vez, se for destruído, matará
mais gente. Este raciocínio, para qualquer pessoa treinada em ética
utilitária, é cristalino.
A afirmação "vidas fazem a economia e não o contrário" é conversa
para Disneylândia, retórica barata de marqueteiro querendo seguidores;
adultos sabem que vida e economia estão intrinsecamente relacionadas.
Vida não é um conceito abstrato. E economia não é só mercado financeiro.
Estamos chegando perto de onde essa "curva" (curva está na moda) da
relação entre a vida e a economia se confundirão.
Aqui no Brasil isso tem nome: pobres vão morrer e bonitinhos vão sair do pânico e se esquecer da epidemia.
Infelizmente, por culpa do nosso presidente, caímos numa armadilha
que armou o discurso humanista marqueteiro que dissocia a vida de suas
condições concretas. Muita gente vive querendo dar provas de pureza
anti-bolsonarista e faz parecer que só existe a defesa absoluta e eterna
do confinamento ou a delinquência presidencial.
Não. O grande debate utilitário (definição abaixo) e humanista no
mundo agora é quando e como sair do confinamento. Quem negar esse fato, o
faz por má-fé ou por ignorância.
Não se trata, pura e simplesmente, de suspender o confinamento e
correr para o shopping, mas, como resolver o problema da imunidade do
rebanho (única forma a mão de combate a epidemia) e da economia, que
sustenta todas as vidas, se ficarmos trancados em casa com medo por
meses, criando uma reserva de futuros não imunizados.
Imunidade de rebanho é quando a maioria já ficou imune ao vírus e
isso só acontece quando entramos em "relação" com ele e a maioria
esmagadora sobrevive.
Se você acha que ser humanista é "defender a vida acima de tudo" e
dorme bem com essa definição empobrecida, eu pergunto a você: tá valendo
bater em gente para mandar essa gente para casa na porrada? Não preciso
ser um discípulo de Foucault ou Agamben pra ver aí um ato de violência
biopolítica, que reduz a pessoa a condição de vida nua, que implica por
sua vez em vê-la apenas como transmissora do vírus. Ela não é mais
gente, é um corpo científico que traz o vírus para a sociedade. O
paradoxo do humanismo barato aparece aí na sua farsa.
Infelizmente, o marketing político está jogando com o termo humanista
como se ele fosse um atestado de responsabilidade pública. Não é.
Contrariamente ao que afirmam os oportunistas, o utilitarismo é
humanista, no sentido filosófico do termo: acreditar na capacidade
racional do homem de tomar decisões que reduzam o sofrimento das
pessoas. A fronteira entre humanismo e utilitarismo é menor do que
parece.
E, por último, uma pequena nota de alerta. Há um outro comportamento
se espalhando que é indecente. Supostos "cientistas" que afirmam que
ficaremos em confinamento por um ou dois anos como conclusão falsamente
científica cometem uma indecência. Projeções sem dados suficientes, que é
o caso, não valem nada em epidemiologia, mesmo com o carimbo de grifes
acadêmicas.
O "terrorismo pseudocientífico" deve ser visto com cuidado. É puro
marketing pessoal ou institucional: o pânico dá dinheiro. Esse ato de
terrorismo psicológico não deve encontrar eco na mídia profissional.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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