Doa a quem doer, Boris Johnson atuou sempre de acordo com a melhor
informação disponível em cada um dos momentos. Não fez zig-zags, não
hesitou: decidiu quando era preciso decidir. E deu sempre a cara. Artigo
de Duarte Hipólito Carreira para o Observador:
A ideia era absolutamente brilhante: o Reino Unido não iria tomar
grandes precauções com o avançar do novo coronavirus pelo território,
optando antes por permitir que uma larga fatia da população fosse
infectada pelo Covid-19, estimando que a maior parte recuperaria sem
grandes perdas de vidas, criando assim imunidade de grupo, ideia também
já levada à prática por países como Holanda, Suíça ou Suécia.
O Governo liderado por Boris Johnson divulgou então um detalhado
plano de acção, onde estava traçada a estratégia e que resposta seria
dada à medida que a contaminação avançasse pelo Reino. Eram quatro as
Fases desse plano: Conter, Abrandar, Pesquisar e Mitigar. Todas
interligadas e dependentes umas das outras. Nada de fechar escolas,
obrigar a quarentena ou isolamentos forçados, como a OMS pedia que se
fizesse, e a maioria dos países da Europa, incluindo Portugal, fazia ou
estava a caminho de o fazer. Novamente, a ideia era brilhante. Mas
muito, muito arriscado.
Entre o anúncio deste plano e o dia 16 de Março, cerca de 1500 novos
casos e 55 pessoas haviam perdido a vida. Números baixos e aparentemente
controlados, ainda para mais num país com 66 milhões de pessoas. Tudo
parecia indicar que a famosa curva de salvação do Reino estava achatada,
sem grandes picos, e que assim permaneceria.
As conferências de imprensa de Johnson, juntamente com Sir Patrick
Vallance e Chris Witty, os principais Conselheiros Científico e Médico,
respectivamente, pareciam verdadeiros tratados de como gerir e liderar
perante a maior pandemia desde 1918.
O dia em que tudo mudou
A descida ao inferno começa precisamente no final desse décimo sexto
dia de Março – o Imperial College apresentou ao Governo e ao mundo uma
simulação onde demonstrava que o NHS (Serviço Nacional de Saúde
britânico) não teria capacidade para receber a avalanche de pacientes,
estimando que 30% das hospitalizações iria requerer tratamento nos
Cuidados Intensivos. O estudo
abordava as hipóteses de camas necessárias camas versus disponíveis e
era claro: mudem agora de rumo ou 250 mil pessoas iriam morrer.
E nenhum líder minimamente sensato quer governar o seu povo sabendo
que pode contribuir para a morte de meio milhão de concidadãos.
Talvez por isso me lembre como se fosse ontem do dia em que tudo
mudou – porque na realidade não foi assim há tanto tempo. Estava a ver a
conferência de imprensa em directo, no comboio, saído do trabalho a
caminho de casa. “I must level with you: more families, many more
families, are going to lose loved ones before their time.”.
Nessa quinta-feira íamos entrar “em guerra”.
Cheguei a casa. Ajudei nos banhos das miúdas. Ao jantar, fiz por não
ligar a televisão, não só para evitar a repetição do que já ouvira mas
sobretudo para poupar a minha mulher e a filha mais velha a ouvirem
aquela frase. Muitas famílias irão perder os seus entes queridos antes
do tempo. Deitei-me completamente desolado. Afinal de contas, a inovação
britânica, a ideia de que uma fatia da sociedade ia sofrer – mas
recuperar – para ajudar a que a outra fatia mais velha e vulnerável
fosse poupada a uma mortandade, tinha ido por água abaixo.
Havia, então, começado a Fase da Supressão no Reino Unido. Primeiro,
Boris Johnson transmitiu-nos “recomendações”, expressão tipicamente
britânica já que mais vale apelar voluntariamente do que obrigar a
cumprir. Evitar pubs, restaurantes e cinemas. Grandes ajuntamentos? Não
recomendamos. Lavem as mãos e pratiquem o distanciamento social. Nesse
dia, contavam-se 177 mortos.
De seguida, veio o fecho, sem apelo nem agravo, de tudo o que tinha
serviço ao público e não era considerado vital. Pediram-nos para
confiarmos na cadeia de logística do país, que rapidamente iria repor as
prateleiras dos supermercados, entretanto esvaziadas pela absurda
compra em pânico, talvez provocada pela inversão de 180º no espaço de
poucos dias. Mas a verdade é que, mesmo assim, muitos ingleses teimaram
em não cumprir o que o Governo pediu. E foi então que veio o lockdown, a
medida mais dura, tão dura que ninguém estava à espera que fosse
necessária. Uma semana depois do anúncio das primeiras medidas, o Reino
ia já com 335 fatalidades devido ao novo coronavírus.
Na verdade, não se pode criticar Boris Johnson pela tomada de
decisões – os seus conselheiros médicos e científicos demonstraram, por
A+B, que aquela seria a melhor estratégia a tomar tendo em conta vários
factores, como a pressão faseada no NHS, o impacto económico ou a
incapacidade de a população cumprir prolongados meses de isolamento.
Naquele momento da História, a melhor informação apontava para aquele
rumo. Inverteu as decisões que tomou e fez, uma vez mais, o que
considera ser o melhor para os seus cidadãos.
Quando a Raínha fala, o Reino une-se.
Ontem, pela noite, a Raínha Isabel II fez um histórico discurso à nação.
Apenas o quinto feito pela monarca em 68 anos. Não houve discurso
aquando da Guerra do Iraque em 2003, nem durante a greve dos mineiros
nos anos 70 que obrigou à famosa semana de três dias, em que só havia
electricidade para uso comercial em três dias consecutivos. Agradeceu
aos profissionais de saúde, heróis incansáveis de máscara no rosto, aqui
e em qualquer país. Transmitiu palavras de apoio e conforto para as
famílias que já perderam membros e afirmou que “Juntos combatemos esta
doença e quero assegurar-vos que, se nos mantivermos unidos e firmes,
iremos superá-la”. Foi incisiva, moralizadora e emocional. Não fez
política, pois a Raínha não faz política.
Isso cabe a Boris Johnson, que em Portugal, e sem grandes rodeios, a
maioria toma por um idiota despenteado. Alguma (boa?) parte da
Comunicação Social portuguesa contribui quase diariamente para esta
ideia sobre o Primeiro-Ministro britânico. Desde notícias falsas sobre
motins em Londres, insinuações jocosas sobre a atuação do Governo,
passando pelas habituais comparações entre Trump, Bolsonaro e Boris,
tudo tem servido para denegrir a imagem do londrino de 55 anos.
Pois bem: na última sondagem realizada após ter decretado lockdown no
país inteiro, o antigo mayor de Londres conta com 72% de aprovação
relativamente à forma como tem gerido e atuado nesta crise do Covid-19.
Nem o facto de estar hospitalizado depois de testar positivo para este
novo vírus nem o número de mortos já ultrapassar os 5 mil fazem de
Johnson um líder menos confiável ou menos apoiado no Reino Unido.
Quando começou a aventura da imunidade de grupo, houve quem dissesse
que Johnson pretendia ficar na História como o novo Churchill. Exagero
ou não, a verdade é que para os ingleses, Boris parece ser o líder ideal
para atravessar este momento de luta e dor. Afinal de contas, quantos
primeiros-ministros conhecemos nós que admitiriam perante as câmaras de
televisão que milhares dos seus cidadãos iriam perder antecipadamente
alguns familiares?
Doa a quem doer, Boris atuou sempre de acordo com a melhor informação
disponível em cada um dos momentos. Não fez zig-zags, não hesitou –
decidiu quando era preciso decidir. E deu sempre a cara, nunca se
escondendo atrás outras figuras do seu governo.
Empatia, frontalidade, capacidade de liderança e de ação são algumas
características que procuramos quando votamos num político. E Boris
Johnson parece ter isto e muito mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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